Luís Castro é o novo treinador do Shakhtar Donetsk.
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Já recebeu diversos convites do estrangeiro. O que o levou a aceitar este do Shakhtar?
É verdade, mas optei por ficar em Portugal e não estou arrependido. Agora, achei por bem aceitar o convite do Shakhtar, pela dimensão da instituição e do projeto, pelo enquadramento que tem no desporto europeu. É um clube habituado a ganhar, que teve nos últimos anos um grande treinador [Paulo Fonseca] e considerei que estava ali o quadro perfeito para dar um novo rumo à carreira.
Em janeiro surgiram notícias do interesse do Reading e do Benfica. O que houve aí de concreto?
Com o Benfica não houve nada. Apesar de se ter falado do meu nome, fiquei muito satisfeito por ver o Bruno Lage a ter sucesso, porque foi sempre um homem de muito trabalho e conhecimento, acho que tudo o que ele fez até hoje merece o reconhecimento público. Do Reading, houve efetivamente contactos, mas a altura para sair do Vitória não era ideal.
E acabou num dos clubes mais ricos da Europa... O dinheiro tem muita importância para si?
Não digo que o dinheiro não seja importante, é importante porque todos queremos que as nossas famílias estejam bem, que usufruam de determinadas coisas dentro daquilo que é razoável ter. Não queremos o dinheiro para ser isto ou aquilo, não é isso. Queremos para fazer face a um problema de saúde, para termos melhores condições em casa, o dinheiro é para isso mesmo.
Tem uma filha que trabalha fora do país. Já se aconselhou com ela sobre a vida de emigrante?
É arquiteta num gabinete em Berlim e a mais nova também vai fazer tese de arquitetura este ano. Se calhar também é uma potencial emigrante. Agora serão o pai e a mãe a emigrarem. Costumo dizer que Trás-os-Montes vai à conquista do Mundo. Achamos que chegou a hora, que já podemos arriscar mais um pouco na nossa vida.
Leva no currículo um título quase inédito, o de campeão nacional por uma equipa B [F. C. Porto]. Que peso tem essa conquista na sua carreira?
Não diz nada a ninguém, diz muito para quem participou nele. Esse título é muito importante para nós, porque foi fruto de muito trabalho e nós damos muito valor a tudo aquilo que vem do trabalho. Treinador e jogadores são vistos pelo que fazem no jogo, mas há tanto sacrifício por trás disso...
Em quem pensa quando alcança conquistas como essa?
Nos meus pais, na minha esposa e nas minhas filhas. Nos meus irmãos também. Porquê? Por tudo aquilo que eu passei até hoje. Algo que é difícil para mim falar...
Como acha que o seu falecido pai receberia esta notícia da mudança para a Ucrânia?
Seria um motivo de satisfação, porque nós trabalhámos muito para chegar aqui. Os meus pais também trabalharam muito. Todos nós... Em muitos momentos das nossas vidas não tivemos muitas coisas.
E funcionaram sempre como equipa...
Sim, a equipa principal é a família. E são tão importantes que, em determinado momento da minha vida, ganhava à volta de 1500 ou dois mil euros numa empresa, enquanto comercial, mais mil euros no futebol. A minha esposa, como professora, também ganhava mil e tal euros. Para nós e para as meninas chegava e disse que não queria mais nada com esta vida. Abriu o curso de treinador de III Nível e disse que não o ia fazer, mas a minha esposa insistiu para ir, disse que um dia poderia dar jeito. E deu. A ela devo muito.
Foi graças a esse apoio que chegou a uma equipa de Liga dos Campeões?
A minha mãe também era professora, o meu pai era militar, nós tivemos muitas mudanças na vida, muitos altos e baixos. Mas sabe aquilo que mais me dói? É quando alguém me critica por não ter ambição, porque sou um treinador mais tranquilo no banco... Como podem dizer isso de alguém que começou na distrital, que nunca se pendurou em ninguém e que chegou a uma equipa de Champions? Parece que ter ambição é darmos pontapés aos bancos, gritar, entrar em conflitos. Se soubessem o trabalho que dá sair de uma equipa da distrital e chegar a uma equipa que vai para a Champions, acho que não se falava de uma forma tão gratuita.
Com pai militar e mãe professora, nunca lhe exigiram que deixasse o futebol e seguisse outro rumo profissional?
Sim. Eu estudei sempre pelos meus pais, nunca por convicção. A minha mãe enchia-me o quarto com enciclopédias. Eu olhava para os livros e pensava que aquilo devia estar cheio de bolas. Mas OK, eu via-a fazer tantos sacrifícios... Há coisas das nossas vidas que devemos guardar para nós, não vou dizer tudo. Fui para a faculdade, entrei em Física em Coimbra e até os professores achavam que devia seguir outro caminho. Por isso digo que estudei pelos meus pais. Também comecei a jogar por eles, depois trabalhei por eles, para eles ficarem sempre satisfeitos. Casei e, ao casar, já trabalha pelas filhas e pela esposa e pelo exemplo de família. Foi assim que fui seguindo a minha vida. Não sou mais nem menos do que ninguém. Sou eu.
Nasceu em Vila Real e viveu muitos anos em Águeda. Onde se sente mais confortável?
Tenho amigos nos dois lados, mas as minhas origens estão na aldeia, em Vila Real. Gosto de chegar lá e falar com o Carlos, com a Henriqueta, com a Fátima e com a Bela... Não me falam de bola. Falamos das batatas, do vinho, da vinha, das couves, dos alhos, das cebolas e gosto disso. Ia lá todas as semanas, agora vou ter de esperar mais um bocadinho.
É a favor da regionalização?
Custa-me muito olhar para as condições que tem uma grande cidade e para as condições que não tem uma cidade ou aldeia do interior. Custa-me muito olhar para o frio que as crianças passam na aldeia, para aquilo que os doentes passam para ir fazer um tratamento oncológico, com temperaturas muito elevadas. Eu acho que as pessoas deviam meter mãos à obra. Eu sei bem do que estou a falar, conheço os dois lados. OK, são poucos votos que estão ali... Isso custa-me muito enquanto transmontano. Escolas sem condições, casas sem condições, centros de saúde sem condições, estradas sem condições... Desculpem lá o desabafo.
Voltando à carreira de treinador. Passou o último ano em Guimarães, como perspetiva o futuro do Vitória sem o presidente Júlio Mendes?
Quem tem de perspetivar são os sócios, eles é que têm de tomar em mãos aquilo que será o futuro do Vitória. O que desejo é que seja um Vitória cada vez mais forte, mais unido.
Recuando aos tempos que passou no F. C. Porto, alguma vez sentiu que merecia mais do que aquilo que teve?
Não, não, não... Estive sete anos lá como diretor técnico da formação, até passar a treinador da equipa B. Nesse ano em que volto ao terreno, passados sete meses deparo-me com a oportunidade de treinar a equipa principal [como interino na sucessão a Paulo Fonseca]. Não estou a dizer que estava ou não preparado, mas considero que foi muito precoce. Portanto, fiz tudo aquilo que devia ter feito pelo F. C. Porto e o F. C. Porto reconheceu tudo aquilo que devia ter reconhecido a meu respeito.
Nos sete anos em que esteve como diretor técnico da formação, temeu que nunca mais voltasse a treinar?
Sim, pensei que nunca mais seria treinador. Fiquei muito surpreendido quando o Antero Henrique me disse que ia voltar ao terreno.
Ainda que não tenha trabalhado diretamente consigo, a passagem de João Félix pelo F. C. Porto coincidiu com a sua. Já nessa altura se percebia que era um jogador especial?
Sim, o João era um miúdo muito determinado, que vivia na Casa do Dragão. Antes de viver lá, fazia um esforço enorme de fazer Viseu-Porto e Porto-Viseu com os pais. O João pertencia aos Potenciais Jogadores de Elite e deu proveito desportivo ao F. C. Porto até que, a determinado momento, segundo me disseram, porque eu já não era o diretor técnico da formação - estava já na equipa B -, os pais entenderam por bem mudar o João de instituição e confirmou-se o que achávamos que ia ser, um jogador com muito talento.
Para terminar, no Mundial 2018 foi cronista do JN. O que retirou da experiência?
Passei a entender-vos melhor, porque apercebi-me da dificuldade que é escrever e passar as nossas ideias para o papel. Percebi também que ainda temos muitas coisas que podemos fazer na vida e que muitas vezes não as fazemos por preguiça ou por não sermos ousados em fazê-las. E muitas vezes basta carregarem-nos no botão para as fazermos. O ser humano tem capacidades escondidas, todos têm, basta só motivá-las, provocá-las, que elas vêm cá para fora.
CV: Luís Castro
Data de nascimento: 57 anos (3/9/1961)
Nacionalidade: Portuguesa
Clubes como treinador: Shakhtar, V. Guimarães, Chaves, Rio Ave, F. C. Porto, Penafiel, Sanjoanense, Estarreja, Mealhada, Águeda