Campeonato durará menos de oito meses e implica um desgaste atroz para as equipas. Clubes investem a vários níveis para lidar com o calendário e as viagens longas.
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Chama-se Embraer E-190 e é provável que seja uma das contratações mais importantes do Palmeiras dos últimos anos. Não tem nome de pessoa porque não é uma, mas sim um avião, cuja compra, longe de ser um capricho, é uma necessidade justificada com "a dimensão continental" do Brasil, que, aplicada ao futebol, cansa clubes, treinadores, equipas técnicas e os mais diversos departamentos a lidar com exigências únicas, desde o treino até à logística inerente a cada deslocação. Leila Pereira, a presidente do "verdão", diz que este "reforço" aéreo visa dar "mais conforto e agilidade" aos jogadores e à equipa de Abel Ferreira, que, como as outras, enfrenta deslocações longuíssimas, cansativas e muitas vezes desesperantes para dar resposta a um calendário que quase não deixa espaço para respirar, quanto mais para treinar. "Há equipas que para chegar ao destino do próximo jogo têm de apanhar dois aviões e um autocarro. É terrível", resume, ao JN, Eduardo Dias, CEO da Footure, uma empresa de consultoria que colabora com vários clubes.
Não é preciso ir muito longe. Hoje, para disputar a primeira de 38 jornadas do Brasileirão, o Internacional vai ter que ir de Porto Alegre, no extremo Sul, até Fortaleza, situada no extremo Norte. Ao todo, serão cerca de 4200 quilómetros para cada lado, um pouco menos do que ir do Porto a... Moscovo (Rússia). Ter um avião particular ajudaria a minimizar o problema porque facilita as ligações, livra os clubes de se adaptarem aos horários dos voos comerciais, para além de lhes permitir ter a aeronave preparada da maneira que querem, conforme as necessidades da equipa.
E isso está longe de ser um mero pormenor quando, para além das 38 jornadas da liga, há ainda a Copa do Brasil e as competições internacionais (um levantamento do site Bola Vip calculou que os sete clubes brasileiros presentes vão dividir 153 mil quilómetros em viagens só na fase de grupos), tudo para jogar até 3 de dezembro - em menos de oito meses - e num contexto em que viajar de avião é inevitável quase sempre que se joga como visitante. Na versão 2023 do Brasileirão, que terá acompanhamento do Canal 11, 16 das 20 equipas estão concentradas entre Porto Alegre e Belo Horizonte (Fortaleza, Bahia, Cuiabá e Goiás são as exceções), mas a área que abrangem é superior a 1700 km, mais do que a que começa no Porto, cruza a Espanha e acaba em Paris. Há a noção clara, contudo, de que ter um avião não chega. "Os clubes têm investido em tecnologia, em ciência e em departamentos especializados para que as equipas possam superar o terrível desafio físico e mental", diz Eduardo Dias.
Global e mais rico
Com toda esta sofreguidão já lidam Abel Ferreira, que vai defender o título de campeão, Luís Castro, António Oliveira, Ivo Vieira, Pepa, Pedro Caixinha e Renato Paiva, os treinadores portugueses que, com outros dois argentinos, carimbam a mudança de paradigma no futebol canarinho, já não tão conservador, nem tão senhor de si. Até pode dar-se o caso de todo este panorama tão caótico ser parte do charme e uma das razões para nos últimos anos ter atraído interesse global e convencido treinadores, jogadores e investidores estrangeiros.
Por exemplo, Luis Suárez rumou ao Grêmio, enquanto Marcelo (ex-Real Madrid) regressou ao Fluminense e há cada vez mais clubes sob domínio privado, de empresários ou empresas, como o Bahia, que se tornou propriedade do Grupo City, e o Vasco da Gama, renascido graças aos americanos 777 Partners. "O campeonato deixou de ser tão imprevisível porque o poder económico de alguns é muito maior agora", refere Eduardo Dias. Dos 20 clubes que vão disputar a liga, 15 já foram campeões. "Há clubes gigantes em todo o território", finaliza.
Entrevista
Está no futebol brasileiro há 11 anos. Sente que tem havido uma evolução positiva?
Sim. Há mais qualidade, o que também se deve ao facto de haver melhores estádios e relvados muitos melhores. Também há mais e melhores treinadores e consequentemente melhores métodos de treino, o que também eleva a qualidade do futebol. Por outro lado, o aparecimento de clubes-empresa e de investidores tem contribuído para mudar a mentalidade ao nível da gestão.
O futebol brasileiro tem a fama de ser conservador e pouco aberto a outras culturas. Nesse aspeto também sente que tem havido mudanças?
É mais difícil. Até em Portugal quando vem um estrangeiro a exigência é maior. Sinto que nos últimos dois anos há um desconforto muito grande em relação aos treinadores portugueses. Mesmo com os sucessos do Jorge Jesus e do Abel Ferreira, ainda há muita desconfiança e alguma revolta. Há um certo complexo.
No entanto, a procura pelo treinador português cresce. Quais são as maiores dificuldades de treinar no Brasil?
Há muitas queixas pelo número de jogos, o calendário e as viagens, mas temos que nos preparar para isso. Ou seja, é muito importante dar importância à pré-época porque durante o campeonato quase não há tempo para treinar, é só jogar e recuperar. Os portugueses têm-se queixado disso, mas já sabem que isto é assim, logo não adianta reclamar.
Esta época, estarão sete treinadores portugueses no Brasileirão. Quem terá mais dificuldades?
Acredito que será o Renato Paiva porque acho que a equipa dele não é forte o suficiente para as aspirações do clube. O Bahia é uma equipa grande, que joga sempre com o estádio cheio, que tem adeptos exigentes e que quer estar nos primeiros lugares. Acho que o Luís Castro também terá o mesmo problema e dificuldades em gerir as expectativas dos adeptos do Botafogo.