Acabou de ler o livro "Como decifrar pessoas" e já vai nos primeiros capítulos da obra "Persuasão". A arte de comunicar e a constante aprendizagem são premissas de que Miguel Leal não abdica. O técnico está de volta a Penafiel, cinco anos depois de ter levado os rubro-negros à Liga, e já trabalha a todo o vapor nos corredores do Estádio 25 de Abril.
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Esta casa tem segredos para si?
Há sempre novidades para descobrir. Claro que há uma grande identificação e conheço as pessoas, mas vamos iniciar uma nova etapa. Estou feliz por estar aqui.
Não devia estar a preparar a pré-época de uma equipa da Liga?
[Pensativo] Acima de tudo, sou treinador. Tomei uma decisão que me prejudicou claramente a carreira, uma decisão sem pensar, num prazo de duas horas, mas o que gosto é de treinar e estar em sítios onde gostem de mim.
Está a falar da ida para o Arouca?
Sim. Na altura, decidi sair do Boavista e, naquele espaço de tempo, por uma questão até de solidariedade com os meus adjuntos, tinha de arranjar uma solução e aceitei o Arouca. Era um risco grande.
A saída do Boavista está mal explicada. É tabu falar do tema?
Preferia não falar. Foi uma decisão baseada num contexto que se estava a passar. Optei por sair.
Alguém tentou demovê-lo?
Não. Foi tudo rápido e, se calhar, as pessoas também acharam que seria a melhor solução. Não me interessa justificar a decisão, é perder tempo. Quando se opta por esse caminho é porque as pessoas não se sentem bem.
Saiu magoado?
Não.
Voltava a treinar o Boavista?
Sim, não tinha problema nenhum. É, sem dúvida, um clube especial, mas agora estou focado neste novo projeto.
O Penafiel dá-lhe a possibilidade de reencontrar a paixão do jogo e do treino?
Sem dúvida. É um projeto aliciante, numa liga muito difícil.
A fasquia está alta.
Sei disso, é normal. Nas últimas três subidas do Penafiel, estive sempre presente nas equipas técnicas, a última como líder. Conheço a herança.
É preciso gerir essas expectativas? O que diz aos adeptos?
Preciso de fazer uma avaliação interna e, neste momento, não sou capaz. Temos uma equipa para construir e, à partida, há outros clubes com maiores recursos.
É melhor treinador agora do que há cinco anos, quando festejou a subida?
Claro. Se um treinador não evolui as coisas começam a andar para trás. Sinto-me mais preparado, com mais competência, mas a paixão é a mesma.
A última experiência no Cova da Piedade também podia ter sido um "caldinho"?
[Sorriso] Quando assinei pelo Cova da Piedade, a maioria dos meus amigos fez a mesma leitura e disseram que eu estava maluco. A equipa estava abaixo da linha de água, tinha pior ataque e defesa, e o grupo estava desfeito.
Arriscou muito.
Foi um desafio difícil, mas cumprimos o objetivo. Quando vencemos o Benfica B, a equipa ganhou um elã e conseguiu uma série de vitórias que deram estabilidade.
Viveu a experiência de ser adjunto. Tem alguma fonte de inspiração?
Estou agradecido a todos com quem trabalhei, mas não tenho uma identificação em particular. Curiosamente, muita gente diz que tenho um estilo de jogo defensivo, mas prefiro o futebol atacante e oitenta por cento dos meus treinos são de caráter ofensivo. Simplesmente, adapto-me ao que tenho à disposição.
Se for preciso, está pronto para dar uma aula de educação física?
Sim, sem problema. Exerci durante muitos anos e, no início, consegui conciliar com o futebol. Sempre quis ser treinador, mas, por questões familiares, durante alguns anos dei prioridade às aulas.
Quando é que se dedicou em exclusivo ao futebol?
Quando fui para a Turquia com o José Couceiro [2009/10]. Foi uma experiência interessante e muito engraçada no Gaziantepspor. Acho que tenho espírito de emigrante, mas depois não surgiu mais nada de apelativo. Como vou tendo mercado em Portugal, deixo-me andar por cá.
A ascensão do adjunto Bruno Lage a técnico principal e campeão do Benfica surpreendeu-o?
É um bom exemplo. O Carvalhal tem referenciado isso e é verdade: os treinadores portugueses estão preparados para assumir qualquer desafio. Às vezes, é o contexto, o momento que determina o êxito.
Foi o que se passou com o Lage?
Beneficiou de uma coisa muito importante, estar a treinar a equipa B, com qualidade, e esse conhecimento foi fundamental para refrescar a equipa A. Foi decisivo.
Soube agarrar a onda?
Sim, mas teve muito mérito em saber aproveitar as condições. Em Portugal, há bons treinadores e boa formação.
João Félix encaixa nessa ideia? Vale 120 milhões?
Vejo isso com bons olhos no sentido da valorização, mas são números exagerados.
Na 2.ª Liga, João Félix já se destacava?
Sim, de longe. O Jota também. O Félix era sempre uma referência, um jogador que exige cuidados especiais, mas sem aquelas marcações individuais malucas. Não sou nada apologista disso.
Vale tanto dinheiro?
É exagerado, porque é a mesma coisa que estarmos a comprar um diamante e não sabermos se é verdadeiro. É um bocadinho isso. Vou comprar um diamante, mas não sei se ele é verdadeiro. E isso, às vezes, traz problemas.
Que evolução pode ter?
A carreira de um futebolista é muito volátil, estou sempre a dizer isso aos jogadores, pois hoje pensamos que conquistámos o mundo e no dia seguinte estamos de rastos. O importante é o equilíbrio, sobretudo nos jovens. Se o João Félix tiver isso, acredito que este salto vai fazer sentido.
E que salto prevê para a sua carreira? Até onde pode chegar?
Ah, sempre disse que tenho o sonho de treinar em Inglaterra. É um país onde gostava de trabalhar, tenho essa referência desde pequeno, mas no futebol também já aprendi, há muito, que não se deve fazer projeções.
Acompanhava alguma equipa?
Em miúdo, acompanhava sempre o Liverpool. Acho que é um bom clube [gargalhada].
Sente-se capacitado para treinar um grande?
Claramente. Tenho competência para isso, mas quem contrata é que tem de achar. Se perguntar a qualquer treinador ele diz exatamente o mesmo.
Esteve perto de treinar o Braga?
Falou-se muito, mas não passou disso. Não recebi nenhuma proposta.
Extra-futebol, quem é o Miguel Leal?
Um homem dedicado à família, que tem esposa e três filhos. Alguém que gosta de ler, ver filmes de comédia e ir ao café jogar cartas com os amigos. Um homem normal, que gosta de aprender.
Podia ter sido um craque?
Fiz a formação no Marco e fui escolhido para a equipa sénior, mas, nessa altura, entrei na faculdade. Era médio-centro, mas não gostava muito de treinar [sorriso]. O meu treinador dos juniores, o José Fernando, estava sempre dar-me cabo da cabeça. Com algum empenho, acho que podia ter jogado numa segunda divisão.
Não teve uma adolescência fácil, por isso acredito que dê mais valor ao que tem.
Sem dúvida. Sou de uma família humilde, tinha de fazer pela vida e estudava durante o dia e treinava à noite. Deitava-me às duas ou três da manhã e às oito horas já estava a pé. Depois do almoço, adormeci muitas vezes nas aulas. Era um sacrifício dos diabos.
Quem corre por gosto não cansa.
Era a única forma. Foi assim que cresci, com altos e baixos. Uma vida de impulsos.
Segue-se outro.
Sim, é um passo em frente. É assim que encaro este regresso.
CV Miguel Leal
Data de nascimento: 22/04/1965 (54 anos)
Naturalidade: Marco de Canaveses
Percurso como treinador: Penafiel, Moreirense, Boavista, Arouca e Cova da Piedade
Títulos: Subida à Liga (2013/14) na liderança do Penafiel