A idade é um dos mais decisivos fatores para o risco de sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Num momento em que nos despedimos do Papa Francisco, na sequência de um AVC e insuficiência cardíaca, é tempo de perceber sintomas e alertas, sendo que as mulheres estão mais expostas à lesão ao longo da vida.
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O AVC é a maior causa de morte e de incapacidade em Portugal e chega, muitas vezes, sem avisar. Apesar do estado debilitado do Papa Francisco, o óbito, aos 88 anos, por AVC, a par de insuficiência cardíaca, não seria a causa mais esperada tendo em conta o quadro clínico. “Sabemos que a idade é um fator muito significativo e sabemos que ele estava numa condição muito frágil, num caso em que eram conhecidas insuficiências respiratórias. São complicações que se avolumam umas sobre as outras”, considera o neurologista e membro da Sociedade Portuguesa de Neurologia Vítor Rocha de Oliveira. “Podemos dar-nos todos por muito felizes por termos tido um Papa até à idade que ele tinha.”
Pode uma doença como o AVC dar sinais prévios? “Nem sempre acontece”, avança o especialista do Hospital dos Lusíadas. Existem, por vezes, “acidentes isquémicos transitórios, em que o vaso consegue recuperar ou outros vasos ao lado conseguem, mas não se deve interpretar como um azar, pelo que, perante um défice transitório - de segundos ou minutos - deve-se ir ao hospital. É preferível pecar por excesso”, recomenda, sublinhando que basta ligar para o 112, que dispõe de uma linha direta de apoio ao AVC para que a intervenção seja feita o mais rapidamente possível e para desentupir um vaso que tenha ficado interrompido ou agir mediante outras tipologias da lesão. Deve-se, assim, agir o mais rapidamente possível quando é notada falta de força num dos braços ou perna, ou se se ficar "com a boca ao lado".
E nas mulheres, há diferenças?
Vítor Rocha de Oliveira lembra que os sinais de AVC são comuns a homens e a mulheres, contudo, estas tendem a desvalorizá-los mais, agudizando o perigo. “Há dificuldade em identificar sintomas mais ligeiros de AVC e que são igualmente graves e podem levar a situações bem mais complicadas nas mulheres do que nos homens”, alerta o neurologista. “As mulheres têm mais propensão para serem mais ansiosas e terem sintomas que não são AVC, mas que podem sugerir AVC, como, por exemplo, tonturas, que é um sinal um pouco específico”. “Quando estão mais nervosas e ansiosas reagem de forma diferente dos homens, o que pode mascarar o diagnóstico, sobretudo quando não há outros fatores típicos de AVC, nomeadamente a idade”, refere.
Vítor Rocha de Oliveira evoca um estudo norte-americano recente para sublinhar que “é mais provável um homem ter um enfarte do miocárdio do que um AVC em primeira linha e que numa mulher se processa ao contrário”. A este fenómeno juntam-se tantos outros: o nível “sócio-económico, a raça e as hormonas”. No caso do primeiro, o neurologista vinca que “as mulheres têm níveis de cuidado e económicos menores - como a alimentação, hábitos de saúde - e que estão muito relacionados com a patologia do AVC, existindo mais casos em níveis sociais mais baixos”, detalha.
O especialista especifica ainda que, após o estudo de larga escala nos EUA, “os AVC são mais frequentes nos afroamericanos e ameríndios, que são mais suscetíveis ao sódio, são muito mais facilmente hipertensos, e em casos graves”.
Quanto às hormonas, o médico explica que estas “também têm implicações”. “As mulheres estão mais expostas a risco de terem AVC em idades jovens” por via “das características normais do sexo feminino e, mais tarde, para outras situações como a gravidez e o parto”. Ainda que em números muito residuais, como faz questão de salvaguardar Vítor Rocha de Oliveira, “são situações que podem aumentar o risco de AVC por via de alterações hormonais, imunológicas e inflamatórias dos vasos”, com especial incidência “nas duas semanas no puerpério”.
E se o sexo feminino tem risco acrescido desde muito cedo, a verdade é que a incidência dos AVC nos homens tende a equilibrar-se com o avançar da idade.
Alimentação: cortar no sal e no açúcar. Adeus, tabaco e álcool
Ter hábitos alimentares saudáveis é amplamente reconhecido como uma garantia de saúde e longevidade. No caso dos AVC não é diferente. “O consumo de alimentos processados, ricos em gorduras, açúcar faz com que as pessoas engordem, sobretudo pessoas de níveis sociais mais baixos e que tendem a ser mais obesas”, diz o neurologista. A que se juntam comportamentos nocivos como o consumo de tabaco e de álcool, que devem, claro, ser evitados.
Recorde-se que, em Portugal, as médias apontam para o facto de, a cada hora, três pessoas sofrerem um AVC, sendo que uma delas não sobrevive e as restantes arriscam ficar com sequelas incapacitantes. Em 2023, e segundo dados do Instituto Nacional de Emergência Médica, a idade média dos doentes atendidos através da Via Verde AVC foi de perto de 74 anos (73,9%) e metade eram mulheres.