Numa época em que o Sp. Braga sonhou alto e não foi feliz, o futebol feminino superou-se e festejou um inédito título de campeão nacional.
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Ao cabo de três anos de uma aposta arrojada, o Sporting de Braga sagrou-se, no domingo, campeão nacional de futebol feminino pela primeira vez, como corolário de uma campanha quase 100% vitoriosa, que bem cedo prometeu o título às guerreiras do Minho.
"A equipa foi montada para ganhar títulos e correspondeu", resume Miguel Santos, técnico do Braga, que no início desta época já fizera história no clube, ao vencer a Supertaça contra o Sporting, então campeão nacional e maior rival das bracarenses.
"Começámos e acabámos a ganhar. Só faltou a Taça, mas caímos nas meias-finais [com o Benfica, da segunda divisão]. Há mérito de toda a gente", acrescenta o técnico do Braga.
Numa época em que a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) do Braga apostou como nunca e acabou por ficar distante dos objetivos em várias frentes, até o presidente António Salvador, na hora dos festejos, fez comparações. "[Eles] Têm de ganhar mais vezes, como elas ganham", atirou o líder do emblema bracarense.
Após dois segundos lugares seguidos, o Braga superou o Sporting, ao qual já vencera fora (2-0) e empatou em casa (0-0), num jogo em que um ponto bastava para garantir o título. A equipa ainda joga amanhã, fora com o Vilaverdense, no fecho da Liga, mas só para cumprir calendário.
"O clube ajudou a melhorar o futebol feminino e tem excelentes condições de trabalho. Os troféus são consequência da aposta", realça Matilde Fidalgo, atleta que já passou por vários projetos vencedores em Portugal (ver ao lado).
Abraçar a Europa
Apesar de o Braga ter uma equipa profissional, o futebol feminino está inserido no clube e não na SAD, sendo que na próxima época, terá pela frente dois aliciantes extra, na mira da consolidação do projeto. O Benfica vai juntar-se à elite da modalidade e a equipa minhota disputará pela primeira vez a Liga dos Campeões. Miguel Santos, mesmo sem saber se fica à frente da equipa pois ainda vai falar sobre isso com António Salvador, admite que a luta em Portugal "passará a ser a três" e, na vertente europeia, a equipa terá primeiro de fazer a qualificação, em formato de grupos, para aspirar à fase regular, a eliminar. Depois dos seniores masculinos será a vez do futebol feminino jogar na mais importante prova de clubes. "É uma montra para qualquer clube", destaca Miguel Santos.
Por estes dias, porém, é tempo de festa, nas hostes braguistas. Afinal são as meninas que fazem sorrir a Cidade dos Arcebispos...
A prima de Bernardo Silva que é jogadora-talismã
Três vezes campeã nos quatro anos anteriores (duas no Futebol Benfica e uma no Sporting), Matilde Fidalgo chegou a Braga com a época em andamento, perdeu a disputa da Supertaça, mas foi a tempo de se destacar e juntar novo título ao palmarés, ajudando o Braga a fazer história. "Fomos muito consistentes e o título premeia a regularidade exibida", sintetiza a jogadora, defesa de posição, de 24 anos.
"Tem corrido bem, não me posso queixar", diz, a sorrir, face ao estatuto de atleta-talismã. "Tenho estado em projetos vencedores e que foram bem sucedidos", explica. Lisboeta, o gosto pelo futebol nasceu através dos irmãos, ainda que na família haja um primo afastado que a liga a um dos maiores craques lusos, Bernardo Silva, do Manchester City. "Temos um bisavó em comum. Cheguei a jogar contra ele em Lisboa, nas escolinhas e nem sabia que era meu primo", revela.
"É difícil atingir o patamar do Bernardo. Trabalho para isso, mas ele é um fora de série...", frisa, consciente de que no futebol feminino "não dá para construir fortunas". E já tem plano B: formou-se em engenharia do ambiente: "É importante ter uma rede de segurança além disto", conclui.
A acrobata que começou no berço de Ronaldo
Conhecida pelos golos acrobáticos, Laura Luís é um dos principais rostos do triunfo do Braga na Liga. A avançada, que é natural da Madeira, deu os primeiros passos no Andorinha, o mesmo clube do berço de Cristiano Ronaldo e onde privou com o pai do craque da Juventus, Diniz Aveiro, que era o roupeiro. "Jogava com os rapazes e não havia um balneário para as duas raparigas da equipa. Tinha de me equipar na rouparia do pai de Ronaldo", recordou.
Laura, que tem 26 anos, esteve no Andorinha dos nove aos 13. "Depois, fui para o Marítimo e decidi tentar fazer carreira". Há duas épocas, acabou contrato com o USV Jena, da Alemanha, e aceitou o convite do Braga. Na primeira época no Minho foi a melhor marcadora da Liga (31 golos). Este ano não marcou tanto (13), mas também foi importante no título. "Tinha fé que as coisas iam correr bem. O clube e a cidade merecem esta vitória", frisa.
"Feliz" por fazer o que mais gosta, Laura abraçou o profissionalismo com satisfação, mas avisa: "Isto não dura para sempre e a nível monetário não se compara com o masculino. Por isso, estou a tirar a licenciatura em educação física, que é um objetivo pessoal".
A zagueira que jogou ao lado da "rainha" Marta
Janaína Queiroz Cavalcante, simplesmente "Jana" no mundo do futebol, é uma das jogadoras mais experientes do plantel do Braga.
Aos 31 anos, esta "zagueira" natural de Fortaleza, Ceará, cumpre a segunda época no clube, mas orgulha-se de um percurso diversificado, maioritariamente feito no Brasil, que também já a levou à Rússia.
"Em Portugal, dá-se mais destaque à posse de bola. Tens de pensar e executar mais rápido. Gosto deste futebol", refere Jana, que despontou em 2008, aos 20 anos, quanto jogou ao lado da "rainha" Marta no Santos. "Foi um privilégio, digno de contar um dia aos meus filhos", destaca.
Oriunda de uma "família humilde" que a apoia à distância, Jana surgiu no futebol por influência familiar e tem uma irmã que também é jogadora, no Atlético Foz, do Rio Grande do Sul, no Brasil. "Nunca jogamos juntas. É um sonho adiado".
Profissional desde os 15 anos, a central é internacional brasileira e possui um vasto palmarés conquistado em clubes como o Santos e o Corinthians, a que juntou agora o título português. "Adaptei-me lindamente a Braga, ao clube, a tudo. O meu desejo é ficar. Estamos a conversar...".