Nos próximos jogos das três equipas lusas na Champions, leões e dragões são, ao lado do Barcelona, os que mais beneficiam com jogadores da casa.
Corpo do artigo
Numa célebre conferência de imprensa, ainda estava ele no Athletic Bilbao, Marcelo Bielsa levantou a voz como poucas vezes se lhe viu: "É fácil meter jogadores jovens e aumentar a lista, mas o que se deve fazer é lançar os jovens e que não fracassem. A função não é lançar os jovens para mostrar que não servem, mas para mostrar que servem".
Os anos passam, mas de tempos a tempos, estas palavras tornam-se virais, principalmente quando os atos não batem com as palavras e alguém diz que lançou muitos jovens, como se isso, por si só, fosse tudo. Daqui a uns dias, quando a segunda jornada da Liga dos Campeões for para o ar, é provável que Barcelona, F. C. Porto e Sporting tenham o aceno aprovador de Bielsa. O Borussia Dortmund também, mas menos. Benfica e Liverpool nem por isso.
Entre os seis clubes das três equipas portuguesas envolvidas na Champions, há três que se destacam neste aspeto. Dados recolhidos pelo JN, e que não contemplam os jogos de ontem, concluem que o Barça é o que tem mais jogadores da formação no plantel principal (12) e o que mais utilizou até agora (10). No entanto, só sete participaram em três ou mais jogos e neste particular está de mão dada com F. C. Porto e Sporting: Diogo Costa, João Mário, Vitinha, Bruno Costa, Sérgio Oliveira, Fábio Vieira e Francisco Conceição foram chamados por Sérgio Conceição em três ou mais partidas, enquanto Rúben Amorim usa com a mesma frequência Rúben Vinagre, Gonçalo Inácio, Ricardo Esgaio, Palhinha, Daniel Bragança, Jovane e Tiago Tomás.
O treinador leonino destaca-se por ser o que dá mais tempo de jogo aos futebolistas com origem em Alcochete (2713 minutos), sendo que o Sporting também é o clube que tira mais proveito ofensivo dessa aposta com os golos de Palhinha (2), Joavane (1) e Gonçalo Inácio (1). No que diz respeito à finalização, contudo, tem a companhia do Borussia Dortmund, que tem os mesmos quatro golos marcados pelos cinco jogadores da formação que já utilizou esta época. Em relação às assistências, também o F. C. Porto beneficiou de quatro passes decisivos de dragõezinhos de berço, feitos por Fábio Vieira e João Mário.
De resto, Benfica e Liverpool estão atrás nestas contas, seja quanto à utilização ou quanto ao aproveitamento. O plantel das águias tem seis jogadores "made in Seixal", mas só três (Diogo Gonçalves, Morato e Gonçalo Ramos) são aposta recorrente de Jorge Jesus: ainda nenhum marcou e entre eles somam duas assistências. Já para Jurgen Klopp, só Alexander-Arnold e Elliot, agora lesionado, são tidos em conta regularmente. Os outros sete quase só fazem número.
Investimentos milionários na melhoria das academias
Clubes gastam como nunca em instalações cada vez mais evoluídas e em inovações tecnológicas que ajudem na evolução dos mais jovens
Na última semana, o Manchester United anunciou um plano de melhoramento do Centro de Treinos de Carrington, onde se treinam todas as equipas do clube. As obras serão milionárias e, entre outras coisas, dotarão as instalações com mais campos, mais ginásios, mais balneários e mais espaços médicos. Recentemente, também o Leicester desembolsou 100 milhões de euros para pagar um novo centro de treinos e formação, comprovando que o investimento para formar jogadores tem crescido a um ritmo quase inacreditável. As academias só passaram a ser prática comum a partir de 2000 e desde então nunca mais se parou de tentar torná-las maiores, melhores e mais eficientes.
Enquanto o F. C. Porto ultima preparativos para avançar com a construção de uma academia em Matosinhos, também Benfica, Sporting, Barcelona, Liverpool e Borussia Dortmund não escapam à tendência. Os "reds", por exemplo, estabeleceram-se recentemente no Kirkby Training Centre, com instalações novinhas em folha, enfeitadas com as mais recentes inovações e com os equipamentos mais extraordinários, a troco de 60 milhões. A evolução científica e tecnológica é, aliás, umas das principais causas de tanto crescimento e investimento, já que as inovações não param e é preciso tê-las, sob pena de se ficar para trás. Nos últimos anos, o Barcelona também alargou e melhorou as instalações da "La Masia", enquanto o Borussia Dortmund tem recorrentemente dotado o Strobelallee Training Centre de tudo e mais alguma coisa.
Benfica e Sporting não querem ficar para trás, claro. Por isso, Frederico Varandas anunciou, em 2019, que melhorar a Academia Alcochete é uma prioridade deste mandado, com os leões a reservarem 12 milhões de euros para o efeito. Também o Caixa Futebol Campus, no Seixal, tem sido alvo de várias ampliações e melhorias: em 2017, o investimento chegou aos 11 milhões de euros e dois anos depois Luís Filipe Vieira anunciou mais obras.
Rui Gomes, treinador adjunto do Al Ain e ex-técnico dos sub-19 e sub-17 do F. C. Porto : "Pode ser fator essencial na viabilidade dos clubes"
A formação já não é o patinho feio dos grandes clubes?
Se se fala de formação é porque é algo que faz parte do modelo de gestão dos clubes, logo nunca poderá ser considerado um patinho feio. De uma forma geral, a formação é vista não como um problema, mas, claramente, como uma solução. Na ideia de quem gere há uma perceção de que pode ser um fator essencial na viabilidade dos clubes.
Mas é mais vista como um modelo financeiro ou desportivo?
Ao longo do tempo, têm vindo a ser exploradas várias possibilidades de rentabilizar a formação e o que fica cada vez mais evidente é que ambas as vertentes, a financeira e a desportiva, são tidas em consideração. Inicialmente, a formação era vista como algo diretamente ligado à gestão desportiva, um meio de obter jogadores baratos e de qualidade, mas, a dada altura, os clubes europeus mais fortes começaram a ver Portugal como um mercado de jogadores de elite e os clubes portugueses começaram a pensar que seria possível compatibilizar a vertente desportiva e financeira.
Dá a ideia que os jogadores formados no clube têm sempre a vida mais dificultada para se imporem. Concorda?
Acho que essa dificuldade tem mais a ver com o perfil do treinador da equipa principal do que com os clubes. Há aqueles que se conseguem abstrair da idade, da proveniência, da nacionalidade, e há outros que parecem que têm mais dificuldades em fazê-lo. O Rúben Amorim, por exemplo, não tem problemas em apostar na formação. Está na mão dos clubes decidir o perfil de treinador que querem.
Com o aumento de investimento nas academias, os jogadores vão ser melhores no futuro?
Há condições para isso. O processo formativo é cada vez melhor, logo os jogadores chegam melhor preparados à etapa sénior. Agora, os jogadores estão em evolução permanente.