Equipa leiriense passou a ser vista como um exemplo para os adversários.
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Ouvem-se risos e pequenos gritos misturados com o som das botas no chão do balneário. São 19 horas, chove e está vento mas as jogadoras da ACR Maceirinha só estão preocupadas em saber se as bolas já estão no campo. Jogar futebol faz parte da vida delas, mas nos últimos meses ganhou outra dimensão. São a única equipa feminina a disputar o campeonato distrital sub-13 na A. F. Leiria e fazem-no extracompetição.
"Os resultados não têm sido favoráveis, mas estamos contentes com o nosso desempenho. Estamos a melhorar a cada jogo, a aprender com os nossos erros e com as outras equipas que também nos ensinam a jogar", esclarece a defesa Dorisa Silva. A equipa tem 88 golos sofridos e cinco marcados em 14 jogos.
Na época passada, o clube reativou a secção de futebol feminino com uma equipa júnior, a competir no campeonato nacional. O projeto despertou a curiosidade de atletas, as redes sociais espalharam a mensagem e o aparecimento do Sporting, Braga e Benfica ajudaram.
Todas quiseram arriscar
"Quando dou por mim, no início da época, tenho 28 atletas e não tenho resposta para todas, porque o que elas querem é jogar à bola. Mas eu só posso levar 16 a jogo. E as outras?", explica o treinador Simão Cardoso. A solução chegou pela A. F. Leiria, com uma vaga para uma equipa sub-14 no campeonato distrital sub-13, em formato extracompetição, "para poderem crescer a jogar". Sem direito a pontos e em jogos "que não contam", a maior parte delas disse "eu quero". "Com tudo o que isto implica. Temos jogo ao sábado de manhã com as sub-14 e as juniores jogam à tarde, às vezes longe. Para quem joga, é melhor jogar do que vir só treinar. Isso é como matá-las", salienta.
Quatro meses depois, Simão Cardoso sente diferenças no grupo. "Para quem joga regularmente, tem sido uma boa forma de crescer". O plantel, composto por atletas entre os 13 e os 18 anos, reparte-se pelos dois campeonatos, sub-13 e sub-19, e entre as mais novas, algumas são presença habitual nas seleções distritais e vão com facilidade ao escalão superior. "Este futebol é alegria e elas fazem-no de uma forma muito positiva, querem jogar, evoluir e ser felizes, tudo com enorme vontade de aprender".
E se, nos primeiros jogos, os adversários e público estranhavam a presença da equipa, agora a ACR Maceirinha é apontada como exemplo: "Tenho meninas que jogam tão bem ou melhor que os melhores [rapazes]. Têm muita qualidade e muita vontade, isso faz a diferença". A conquista dos três pontos, ainda que fictícios, é o próximo objetivo. Quem sabe já amanhã, no jogo com o Caldas SC.
Nos jogos os adversários sentem-se mais intimidados
No intervalo das aulas e nos tempos livres, é frequente vê-las a jogar com rapazes. A mudança aconteceu na época passada, quando começaram a treinar apenas com raparigas.
Lara Silva, com 14 anos, é a senhora da baliza. Joga em outras posições "se for preciso", mas é entre as redes que se sente à vontade. Na época passada, o exame médico não a deixou alinhar na equipa júnior, este ano chegou a fazer meio jogo do nacional sub-19 com o pulso partido, nada que a condicionasse. Reconhece que a posição "é um pouco ingrata", mas não se incomoda. Mesmo com 88 golos sofridos. E também não se incomoda de jogar contra rapazes: "Eles estranham mais do que nós, ficam intimidados. Para nós, é fácil, estamos a jogar".
"Muitos perguntam como é jogar numa equipa feminina e participar num campeonato contra equipas de rapazes", conta a central Dorisa Silva, de 13 anos. Para ela é indiferente se joga contra rapazes ou raparigas, o que interessa é jogar. "Na época passada treinei apenas. A equipa está a evoluir e isso nota-se nos jogos", diz. Os pais, que num primeiro momento, não concordavam com a escolha das filhas em jogar futebol, agora apoiam a decisão. "O que interessa é jogar. Estamos a fazer o que gostamos, não é?"
A goleadora de serviço nem sequer é avançada
Escolha frequente para alinhar na equipa de juniores, Jéssica Gonçalves é a autora de dois dos cinco golos que a equipa sub-14 conseguiu marcar esta época. Ambos, nos jogos com os resultados menos dilatados da época: 1-3: "Não me lembro muito bem do primeiro golo. Sei que rematei. Apanhei a bola perto da baliza e confiei no meu instinto. Resolvi rematar". Valeu a pena.
A lateral, que tanto joga na direita como na esquerda, quer continuar a fazer o gosto ao pé, nas sub-14 e, se possível nas sub-19. Numa equipa ganha ritmo de jogo, na outra, entre atletas do mesmo género, sente-se na zona de conforto. Ajudar a ACR Maceirinha a conseguir a primeira vitória nos distritais é o objetivo.
Jéssica Gonçalves tem 14 anos e joga desde os cinco. Começou em equipas mistas no clube da terra, UD Batalha, e passou pela Academia do Sporting na Marinha Grande, onde o irmão também jogava. Ambos usam o número quatro. No ano passado, mudou para a Maceirinha.
Contudo, o futebol faz parte da vida de Jéssica há mais tempo. O pai, Luciano Gonçalves, foi árbitro profissional durante vários anos e é o atual presidente da Associação Profissional de Árbitros de Futebol. "Não é um assunto que faça parte das nossas conversas. Nem ela nem o irmão se queixam dos árbitros, é um tema que não se aborda em casa", afirma Luciano Gonçalves, satisfeito com o desempenho da filha. "É muito importante que as associações estejam disponíveis para promover competições. Só assim se consegue elevar a competição desportiva e a promoção do futebol" defende.
A. F. Leiria analisa a criação de Liga sub-14 feminina
O aparecimento de mais uma equipa a jogar nas provas distritais e, neste caso, de futebol feminino deixa satisfeito Manuel Nunes, presidente da A. F. Leiria. Promover a prática desportiva "com fair play" é o principal objetivo. O convite para a ACR Maceirinha jogar extracompetição surgiu por parte do próprio quadro técnico da associação. "Esta é uma das soluções para conseguir desenvolver o futebol feminino e a que nos pareceu melhor para que as jogadoras tenham ritmo competitivo", explica o dirigente.
A A. F. Leiria está recetiva a criar um campeonato sub-14 exclusivamente feminino, em Leiria ou interdistrital, mas alerta que os clubes e as instalações estão saturados. "Alguns clubes têm 20 equipas e são obrigados a jogar em dois e três lugares diferentes. Com o aparecimento das equipas femininas, o problema do uso de balneários traz mais constrangimentos. Uma equipa feminina não se pode equipar ao mesmo tempo e no mesmo balneário que uma equipa masculina. Tem que haver uma gestão ainda mais rigorosa dos espaços. Se por um lado queremos mais equipas e femininas, por outro temos que gerir bem as instalações", entende.