António Miguel Cardoso: "O Vitória só poderá voltar a crescer dentro de dois anos"
O presidente do clube minhoto faz, em dia de centenário, uma análise ao contexto que o V. Guimarães atravessa e pede união à massa associativa.
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No dia do centésimo aniversário, o V. Guimarães olha para o futuro à luz do pragmatismo de quem tem problemas financeiros que exigem uma gestão rigorosa e muito ponderada. Em entrevista ao JN, feita no camarote presidencial do Estádio D. Afonso Henriques, o presidente António Miguel Cardoso não se esconde às questões, deixando bem claro que, nos próximos dois anos, a componente financeira será mais importante do que a vertente desportiva. Por isso, pede a união dos sócios.
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O V. Guimarães comemora o 100.º aniversário e tem sempre muitos adeptos nos estádios. O que está a faltar para o V. Guimarães ir de forma assídua às competições europeias?
Em termos de envergadura e de apoio, temos tudo. Se calhar, em termos da união dos adeptos, há muito a fazer. A própria cultura dentro do clube pode ser alterada e melhorada. O mais importante é que o Vitória seja um clube sério, rigoroso e que paga as suas contas. Estamos a trabalhar para que o Vitória possa ter cada vez mais vitórias.
Falou da união. Porque é preciso trabalhar mais nesse aspeto?
O Vitória tem uma massa adepta muito fervorosa. É quase sempre para o bem, mas também para criar, às vezes, alguma instabilidade, que também é importante. Os adeptos querem que o Vitória ganhe e muitas vezes não estão preocupados com a gestão financeira. O reflexo maior é a equipa de futebol, mas para que isso aconteça é preciso muito rigor. Muitas vezes, as equipas para ganharem têm de se focar nos detalhes e na união. Nas grandes decisões, se estivermos unidos e com uma cultura desportiva de vitória, vamos estar sempre mais perto de ganhar.
Insistimos, o V. Guimarães pode alcançar uma posição que lhe permita estar nas provas europeias?
Pessoalmente, acredito sempre. É um objetivo, mas neste momento não é o mais importante. Não tirando o foco, o mais importante é reestruturar o clube e criar uma cultura desportiva diferente. Entramos num ano desportivo sem receitas, que já foram todas antecipadas, quer da televisão quer das vendas das camisolas. Entrámos com um passivo muito grande, com dívidas a clubes, a agentes, a fornecedores, sem receitas e com um orçamento por pagar. Temos de pagar salários e pagar aos jogadores. É difícil, neste momento, gerir o Vitória, mas tudo vamos fazer para conquistar o sucesso desportivo e garantir o acesso às competições europeias.
O clube encaixou 22 milhões de euros no mercado. Nem isso ajudou a melhorar a situação financeira?
O passivo é grande e há muita dívida para pagar. E quando entrámos essa dívida estava lá. Quando entrámos já tínhamos todas as receitas hipotecadas para dois anos, fruto da antecipação de oito a nove milhões de euros da televisão e os contratos das camisolas antecipados. Não temos outra hipótese que não seja a venda de jogadores. Conseguimos baixar o orçamento da SAD e temos de equilibrar o que é o passivo e pagando o que está para trás. Esta época, até janeiro e fevereiro, já conseguimos respirar minimamente. Mas só vamos ter as nossas receitas de volta daqui a dois anos. Até lá, é preciso fazer este equilíbrio através da venda de ativos. Mas no próximo ano não queremos fazer aquilo que fizemos desta última vez. Tínhamos jogadores com salários muito altos e com idades que não permitiam fazer grandes transferências. O Vitória, para sobreviver, teve de fazer o que fez nos últimos meses e só poderá voltar a crescer dentro de dois anos. Até lá, não hipotecando os resultados desportivos, temos de fazer um esforço para dar a volta.
Qual é o valor do passivo?
Entrámos com cerca de 60 milhões e mantém-se igual. O Vitória, no ano passado, gastava dois milhões por mês. Quando entrámos, o Vitória não tinha dinheiro no banco e era preciso pagar salários. Dou-lhe como exemplo a antecipação dos direitos do Tapsoba. Neste momento, respiramos melhor, mas continuamos ligados às máquinas.
Nessa lógica, admite vender o naming do estádio?
Sim. No mercado, o Vitória tem um nome que, por si só, já diz muita coisa a nível mundial. Mas, nos últimos tempos, essa falta de rigor e excesso de dívida também levam a que o Vitória não seja tão admirado. Aparecendo um bom "sponsor", é uma situação a ser levada à assembleia-geral, porque os sócios também deverão pronunciar-se.
Quanto pode valer o naming?
Talvez cinco a seis milhões por ano. Mas é um número especulativo.
Há possibilidades da entrada de investidores na SAD, mesmo numa posição minoritária?
Enquanto for presidente, o Vitória deve controlar os desígnios da SAD e do futebol. É um ponto assente. Se aparecer um parceiro minoritário que nos possa ajudar na gestão, que possa trazer liquidez e que seja a longo, médio prazo, e não especulativo, acho que devemos propô-lo aos sócios. Neste momento, estamos mais próximos, porque o clube já começa a ser olhado de outra forma. Vamos com passos lentos, porque há projetos importantes como a nova academia. Ninguém nos vai parar nos projetos a médio e longo prazo.
Mas a nova academia está atrasada. O miniestádio sempre vai avançar?
O ideal era o miniestádio avançar. Não podemos avançar só porque queremos. Para avançar temos de saber como é que vamos pagar. Começamos a ter mais margem para ponderar fazê-lo. Se pensarmos no médio, longo prazo, aquilo que nós gostávamos é que existisse uma academia para o futebol profissional e fora de Guimarães. Temos falado com a Câmara e é importante que existam os terrenos e que os projetos sejam feitos para que depois a academia para a formação possa ser no atual complexo. E perspetivando até, nessa academia, termos quartos e dormitórios. Ter tudo centralizado.
O que está a atrasar?
O importante, de momento, é cumprir com os salários. Não podemos entrar aqui em projetos megalómanos. Temos de ser pragmáticos. Sabemos para onde queremos ir, mas, neste momento, o mais importante é salvaguardar a sobrevivência do clube e cumprir com os compromissos.
O investimento para a nova academia e para o miniestádio é de quanto?
Perspetivando uma academia, sem ser uma coisa exagerada, e excluindo terrenos, vou dar-lhe um número sem qualquer tipo de vínculo, de quatro a cinco milhões. Tem de ser feito um trabalho com a Câmara, que esteja do nosso lado, para que possa viabilizar e ajudar-nos nas questões financeiras. Não sei se será feito para o ano, daqui a três ou a quatro, mas é importante trabalhar nesse sentido.
Fala da formação, mas acabou com a equipa de sub-23. Não é contraproducente?
Para nós, não é. Perante as condições e mesmo que tivéssemos o clube estabilizado, tomaríamos esta decisão. Temos uma equipa B e uma de juniores. E quem não poder dar o salto no imediato, pode ser emprestado a outros clubes.
Qual é a percentagem da redução da massa salarial?
Falamos de 30%. Já conseguimos reduzir e vamos continuar a reduzir no próximo ano. Era importante para a nossa sobrevivência.
Mas essa redução pode inibir desportivamente o clube...
Pode. Mas nos últimos anos temos visto orçamentos a crescer, mesmo em períodos de covid, e sem resultados condizentes. Acredito que com menos é possível fazer mais. E acho que temos mais qualidade, mais juventude, e mais perspetiva de crescimento.
Na necessidade de sobrevivência, há um valor estipulado para o mercado de janeiro?
Neste momento, não estamos encostados à parede. Não somos obrigados a vender em janeiro.
A almofada financeira anunciada na campanha eleitoral já não é necessária?
O ideal era não utilizá-la, porque era mais passivo. Até ao momento, conseguimos. Se for necessário, iremos fazê-lo. Mas tudo faremos para não utilizar.
Como está o processo de acordo com o Mário Ferreira, o maior acionista da SAD?
A antiga administração acordou fazer o pagamento e a compra das ações de Mário Ferreira e temos feito por cumpri-lo. Mas não tem sido fácil. A relação tem sido boa e quando existem atrasos explicamos o que se passa. É alguém que não é um problema, antes pelo contrário. Mas estamos empenhados em comprar o resto das ações.
Quanto falta pagar?
Cerca de três milhões, acho eu. É uma fatia pesada.
Desde que entrou já teve algumas baixas, como os casos de Diogo Boa Alma, Pepa e Diogo Leite Ribeiro. O que aconteceu?
Temos formas de liderar, de lutar pelos nossos objetivos e, nesse caminho, muitas vezes, há pessoas que têm outras formas de pensar. Nada disto é pessoal. São processos naturais naquilo que é a gestão de um clube que é feita não para agradar a toda a gente, mas para agradar aos interesses do clube.
O clube investiu pouco em jogadores, mas pagou um milhão de euros pelo passe de André Silva. Compreende as críticas?
Achámos que era um ativo demasiado valioso, que tem uma idade potencial para que se possa afirmar e ser transferido mais tarde.