Só há três mulheres em Portugal a presidir federações desportivas de utilidade pública. Na semana em que se comemorou o Dia Internacional das Mulheres, o JN foi conhecê-las.
Corpo do artigo
Em 1899, a Carta Olímpica de Pierre de Coubertin assentava na igualdade de género, inclusividade e não discriminação, mas 124 anos depois o que se preconizava para o Desporto está longe de ser uma realidade. No passado mês de fevereiro foi apresentado no Porto o relatório final do grupo de trabalho para a igualdade de género no Desporto, no qual o Governo definiu uma estratégia para garantir uma maior participação das mulheres. Desse relatório emanam 15 recomendações para colocar em prática políticas de igualdade e aumentar o acesso e a participação das mulheres em lugares de direção de entidades públicas ligadas ao Desporto. Esse é caminho para que se atingir a marca mínima de haver 40% de mulheres no dirigismo em 2029. João Paulo Correia, secretário de Estado do Desporto e da Juventude, apontava, na altura, para apenas três mulheres presidentes de federações desportivas em Portugal, entre as 60 federações em atividade, e são elas a Federação Portuguesa de Petanca, a Federação Portuguesa de Lohan Tao Kempo e a Federação Portuguesa de Dança Desportiva, cujas dirigentes o JN foi ouvir, na semana em que se assinalou o Dia Internacional das Mulheres.
Cesaltina Conceição (Petanca): "A família ainda pesa muito nos ombros de uma mulher"
Cesaltina Conceição, de 55 anos, é advogada e presidente da Federação Portuguesa de Petanca e não esconde que nem sempre tem sido fácil ser uma mulher no dirigismo, porque ainda hoje os traços de uma educação machista persistem. "Agora já nem tanto, porque passei a ir aos torneios, lido mais com atletas e dirigentes. Estão melhores. Os atletas mais velhos diziam "olha, a mulher vem ali", ou "está ali", não era a presidente. Hoje é diferente, atendendo à forma como atuo com todos, consegui mudar certas atitudes. Mas ainda se notam algumas coisas", garantiu, ao JN, a presidente eleita em junho de 2020.
A mentalidade tem vindo a mudar, "mas ainda existe o estigma de os homens serem mais capazes, do que as mulheres", frisou. "Há muito poucas mulheres em cargos de excelência, porque elas são casadas, têm filhos, têm as casas para cuidar e não têm tempo para dirigir as coletividades", acrescentou.
O desporto e o dirigismo ainda são atividades muito conotadas. "Geralmente, são mais praticadas por homens nas associações e federações, porque eles é que se candidatam mais e não as mulheres", justificou. Além disso, há sempre maior dificuldade para a mulher conjugar a sua vida com outras atividades. "A família ainda pesa muito nos ombros de uma mulher. É sempre muito importante que as mulheres não faltem, que possam ir a determinadas horas a determinados sítios e com filhos já não o podem fazer e é pior quando eles estão doentes. Com os homens é indiferente, se houver algum problema, as mulheres resolvem os assuntos para os libertar da família para as atividades deles", explicou Cesaltina Conceição.
Em relação ao futuro, vê pouco empenho para mudar: "Tenho uma ideia pouco abonatória, porque esta geração não gosta de ter grande trabalho. É muito na onda do menor esforço, ou no que é que ganho com isso?"
Marina Rodrigues (Dança Desportiva): "As mulheres olham para o dirigismo por outro prisma"
A Federação Portuguesa de Dança Desportiva tem Marina Rodrigues, de 52 anos e médica dentista, à frente dos seus destinos, mas apesar da conotação da dança, que se poderia fazer, com o sexo feminino a presidente garantiu ao JN que a situação é inédita. "É a primeira vez [desde 2021] que há uma mulher a liderar. Até aqui foram homens, embora sempre com mulheres na direção dos órgãos sociais. Mas as mulheres têm conquistado protagonismo desde o início. Toda a gente tem respeito e percebe-se nas atitudes das mulheres igual reconhecimento", sustentou. Como em muitos casos, Marina Rodrigues reconhece que não fazia ideia naquilo que se ia meter, quando resolveu candidatar-se à direção da federação. "Efetivamente, não tinha noção do volume de trabalho quando vim aqui parar, nem do tempo que tinha de dedicar a este projeto. Mas não senti nenhum tratamento diferente, todos são muito atenciosos comigo. Não tenho problemas de afirmação", completou.
Apesar de tudo, o contexto atual está longe de ser satisfatório. "As coisas estão a mudar e num futuro próximo essa igualdade vai surgir. Temos de ter paciência, porque as coisas são mesmo assim, hoje as mulheres estão mais recetivas. Em termos de competência é igual, antigamente havia uma ligação à família que não as deixava atingir estes cargos. Mas hoje as mulheres olham para o dirigismo por outro prisma", argumentou. Marina Rodrigues acredita até que a tendência é para haver cada vez mais mulheres à frente de federações e associações. "Desde que a mulher esteja consciente do que vai fazer, é tão capaz como um homem. Têm de ter consciência que estão a abraçar um projeto de enorme responsabilidade e representam um conjunto de atletas e um desporto na sua essência", explicou a presidente que vê uma nova geração "mais recetiva a mudanças de comportamento".
Vera Rebelo (Kempo): "Verifica-se que a mentalidade tem vindo a mudar"
Vera Rebelo é presidente da Federação Portuguesa de Lohan Tao Kempo, uma arte marcial eclética, e foi a que pareceu mais otimista, das três dirigentes ouvidas pelo JN, em relação à evolução das mulheres no dirigismo em Portugal. "A existência de poucas mulheres no dirigismo tem a ver com um estigma das anteriores gerações", argumentou a empresária de 53 anos. "Contudo, já se verifica que a mentalidade tem vindo a mudar. Neste momento, o número de mulheres no dirigismo é cada vez maior e o seu destaque em papéis de liderança é exaltado por resultados de excelência", acrescentou.
Numa sociedade moderna, Vera Rebelo acredita que o papel das mulheres é diferente daquele que assumia na geração anterior e que a tendência de igualdade deverá acentuar-se nas próximas décadas. "Acredito que no decorrer das próximas épocas teremos um aumento significativo de mulheres no dirigismo e uma forte acentuação na igualdade de oportunidades, porque é nesse sentido que a sociedade caminha", sustentou.
Quando confrontada com o papel da mulher na família, a dirigente vê, cada vez mais, "um novo enquadramente social, numa sociedade moderna. As novas oportunidades e obrigações profissionais levam as famílias a procurar alternativas", e esse enquadramento torna o dirigismo cada vez mais atrativo para as mulheres. Naquilo que diz respeito à federação que lidera desde 2019, Vera Rebelo não tem dúvidas que o seu trabalho é valorizado. "Vejo-o reconhecido pela competência, profissionalismo e pelos resultados obtidos, independentemente do género", garantiu e vai mais longe quando aponta o dirigismo como um veículo de igualdade entre géneros. "Numa sociedade inclusiva é isso mesmo, uma sociedade sem qualquer tipo de discriminação. A inclusão está na ordem do dia e orientada para um futuro igualitário", rematou.