Assédio no futebol feminino: "Se quisesse alguma coisa, tinha de dar outra em troca"
O JN conta-lhe casos de treinadores e dirigentes que assediaram jogadoras. Uma atleta foi agredida.
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Ao longo da carreira como jogadora de futebol, há um episódio que Raquel Sampaio nunca se esquece: "Havia um treinador que não estava ali apenas para treinar e assediava algumas jogadoras através de mensagens ou comentários. A equipa fez queixa à Direção e ele foi afastado". Este é apenas um exemplo de como o futebol feminino ainda continua a ser um mundo difícil para as mulheres, onde crescem muros de silêncio e impera o medo.
Hoje, Raquel Sampaio é agente de futebolistas. Para trás, ficou uma carreira no Estoril como diretora de Marketing e no Sporting como diretora do futebol feminino. Dentro do campo, guarda boas histórias, fora dele a realidade nem sempre foi cor de rosa: foram vários os casos de assédio sexual que tomou conhecimento. "Nós, mulheres, ainda somos algo vulneráveis e temos medo de falar das coisas. Se o caso vier a ser exposto publicamente, a jogadora pode ser afastada ou ignorada. Depois, há treinadores com ligações à Direção e têm as costas quentes", disse ao JN.
No meio onde abundam homens, as palavras nem sempre são as melhores. Exemplos? "Um dirigente fazia comentários menos próprios e olhava para as mulheres como sendo pouco profissionais. Quando lhe pedia algo relativo à equipa, fazia uma aproximação física e respondia-me que, se quisesse alguma coisa, tinha de lhe dar outra em troca". O que nunca aconteceu. "No momento de assinar contrato, questionava as jogadoras se tinham namorado e fazia várias perguntas pessoais".
Tudo menos um agente
Mas há outras experiências traumatizantes. Ainda hoje, quando relata a história, uma antiga jogadora de futebol que prefere manter o anonimato não evita a emoção: foi agredida e alvo de uma tentativa de violação protagonizadas por alguém que se apresentava como agente de futebol. Começava por oferecer às atletas material desportivo, depois pedia-lhes para se despirem e fazerem videochamadas, alegando que precisava de verificar "a evolução da condição física". Mas esta atleta não aceitou. Posto isto, uma reunião que seria de trabalho acabou da pior forma: "Ao jantar puxava por conversas sexuais e queria embriagar-me. Quando chegámos ao hotel, soube no check-in que íamos ficar no mesmo quarto".
As surpresas desagradáveis não ficaram por aqui: "Saltou para cima de mim e tentou forçar-me a fazer-lhe sexo oral. Deitou-me de barriga para cima e prendeu-me os braços com os joelhos. Consegui soltar-me e dar-lhe um murro". Foi aí que começaram as agressões. "Achei que ia morrer, aliás, ele colocou-me uma almofada na cara e dizia que me matava". O caso acabou em tribunal e o suposto agente cumpriu serviço comunitário e pagou à vítima uma indemnização de apenas 750 euros.
Outra jogadora que também se refugia no anonimato teve um treinador que lhe fez uma proposta: "Se eu fizesse algo com ele podia ter benefícios em campo, mas sempre lhe disse que preferia nunca mais jogar futebol". Como a resposta sempre foi negativa, o técnico insultava-a nos treinos: "Chamava-me porca". Algo que a incomodava, mas nada podia fazer: "Há treinadores que são contratados por agentes com ligações ao clube e se forem despedidos todo o projeto pode ser colocado em causa".
Estes três casos mostram o lado mais negro do futebol feminino. Enterrado no medo e no silêncio.