"Portugal é um país onde houve muitas mulheres que tinham muita força, quer seja na política [antes] ou depois da revolução. O papel das mulheres na cultura portuguesa foi sempre fundamental na poesia, na literatura, no cinema, e há uma grande força também das mulheres na modernidade de um país", afirma encenador e programador luso-francês Emmanuel Demarcy-Mota
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A obra "Novas Cartas Portuguesas", de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, será apresentada este fim de semana em Paris, numa iniciativa do diretor do Théâtre de la Ville, Emmanuel Demarcy-Mota. "Hoje parece-me muito importante podermos dar a conhecer em França esta obra fundamental do património e da grande história, também da literatura e dos vários movimentos que não são só feministas, mas também de forma de liberdade contra todas as formas de dominação" em Portugal, disse à agência Lusa o encenador e programador luso-francês Emmanuel Demarcy-Mota.
A obra escrita pelas "Três Marias", publicada originalmente em 1972, em plena ditadura portuguesa, deu origem a um movimento de solidariedade feminista internacional, que teve na escritora francesa Simone de Beauvoir uma das mais acérrimas defensoras, e será agora apresentada no Théâtre de la Ville - Sarah Bernhardt, no sábado, às 18:00, e no domingo, às 15:00, em forma de "leitura-espetáculo".
No elenco estão a atriz portuguesa Maria de Medeiros, conhecida internacionalmente e responsável pela longa-metragem "Capitães de Abril", Valérie Dashwood, atriz de origem inglesa com "um grande amor pela história de Portugal", e a atriz francesa Cécile Garcia Fogel, cujos pais fugiram da Europa Central e foram postos em campos de concentração.
As duas apresentações no início da temporada inserem-se na celebração dos 60 anos da delegação em França da Fundação Calouste Gulbenkian e têm por objetivo "ter uma grande visibilidade", antes do projeto continuar em 2027, segundo o diretor, que afirmou que foi esta instituição que ajudou a sua mãe, a atriz Teresa Mota do Teatro Nacional Dona Maria II, a fugir de Portugal durante a ditadura.
Enquanto diretor do teatro de Paris, "uma grande instituição", Demarcy-Mota considera que é importante manter "uma memória viva" destes acontecimentos e transmiti-la às novas gerações e a outros países, defendendo assim a literatura, teatro, dança, música e autores portugueses nos seus projetos.
Com o seu pai, o encenador e dramaturgo francês Richard Demarcy, também muito ligado ao tema, ao escrever peças para o Festival da Avignon sobre a Revolução Portuguesa nos anos 1970, Emmanuel Demarcy-Mota acredita que "a grande história é ligada muitas vezes à história individual".
O encenador quer, sobretudo, "mostrar a modernidade desse pequeno país, que tem uma grande história, e dar-lhe um passado presente que é necessário ouvir de novo", tendo o gosto de "trabalhar para as pessoas que não conhecem" obras como as "Novas Cartas Portuguesas".
"Portugal é um país onde houve muitas mulheres que tinham muita força, quer seja na política [antes] ou depois da revolução. O papel das mulheres na cultura portuguesa foi sempre fundamental na poesia, na literatura, no cinema, e há uma grande força também das mulheres na modernidade de um país", afirmou.
As "Novas Cartas Portuguesas" constituíram-se, desde a sua edição original, como um libelo contra a ditadura, a guerra colonial, as opressões a que as mulheres eram sujeitas, um sistema judicial persecutório, denunciando a pobreza, os motivos da emigração e a violência fascista.
A afirmação da liberdade inerente a cada um dos seus textos mantém a obra viva, há mais de 50 anos.
Atualmente, Emmanuel Demarcy-Mota está a preparar eventos para 2026, como o festival "Chantier d'Europe", em que "mais de 30 companhias portuguesas [já] foram convidadas", bem como um programa importante de relação entre Lisboa e Paris, e com outras cidades portuguesas, assim como com o Teatro São Luiz, em Lisboa.
"Convidei também uma mulher guitarrista de que eu gosto muito, Marta Pereira da Costa, que é quase uma das únicas mulheres a tocar a guitarra tradicional portuguesa, e vai fazer um concerto aqui em Paris", afirmou Demarcy-Mota sem especificar a data, mas revelando que haverá ainda eventos ligados à cultura portuguesa e a questões da descolonização de Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Emmanuel Demarcy-Mota está desde setembro de 2008 na direção do Théâtre de la Ville, tendo sido ainda o presidente da Temporada França-Portugal 2021-2022, que promoveu eventos culturais, artísticos e científicos entre os dois países.