Relatório da violência no desporto reporta mais uso e porte de artefactos pirotécnicos. Globalidade das infrações na última época aumentou, com estádios sem adeptos.
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A época desportiva de 2020/2021 não teve adeptos nos estádios de Portugal, mas o número de infrações relacionadas com o uso e porte de artefactos pirotécnicos, como tochas e petardos, aumentou 71% em relação à época anterior. Os polémicos festejos da vitória da 1.ª Liga, por milhares adeptos sportinguistas, em Lisboa, explicam em grande medida aquele aumento.
De acordo com o Relatório de Análise da Violência Associada ao Desporto (RAViD), a que o JN acedeu na quarta-feira, houve 2335 infrações registadas no âmbito de espetáculos desportivos. Destas, 1398, ou 60%, são referentes aos artefactos pirotécnicos. Este tipo de infração subiu 71% em relação à época anterior (2019/2020), que também foi condicionada pela pandemia, mas apenas a partir de março.
O RAViD é da autoria da PSP e da Autoridade para Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD). Globalmente, o número de infrações subiu 35% (de 1719 para 2335), mas é a infração do uso e porte de pirotecnia que mais pesa no aumento, pois passa de 817 casos para 1398.
Este tipo de infração aconteceu principalmente "nas imediações dos recintos desportivos, em ajuntamentos de adeptos" que foram aumentando de frequência, à medida que baixaram os "níveis de confinamento geral da população", lê-se no documento. A APCVD diz que aquelas ações de exterior foram "de incentivo às equipas ou celebrações de êxitos desportivos", sem as especificar. O JN apurou, no entanto, que a celebração do título do Sporting foi um dos casos em que se verificaram mais infrações por uso e posse de pirotecnia.
O próprio relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna sobre aquele acontecimento, no exterior do Estádio José Alvalade, reporta a "abundante deflagração de artigos pirotécnicos", dando conta, por exemplo, do rebentamento de um petardo no interior de uma farmácia da zona ou de a PSP ter que extinguir um foco de incêndio.
Menos agressões e racismo
Por outro lado, o RAViD regista uma diminuição de infrações como as agressões (de 128 para 42), arremesso de objetos (105-12), danos (98-16), incitamento à violência, ao racismo, xenofobia e intolerância (73-15) e "injúrias" (144-84).
O diretor nacional da PSP, Magina da Silva, comenta que, independentemente de os espetáculos desportivos se terem realizado praticamente todos à porta fechada, a PSP "foi sempre a jogo". Por isso, explica, "continuou a registar elevado número de identificações e detenções".
Relativamente às 2335 infrações contabilizadas, foram identificados 335 infratores e detidos 17. Na época anterior, tinham sido identificados 402 e detidos 61.
Sem surpresa, 88% das infrações (2054) relacionam-se com o futebol e só 281 com outras modalidades. E, dentro do desporto-rei, a esmagadora maioria das ocorrências teve lugar em jogos da 1.ª Liga. Foram 1498 infrações (73%), contra 200 dos campeonatos distritais, 112 do Campeonato de Portugal e 109 do futebol jovem.
Rodrigo Cavaleiro, presidente da APCVD, realça que esta autoridade "tem procurado conciliar a sua ação sancionatória, que se pretende rápida, firme e consequente na repressão de contraordenações, com o desenvolvimento de atividades de teor preventivo, colaborativo ou formativo, que permitam transformações a médio e longo prazo".
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Mais condenações
Analisando em detalhe a ação sancionatória contraordenacional da APCVD, verifica-se um total de 477 decisões condenatórias, com caráter definitivo, proferidas até 30 de julho de 2021, contrastando com as 371 decisões condenatórias proferidas na época anterior.
Multas a promotores
As multas por incumprimento dos deveres dos promotores dos espetáculos desportivos registaram uma forte subida, passando de 114 para 315. Porém, ressalva o RAViD, este aumento "não reflete uma regressão nas condutas dos promotores de espetáculos desportivos, resultando antes da proatividade das forças de segurança".
Com dados da GNR
Esta é a segunda edição do RAViD, mas é a primeira com dados agregados da APCVD, PSP e GNR. Esta última força de segurança juntou este ano os dados, o que lhe valeu o agradecimento público de Rodrigo Cavaleiro, presidente da APCVD, e de Magina da Silva, diretor nacional da PSP, inserido no texto introdutório do RAViD.
APCVD de 2018
A APCVD foi criada em outubro de 2018. Na primeira temporada completa, a de 2019/2020, fez aumentar de 20 para 222 o número de interdições em recintos desportivos aplicados a adeptos portugueses. Antes, esta competência era do Instituto Português do Desporto e da Juventude.
Lista negra
Dois terços dos adeptos banidos são de claques
Uma das consequências das infrações ao Regime Jurídico da Segurança e Combate ao Racismo, à Xenofobia e à Insegurança nos Espetáculos Desportivos é a interdição de acesso a recintos desportivos, enquanto sanção acessória ou preventiva, até um máximo de dois anos. Das 160 interdições de acesso ocorridas de 1 de setembro de 2020 a 30 de junho de 2021 (época 2020/2021), dois terços recaíram sobre membros de grupos organizados de adeptos, vulgo claques.
O RAViD não distingue entre claques legalizadas e não legalizadas. Analisa antes "o conjunto de pessoas, filiadas ou não numa entidade desportiva, que atuam de forma concertada, nomeadamente através da utilização de símbolos comuns ou da realização de coreografias e iniciativas de apoios a clubes, associações ou sociedades desportivas, com caráter de permanência". Algumas interdições resultarão de infrações cometidas em época anterior, dentro ou fora dos estádios, mas só tiveram decisão na época de 2020/21.
Na análise por local de residência dos adeptos banidos, o distrito do Porto lidera, com 38,2%. Seguem-se os de Braga, com 21,4%, e Lisboa, com 13,8%.
Mais de dois terços (67,3%) dos adeptos banidos têm 30 anos ou menos. Por clubes, o Vitória de Guimarães está à frente (com 24), seguido do F. C. Porto (22), Sporting (18), S. C. Braga (12), S. L. Benfica (7) e Famalicão (6). Os restantes clubes, juntos, somam 71 interdições.
Estas interdições foram aplicadas pela APCVD como sanção acessória ou preventiva, juntamente com multas. No entanto, também se reportam a sanções acessórias e preventivas de multas ou penas aplicadas pelos tribunais portugueses.
Os adeptos de futebol representam 91% do total de adeptos com interdição, seguindo-se os do futsal (7,6%) e do hóquei em patins (1,5%). As restantes modalidades não tiveram qualquer adepto interditado na época passada. Por competição, a 1.ª Liga portuguesa de futebol é a que soma mais interdições, com 56,3% do total de casos.
Explicação
Projeto-piloto inflaciona casos no Minho
Pelo segundo ano consecutivo, um clube do distrito de Braga é o que soma mais interdições de acesso a recintos desportivos. Em 2019/2020, foi o S. C. Braga e, agora, é o Vitória de Guimarães. A este facto não é alheia a existência do projeto-piloto da PSP e da Procuradoria-Geral da República que intensificou a fiscalização dos clubes sob influência das comarcas de Braga e Guimarães. Este projeto tem sido criticado, no Minho, por distorcer a realidade comparativamente a outras zonas. É a terceira época que vigora, sem conclusões ou perspetivas de alargamento. A PGR diz só que o alargamento está "consensualizado".