Diante de um diagnóstico de cancro da mama e de necessidade de mastectomia, conseguir ficar com os próprios mamilos é sinónimo de conquista. Mas, afinal, o que acontece ao corpo, ao prazer e à sensibilidade quando se mantém ou se perde este pequeno grande detalhe: pacientes e médicas explicam
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Quando a cantora britânica Jessie J, de 37 anos, revelou que ia ser sujeita a dupla mastectomia, contou também que iria conseguir ficar com os seus mamilos e chamou-lhe “tópico estranho”. “Estou a conseguir manter os meus mamilos, e isso é bom”, contava nas suas redes sociais no mesmo vídeo em que surpreendia todos com o difícil diagnóstico de cancro e a vasta cirurgia a que iria ser sujeita.
Num universo mais anónimo, Teresa (nome fictício), com a mesma idade que a intérprete britânica, foi isso que evocou momentos depois de ter acordado de uma longa cirurgia de oito horas com dupla mastectomia e reconstrução mamária na sequência de cancro de mama. “Estou tão feliz, os médicos disseram-me que conseguiram manter os meus próprios mamilos. Apesar de tudo o resto, nem estou a acreditar que consegui isto”, afirmou. Uma conquista de gigante quando tudo parece entrar na rota trágica da doença oncológica e da perda.
Quando há lugar a uma reconstrução – imediata ou não - da região da mama, o volume pode ser mantido, mas arrisca a tornar-se numa zona não tão erógena quanto antes, havendo até uma sensação de corpo estranho. “É bastante comum as mulheres que passaram por uma mastectomia com reconstrução mamária referirem uma perda de sensibilidade ou desconexão com essa parte do corpo”, afirma a médica ginecologista Mónica Gomes Ferreira.
Se, por um lado, a “componente estética surge 'recuperada', a experiência íntima fica muitas vezes comprometida – tanto física como emocionalmente”, acrescenta a mesma especialista. “Muitas mulheres relatam sentir que 'a mama já não é dela', o que pode afetar a autoestima e a vida sexual. Ajudar a lidar com isso implica um acompanhamento multidisciplinar, com apoio psicológico, educação sexual e até fisioterapia especializada. O mais importante é validar o que sentem e oferecer alternativas adaptadas a cada caso”, sugere a ginecologista e médica e cofundadora da MS Medical Institutes.
Mas será que manter os próprios mamilos ajuda a devolver a ideia e a sensação de prazer?
A radioncologista Mafalda Cruz sublinha que “a sensibilidade fica alterada” e, “caso haja a remoção do mamilo, perde-se totalmente”. Admite “algumas alterações”, mas “a parte estética mantêm-se e isso abre possibilidades”.
“No meu caso, dei de mamar, tinha muita pele, o meu médico conseguiu fazer a reconstrução com o que eu tinha e recuperou os meus mamilos”, conta Cristina Pereirinha, que recorda que o especialista foi tão “cuidadoso” que “limpou até alguns sinais que tinha naquela região”. “Comecei a fazer os pensos, a tratar muito bem com creme, com toda a proteção e tenho aqui os meus mamilos lindos. Perfeitos. Mais do que a sensação é a questão estética”, conta esta doente oncológica, de 47 anos, que foi diagnosticada em 2021 com cancro de mama triplo negativo.
A responsável da publicação Oncoglam removeu os tecidos e fez a reconstrução toda num momento só: “O facto de não me ver sem mama, foi muito importante. Sendo eu uma mulher muito feminina e algo vaidosa, foi perfeito. Com a doença, já passamos por tantos desafios, mesmo com a nossa autoestima, não ter que pensar neste tema e de não me ter visto sem mama foi muito importante para mim”, detalha.
Para Ana Luísa Janes esta questão traz outros contornos. Com uma reconstrução da mama direita e uma prótese na esquerda, sente que os mamilos “não é algo que lhe faça diferença"- "Quero ter a maminha”, diz.
Na verdade, esta empresária da restauração e responsável na associação As Rosinhas, que ajuda mulheres mastectomizadas, tem outros desafios pela frente e que passam pela não rejeição da prótese. “Já fiz quatro cirurgias, vou agora para uma nova e já estou um pouco vacilar. Gostava que ficasse um trabalho bonito. No caso do mamilo, já pensei em tatuagem e até já falei com a tatuadora Marilia Pastana, ela faz um trabalho incrível”, antecipa Ana Luísa Janes.
Existem, aliás, várias tatuadoras em Portugal que fazem este tipo de intervenção, em grande parte em contexto gratuito e para mulheres que se debatam com esta nova realidade.