O espanhol David Belenguer, há dois meses e meio no cargo de acionista maioritário da SAD do Tondela, fala, em entrevista ao JN, do projeto que tem em prática no clube do distrito de Viseu. Na Liga desde 2015/16, no momento mais alto da gestão do presidente Gilberto Coimbra, o futebol profissional dos beirões está agora a cargo da Hope Group, empresa que gere ainda o Granada (Espanha) e o Chongqing Lifan (China).
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O Tondela é o primeiro clube que lidera. Porquê o Tondela?
Os membros do grupo onde trabalho estavam à procura de vários clubes para investir na Europa e um dos que cumpriam as diretrizes era o Tondela. Com o tempo, fui tendo uma boa relação com o presidente Gilberto Coimbra. A partir daí, ficou tudo bem encaminhado, foi muito fácil, como consequência das ideias semelhantes que tínhamos para o clube. Vim pela primeira vez no verão de 2017. Havia outras soluções, mas no final chegámos a um acordo.
Qual foi a primeira impressão?
Foi que todos os passos que se fizeram foram meditados e contados. Não me deu a sensação de estar num clube que fosse sobrevalorizado, mas sim que cada vez que dava um passo, fazia-se com estruturas fortes. Foi um clube que nunca se endividou, o que dá tranquilidade na hora de abraçar um projeto assim. Deu-me a sensação que gastava o que necessitava.
Assegurar a permanência na Liga de forma mais tranquila é um dos objetivos?
Claro. É muito habitual quando alguém chega ter muitas ideias. Estou ligado ao futebol há muito tempo e passei por muitos clubes, de muitas divisões. Uma das coisas que aprendi é que os clubes têm de ter os pés bem assentes na terra. A razão principal pela qual o Gilberto quis vender o Tondela foi por entender que necessitava de ajuda para explorar algumas das áreas que a Liga de hoje precisa. Os últimos anos foram muito duros para ele e precisou de ajuda. O que não se pode pensar é que basta ganhar algumas linhas e que tenhas de fugir da filosofia do clube. Acho que quando se chega a um clube tem de se respeitar o ADN. Há que ir passo a passo, melhorar as coisas que se podem melhorar ou criar o que não existe, mas há que ser consciente de que somos o Tondela, que não estará no top quatro ou no top cinco de Portugal, isso é uma utopia. Pretendemos que seja uma equipa que tenha uma posição mais tranquila, que possamos aumentar o negócio em algumas áreas e que se converta numa equipa com aspirações para não sofrer pela permanência, estando numa zona tranquila, para crescer.
A construção de um centro de estágios é uma das medidas?
Um dos aspetos que mais me atraem é a construção de uma cidade desportiva. É muito importante. Isso depende do clube, mas não entendemos a separação do clube e da SAD. Para nós, juridicamente obriga que seja assim, mas tanto eu como o Gilberto entendemos que isto é um clube, num projeto unido. O clube precisa da SAD e a SAD precisa do clube. E não faz sentido romper com esta norma. É um projeto bonito e sinto-me privilegiado por começar um projeto desde o início.
A formação é para ter em conta?
Vamos ver se melhoramos essas ferramentas para aumentar o valor. Pelos bons resultados que têm tido, vamos ver se podemos melhorar essa ferramenta e utilizar jogadores mais novos. Para mim, em futebol, tem de haver uma ligação do clube com os mais novos.
Em que divisão estaria o Tondela em Espanha?
Creio que estaria na Liga principal, como em Portugal, a lutar para não descer. Nos últimos quatro a cinco anos, a segunda divisão espanhola aumentou muito o interesse pelos direitos de televisão. Havia muitos jogadores da primeira divisão que podiam perfeitamente estar na segunda. O campeonato é mais competitivo, mas não era assim. Deu um salto de qualidade enorme. Já Portugal está numa fase de encontrar um modelo para aumentar os valores dos direitos de televisão.
Pensa aumentar a capacidade do Estádio João Cardoso?
O primeiro objetivo é fazer com que as pessoas venham, aí podemos tentar investir mais. Não gosto de ver um estádio vazio e isso é um passo que Portugal tem de dar. Para vender internacionalmente tem de haver um ambiente de futebol, atrativo para que se possa comprar o produto. Um dos objetivos é aumentar os espectadores e depois, se possível, a capacidade. Pensamos algumas medidas, como o contacto com os jovens e escolas para os aproximar ao clube. Há que promover, para depois vir mais gente. Quanto menos cadeiras vazias, melhor.
É mais fácil implementar uma SAD num meio pacato ou numa grande cidade?
Depende. Para atrair gente, é mais fácil numa grande cidade. Mas para atrair patrocinadores é mais difícil... O que gosto no Tondela é da capacidade de crescimento que tem. Muitas vezes vai-se a um clube com muitos adeptos e é mais difícil tomar medidas e trazer ideias.
Isto é um investimento de milhões?
Sim, em milhões... de ilusões. Não é uma loucura, tudo neste projeto foi pensado para a realidade do Tondela.
O treinador [Pepa] é uma peça-chave desta aposta ou está dependente dos resultados?
Qualquer treinador está sempre dependente de resultados. Mas, também é verdade que os resultados vêm com tranquilidade e paciência, sem tomar decisões com o coração. Por experiência, sei que há melhores resultados quando dás tempo. O Pepa já está cá há três épocas e creio que é um grande treinador, adequado ao Tondela. O futuro é incerto e até pode dar-se o caso de ele se sair muito bem e que venham tentar contratá-lo... Temos recebido abordagens e isso é sinal de que tem trabalhado bem.
O projeto é a médio prazo?
Espero estar aqui muitos anos . No futebol nunca se sabe, mas não vim para estar um ano, dois ou três... A intenção é fazer um trabalho válido, dentro desta indústria que é o futebol. Tenho 20 anos de profissional e a ideia é aplicar toda a experiência nisto.
Se o Tondela descer de divisão, o projeto estará em causa?
Descer faz parte do desporto, mas não será por isso que me irei embora. Nem sequer passa pela minha cabeça que vamos descer. Somos ambiciosos, queremos estar na Liga, não há outro cenário. Mas se tal não acontecer, tudo faremos para voltar rapidamente à Liga.
Sendo espanhol, David Belenguer segue com interesse a La Liga e, ao JN, também deixou a impressão sobre a badalada transferência de Cristiano Ronaldo para a Juventus.
Segue a Liga espanhola?
Sim, claro, menos do que antes, pois agora sigo muito o futebol português. Sempre fui grande adepto de futebol, mesmo após ter deixado de jogar.
Se fosse presidente do Real Madrid, teria deixado sair Cristiano Ronaldo para a Juventus?
Não posso ser presidente do Real Madrid, porque não sou sócio...
Mas se fosse?
O Cristiano é um dos melhores jogadores da história do futebol. Há quem goste mais e quem não goste tanto, mas quando se fala dele fala-se de um dos dez melhores de sempre. Há que desfrutar e valorizá-lo. No futebol há circunstâncias para analisar, que muitas vezes não são públicas e sem saber isso não me atrevo a dizer se o Real fez mal ou não, em tê-lo deixado sair.
O que aprecia da Liga espanhola que gostaria de ver em Portugal?
Os estádios cheios. Todos! Não só quatro ou cinco. Seria importante, para vender a Liga internacionalmente. É um passo fundamental. Nos últimos anos saíram imensos jogadores para o estrangeiro, muitos deles para as principais ligas e isso é um sinal de qualidade.
O que está a faltar?
Essencial é a questão dos direitos televisivos. Sem a centralização, será muito difícil, de forma a que as equipas menos fortes diminuam o fosso. Com os estádios cheios, a Liga ganharia força internacionalmente.
O que acha do videoárbitro?
É importante, sem dúvida. É uma ajuda. A arbitragem mantém a maior importância, mas é uma ferramenta que veio ajudar a diminuir os erros.
Quando estava no Getafe e era capitão, depois de subir chegou duas vezes à final da Taça do Rei. Gostava que o Tondela fosse a uma final?
(Sorri). Vamos passo a passo. A ideia é que o Tondela se torne ainda mais competitivo e que seja capaz de ganhar a qualquer equipa.
O que é que mudou em si, com a compra do Tondela?
Fiquei com menos tempo livre... A nível profissional não mudou muito, vejo os jogos com um pouco mais de frieza, tirando, claro, o Tondela...
Vem cá muitas vezes?
Uma ou duas vezes por semana. Pelo menos tento vir quando o Tondela joga. Mas nesses dias trabalha-se menos e aí tento ficar mais tempo.
Mas vive em Espanha?
Sim, ou melhor, não sei onde vivo... lavo a roupa em Espanha. Estou sempre a viajar, sem esforço... Não é um passeio, faz parte do meu trabalho. É a minha maneira de viver.
David Belenguer
Data de nascimento: 17/12/1972 (46 anos)
Nacionalidade: espanhola
Cargo: Presidente da SAD do Tondela
Percurso como jogador: Extremadura, Betis e Getafe
Títulos: Betis (campeão da 2.ª Divisão espanhola)