Depois de admitir depressão, judoca Célio Dias confirma: "Sou portador de HIV"
O judoca português Célio Dias admitiu que tem como missão combater todo o tipo de discriminação e, esta semana, anunciou ser portador de HIV. "Para mim, não faz sentido falar destes assuntos depois de terminar a carreira. O impacto não é o mesmo", vincou.
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Como qualquer outro atleta, Célio Dias sempre lutou por bons resultados, medalhas, triunfos. Mas também não esconde que tem como grande desafio mudar a mentalidade do desporto. E têm-no feito. Primeiro, foi o primeiro - e até agora único - atleta de alta competição em Portugal a assumir a homossexualidade. Depois, admitiu ter problemas de saúde mental. Agora, decidiu partilhar que é portador de HIV. "Não tenho necessidade de me expor. Mas é necessário falar destas características, que outras pessoas também têm", começou por explicar ao JN.
Célio Dias cresceu num bairro social no Monte da Caparica. O judoca foi adotado e teve o primeiro contacto com o judo aos 13 anos, graças a uma conhecida. A paixão pela modalidade foi imediata. "Sempre me defini como alguém que não pertence a lado nenhum. O judo foi uma tentativa de completar uma falta de afeto. Como o meu início de vida começa com uma desvinculação, tal fez com que, em termos emocionais, nunca tivesse uma real noção do que é estar com outra pessoa, quer em amizade ou família, em plena plenitude de sentimento", explicou ao nosso jornal. Obcecado pela competição, Célio vingou no judo e chegou a representar Portugal nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. "Demorei a perceber a importância deste marco". As expectativas do atleta eram altas e não passava outra coisa pela cabeça do judoca outra coisa que não conquistar uma medalha. Mas, depois de ser eliminado no primeiro combate, tudo se desmoronou.
"Quando perdi logo o primeiro combate, lembro-me que a primeira coisa que pensei foi "não vais chorar". Bloqueei as emoções e desencadeei um processo de alienação relativamente à realidade que me fez ter um surto psicótico. Deixei de partilhar as crenças sociais e passei a ter acesso a uma realidade que não existe. Quem está em surto psicótico percebe que algo pode estar errado, mas o cérebro está tão cheio de estímulos que não consegue perceber que algo não está bem. Foram muito importantes, na altura, os meus amigos, o meu treinador e a minha família. Perceberem que não estava bem e encaminharem-me para o hospital. Mais tarde, foi-me diagnosticado esquizofrenia paranoide". Seguiram-se meses muito complicados. Onze meses de depressão -"não saía da cama, não queria tomar banho" -, dois pensamentos suicidas, além as vozes que ouve na cabeça por causa da esquizofrenia paranoide. Vozes que lhe dizem, por exemplo, para matar, valores muito diferentes com os quais cresceu. E que só não as ouve quando está a competir ou a dormir.
"Procurei ajuda e comecei a sentir-me muito melhor. Voltei à competição devagarinho e pretendo estar nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. Mas sem nunca abdicar da minha saúde mental", explicou-nos. Amante de artes - "elas sei que nunca me abandonam" - Célio Dias está a tirar o curso de psicologia, escreveu um livro de poesia e tem um projeto que visa ajudar pessoas com problemas no que diz respeito à saúde mental. "Apesar de tudo, a fase em que tive os problemas foi a mais bonita da minha vida. Percebi que o sofrimento é uma escolha e tornou-me numa pessoa muito mais corajosa.
"Sou portador de HIV"
Agora, o judoca português decidiu partilhar um diagnóstico que ninguém quer receber. Mais uma vez, lá está, para combater estigmas. "Sou portador de HIV. Recebi o diagnóstico em 2018", revelou ao JN. O choque foi imediato, numa altura em que ainda lidava com a esquizofrenia paranoide. "Senti medo, senti vergonha, porque esta é uma doença ainda muito estigmatizada e a vítima é sempre a culpada. Quando soube do diagnóstico, foi um desafio porque mentalmente não estava bem. Passaram-me pensamentos suicidas pela cabeça. Agora, que me sinto mais tranquilo e numa altura que estou prestes a competir em Madrid, primeira prova para conseguir a qualificação para os Jogos Olímpicos, decidi falar. Quero falar durante a minha carreira e não depois, que o impacto não é o mesmo. Porque quando se faz isso, é porque alguém privilegiou o atleta em prol da pessoa. Farei sempre os possíveis para contribuir para uma sociedade melhor", garante.
Agora que voltou a abrir o livro, Célio Dias não esconde o medo. "Tenho medo das reações, claro. Sou humano. Mas a minha missão é maior do que tudo isso". E é mais um grande triunfo.