A Volta a Espanha vem soprar as velas do 75.º aniversário às estradas do Norte e Centro de Portugal e traz a intenção de regressar no futuro. Javier Guillén, diretor-geral da Unipublic, a organizadora de uma das três mais prestigiadas corridas do calendário ciclístico mundial, não esconde o desejo de levar a caravana a outras zonas do país, "um aliado estratégico muito importante" para o crescimento e para a internacionalização de uma prova que em 2020 vai andar por quatro países e chegar a 190 através da televisão.
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O regresso a Portugal era um objetivo há muito ambicionado. Porquê?
Desde logo, porque integramos um país novo no roteiro e as três grandes [voltas] só assim se definem como corridas internacionais. Não é só o alcance mediático, através da cobertura televisiva, mas são também os seus traçados. No próximo ano, o Tour sai de Dinamarca, este ano o Giro sai da Hungria e nós dos Países Baixos. Chegar a Portugal permite-nos ampliar o território, relacionarmo-nos com outro público e trabalhar a internacionalização da corrida, continuando a propor traçados diferentes, como estamos habituados, visitando os nossos irmãos/vizinhos, como são Portugal, França e Andorra. Temos a vocação necessária de estar presentes nesses países. Portanto, qualificaria de muito, muito importante a nossa relação com Portugal.
Por que razão só agora se concretiza?
É verdade que tivemos interesse em ir em anos anteriores, mas por diferentes circunstâncias não se concretizou. Desta vez, houve alguns fatores que favoreceram este regresso. Primeiro, por ser um ano em que celebramos 75 anos e, por isso, queríamos fazer algo especial, a Vuelta mais internacional de sempre. Depois, porque o traçado se enquadrava bem geograficamente, já que a corrida passa pela Galiza e depois vai terminar, na última parte, na zona de Salamanca. Por fim, encontrámos, em Portugal, as pessoas certas. Só tenho de agradecer muito a predisposição de Porto, Matosinhos e Viseu.
Foi difícil chegar a um acordo?
Desde as primeiras reuniões praticamente estivemos de acordo com o que queríamos. Estamos muito contentes, a ajuda que encontrámos em Portugal tornou o processo bastante ágil e a pessoa que nos está a ajudar a partir de Portugal, o companheiro Luís Castro [representante da Unipublic em Portugal e promotor da vinda da Vuelta], facilitou-nos a entrada de uma forma perfeita. Para mim, foi muito fácil chegar a acordo.
A imprensa chegou a dar como certa a passagem pela Torre, mas acabou por não integrar o traçado apresentado. Não passar pela serra da Estrela será uma deceção?
Essa possibilidade ainda não está fechada, mas é difícil, não quero mentir. Temos um desenho claro do que queremos e os detalhes concretos do traçado serão anunciados quando estiver definitivamente fechado. De qualquer forma, creio é um grande regresso a Portugal, com um final e uma partida de etapa. A que sai de Mos, na Galiza, é quase toda feita em território português, tal como a que sai de Viseu. É um grande regresso, que espero triunfal. E oxalá que, no futuro, possamos continuar a ir em Portugal.
O objetivo é voltar nos próximos anos?
Sim, o objetivo é esse, tal como estamos a fazer com França, onde já fomos muitas vezes. Não digo que iremos sempre, mas, sim, queremos voltar a Portugal nos próximos anos e temos a intenção de ampliar o território a outras zonas do país. Mas por agora, o nosso único objetivo é fazer bem nesta edição, porque se não o fizermos, Portugal não vai querer que a Vuelta regresse.
O que pode oferecer Portugal?
Em primeiro lugar, um cenário diferente dos traçados que estamos habituados em Espanha. Mas o mais importante é incorporarmos um novo público na rua, ainda mais o português que é entusiasta, orgulhoso do seu país e que estou convencido que se vai concentrar no apoio aos ciclistas que vão participar num dos eventos internacionais mais importantes do calendário. Chegar a Portugal permite-nos crescer e ser maiores, porque a Vuelta precisa de crescer e nesse crescimento, para mim, Portugal é um aliado estratégico muito importante.
Onde gostava de ver passar a Vuelta em Portugal futuramente?
Gosto muito da costa, as etapas de mar resultam muito bem para os cenários ciclistas e um país como Portugal, com tanta costa e tão variada, permite oferecer diferentes cenários. É verdade que Espanha é um país com muita variedade e que a Vuelta gosta de etapas duras de montanha, que sejam imprevisíveis até ao final, e Portugal reúne todas essas condições, com a toda a sua costa e a qualidade hoteleira. E a Vuelta também é uma plataforma de comunicação turística e tudo o que seja pôr em cena territórios interessados em turismo, como é seguramente a costa portuguesa e o interior, interessa à Vuelta, assim como a Vuelta deve interessar a Portugal.
E o que pode dar a Vuelta a Portugal?
Vamos trabalhar na ligação entre a Galiza e o Norte de Portugal e a que existe entre região de Viseu e a toda zona de Castela e Leão. Creio que existem os eixos de comunicação necessários e que vamos ser capazes de fazer com que as pessoas as conheçam mais, as vejam, o que vai contribuir para o desenvolvimento económico dos territórios. Em segundo lugar, esta é uma corrida que chega a 190 países de uma forma muito concreta, não só mostramos o nome, também vamos mostrar como é bonito o Porto, Matosinhos e Viseu, vamos sugeri-los às pessoas. Por último, vamos tentar irmanar o público espanhol com o público português. Em Espanha, por onde a Vuelta passa, as pessoas sentem-se orgulhosas, há um sentimento muito apegado à terra e também gostava muito que os portugueses se sentissem orgulhosos não só de verem a Vuelta passar, um evento de enorme prestígio, que chega a quase todo o Mundo.
Qual é o impacto real nos territórios por onde ela passa?
A caravana publicitária direta e as pessoas que nos acompanham a cada dia, estamos a falar de 3000/3500 pessoas, que precisam de alojamento, de um restaurante, de abastecer os seus carros com combustível para se deslocarem. Há um retorno económico direto muito importante para os territórios por onde passamos. Não somos só uma plataforma turística, não só estamos a promover um grande espetáculo desportivo, como temos um impacto direto económico pelos territórios em que passamos.
Como funciona o negócio da Vuelta? Não condiciona o traçado?
Funciona como qualquer outro evento. Temos duas grandes fontes de receitas, que são os direitos de televisão e os direitos de patrocínio, a que se acresce uma percentagem, mais pequena, dos valores pagos pelos municípios que recebem uma chegada ou uma saída de etapa. A única coisa que não podemos condicionar às receitas é o traçado, porque ele é o mais importante do ponto de vista da organização. Tem que haver espetáculo desportivo para que haja público e assim se venderem direitos de televisão e de patrocínio.
E quanto pagam os municípios que recebem uma chegada ou uma saída de uma etapa?
Em Portugal, tanto para Viseu como para Porto e Matosinhos, os valores foram os mesmos que em Espanha. Prefiro que lhes perguntes a eles e não tenho problema algum em que to digam, mas garanto que não utilizamos nenhum preço diferente dos de Espanha.
E o que podemos esperar do pelotão nesta edição?
O que nos tem dado ultimamente: combatividade, batalha, competição. A Volta é uma corrida em que sempre se passa algo, cujas 21 etapas contam 21 histórias diferentes. E aos corredores só posso pedir que continuem com o seu esforço. Esta é uma grande prova e ganhar uma grande prova dá-te muito prestígio, catapulta-te como um grandíssimo ciclista. Desde logo, o que queremos é que haja batalha, para além do colorido que o evento pode dar. Acredito que a nível desportivo teremos um grande espetáculo.
CV: Javier Guillén
Data de nascimento: (24/02/1972) 47 anos
Nacionalidade: espanhola
Cargo: diretor-geral da Unipublic
Percurso: Licenciado em Direito pela Universidade Complutense de Madrid, exerceu advocacia até 2009, ano em que assumiu o cargo de diretor-geral da Unipublic, uma agência que, entre outros eventos, organiza a Volta a Espanha. Em 2015, foi condecorado com a Medalha de Ouro da Real Ordem de Mérito Desportivo pelo Governo espanhol