João Pedro Sousa tem feito um percurso ascendente como treinador, primeiro como adjunto de Marco Silva e esta época, pela primeira vez, a solo, comandando o surpreendente Famalicão, que chegou a liderar a Liga. O treinador de 48 anos, admirador de Sérgio Conceição e Bruno Lage, partilhou com o JN os segredos de sucesso e não escondeu as ambições de levar a equipa a um patamar europeu.
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O que faltou para ter tido uma carreira mais mediática como jogador?
Qualidade [risos], pois vontade tinha muita. Ainda assim, fiz pela vida e consegui jogar na 1.ª Divisão em três clubes diferentes e cheguei a ganhar títulos em divisões inferiores. Apesar de ter sido um jogador medíocre, tenho muito orgulho no que fiz.
Percebeu cedo que a melhor via para continuar no futebol seria como treinador?
Percebi cedo, mas de forma diferente. Já nessa altura tentava entender qual seria o melhor caminho para os jogadores evoluírem. Fui estudando, lendo, procurando opiniões, até começar a treinar e frequentar os cursos e trocar impressões com outros técnicos.
Quais são as suas referências como treinadores?
Tenho várias, não ligadas ao estilo de jogo, mas sim à forma como colocam em prática as suas ideias. Posso destacar o Simeone, Guardiola ou Klopp. Em Portugal, o Sérgio Conceição, pela forma com foi campeão, ou o Bruno Lage por ter entrado a meio da época numa situação difícil e ter feito um bom trabalho. De todos tiro algumas coisas para melhorar.
Marco Silva é um exemplo?
O Marco quando começou como treinador já eu estava na atividade, no Braga e no Famalicão, mas fizemos, depois, um trajeto praticamente juntos. Conseguimos ver o que cada um de nós tinha para melhorar, e, com a amizade que criámos, atingimos o sucesso.
Aborreceu-o o rótulo de adjunto quando regressou a Portugal?
Pelo contrário, foi um motivo de orgulho. Faz parte de um passado de sucesso, junto de uma pessoa muito competente. Nunca tive problemas com isso. Mas desde maio, quando deixei a equipa técnica do Marco Silva para assumir o Famalicão, essa página virou-se.
Sentiu algum receio de assumir um projeto em que passou a ser figura principal?
Não, até porque como treinador adjunto também passei por momentos complicados, de stress e incerteza, apesar de estar atrás dos holofotes. Estava preparado para este desafio, e ao reunir-me com pessoas competentes, senti segurança para o aceitar.
Formar um plantel do zero, e com muitos jovens, foi um risco ou uma motivação?
Não olho para o bilhete de identidade dos jogadores. Procurámos atletas de qualidade e à imagem do clube. Dentro desse perfil fomos buscar as peças que precisávamos. Temos jogadores que irão chegar aos grandes palcos mundiais.
Depois de um arranque de campeonato fulgurante, a equipa teve uma quebra no último mês. O que aconteceu?
Apesar de as coisas terem corrido bem na fase inicial, estávamos preparados para quando as coisas não corressem tão bem. Mas, neste momento, o Famalicão está mais perto do que queremos do que estava no início da época. Mesmo vencendo alguns jogos fizéssemos uma reflexão e percebemos que havia pontos importantes para corrigir. Algumas coisas ainda não conseguimos melhorar, mas estamos mais contentes com a nossa forma de jogar.
Quer dizer que o surpreendeu o arranque de campeonato?
Não vou esconder que me surpreendeu. Foram resultados e exibições muito importantes com poucas semanas de trabalho, jogadores que nunca tinham trabalhado juntos e eu não os conhecendo pessoalmente. Tudo era novo. Com um trabalho de qualidade e com as vitórias, veio a confiança.
Sente que esse excelente arranque colocou as expectativas demasiado altas nos adeptos?
É normal os adeptos quererem sempre que a equipa ganhe. E nós também estivemos muito confortáveis no primeiro lugar. Nunca foi uma posição que nos deixasse em stress, mesmo sabendo que seria complicado manter a liderança.
Já chegou o ponto em que o objetivo da permanência é curto?
Ainda não. No futebol já vi muitas coisas. Enquanto não fecharmos esse grande objetivo de estabilizar o clube na Liga, não avançamos para mais nada. Depois disso, sim, porque somos um grupo muito ambicioso, e os próprios jogadores me forçarão a pensar assim.
E, a partir daí, irá redefinir objetivos para lutar pelos lugares de acesso às provas europeias?
Gostávamos de lá chegar, mas não podemos ultrapassar etapas. Temos de nos organizar e crescer a vários níveis para não cometer erros. Se surgir essa oportunidade, não vamos deixar de lutar por ela.
Este projeto do Famalicão tem os alicerces e um ADN europeu?
Não tenho dúvidas. Pela dimensão do clube, da SAD, da cidade e dos adeptos, temos tudo para ter essa dimensão. Temos de continuar a dar os passos certos nessa direção, sem precipitações.
Pediu à SAD reforços?
Não, mas estamos sempre atentos ao mercado. Se for necessário, temos as situações de scouting já trabalhadas, e acredito que as pessoas da SAD farão os possíveis para resolver os problemas.
É necessário reajustar o plantel?
Eventualmente ao nível defensivo. Saiu um jogador e temos algumas lesões. Pode ser necessário um ou outro reajuste, mas nada de significativo.
Além da Liga, quais são as ambições na Taça de Portugal?
Estando nos quartos de final, a nossa obrigação é ter ambições de ir a uma final. Temos agora um adversário difícil [Paços de Ferreira], mas se vencermos e estivermos nas meias-finais tudo pode acontecer. A Liga continua a ser a nossa prova mais importante, mas daremos toda atenção à Taça.
Quando regressou ao futebol português, quatro anos depois, o que achou do campeonato?
Foi com alguma surpresa que percebi que o campeonato está mais equilibrado, sobretudo nas equipas abaixo dos três grandes.
E depois de jogar com os três grandes, sente que a atual classificação espelha o valor dessas equipas?
No Sporting, os problemas de fora de campo ainda se sentem no relvado. Com o Benfica e F. C. Porto vai ser uma luta ao ponto até ao final do campeonato. São duas grandes equipas, com bons treinadores, e não tenho dúvidas de que o título será discutido entre ambas.
O Famalicão já tem capacidade de estar no patamar do Braga, V. Guimarães ou Rio Ave?
É difícil dizer isso. Estivemos fora da Liga nos últimos 25 anos e há muito a fazer para encurtar essa diferença para clubes que, habitualmente, têm estado nas competições europeias.
Ainda assim, sente que o balanço de 2019 dificilmente poderia ser melhor?
Até esta fase do campeonato, estivemos mais tempo no primeiro lugar do que em outras posições. Começamos 2020 no quarto lugar, uma posição que, se acabasse assim, nos deixaria satisfeitos.
Quais as suas ambições?
A minha ambição é colocar o Famalicão num lugar de destaque no futebol português. Tenho a vantagem de já ter trabalhado em clubes e campeonatos de maior projeção, e ter vivido grande jogos como na Liga dos Campeões. Por isso, não perco dois minutos a pensar que quero chegar lá a todo o custo. Este primeiro desafio como treinador principal tem de ser o maior desafio da minha vida.
E consegue desligar do futebol quando sai do estádio?
É difícil, mas tento fazê-lo até para tomar decisões com outra frieza. Vejo os canais desportivos em casa, mas não sou daqueles que assim que chega vai rever o jogo. Seja qual for o resultado, só vejo o que fizemos no dia seguinte.
E há alguma atividade que seja um escape?
Estar com a família é a principal, mas gosto de ver outras coisas na televisão, ir ao cinema, ler e ouvir muita música.
O que está a tocar na sua playlist?
Nos últimos 30 anos, ouço U2, sou um fá fervoroso. Mas gosto de tudo, desde o fado ao pop.
O que seria preciso para, no final da época, dizer que cumpriu os objetivos?
Colocar o clube com uma estabilidade de Liga e preparado para crescer e, num curto prazo, disputar as classificações europeias. Para isso, não basta um plantel forte, há uma série de outras coisas que estão a ser trabalhadas. Acredito que vai acontecer com, ou sem, João Pedro Sousa.
Isso é significa que pode sair?
Tenho contrato por dois anos, e só saio quando as pessoas quiserem. Dá-me muito prazer ver esta evolução do Famalicão.
CV: João Pedro Sousa
Data de nascimento: 04/08/1971 (48 anos)
Nacionalidade: Portuguesa
Clubes: Famalicão (adjunto/formação), Braga (adjunto/formação), Estoril (adjunto), Sporting (adjunto), Olympiacos (adjunto), Hull City (adjunto), Watford (adjunto), Everton (adjunto) e Famalicão (principal)