O primeiro técnico convenceu-o a ser guarda-redes, mas o miúdo só aceitou fazê-lo em part-time. Resultou!
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"Só dei uma ajudinha", adianta, com a humildade que o caracteriza, Adílio Pinheiro, o primeiro treinador de Diogo Costa, guarda-redes do F. C. Porto que brilhou na Liga dos Campeões e renovou contrato por mais uma época. Na época 2008/09, orientou o então miúdo com seis anos na Escola de Futebol Pinheirinhos de Ringe, em Vila das Aves, Santo Tirso.
O técnico, hoje com 72 anos, era picheleiro e ao final da tarde dava treinos aos miúdos do bairro de Ringe. Diogo Costa, que nascera em Rothrist, vila da Suíça para onde os pais haviam emigrado, mudara-se para o concelho. O avô, que jogara com o mestre nos juniores do Aves, fez a ponte: "Perguntou que se o miúdo podia vir e... veio! Passados uns meses comecei a ver nele capacidade para ser guarda-redes, mas ele não aceitou muito bem", recorda.
À noite, Diogo chegou a casa a chorar e o avô, preocupado, ligou ao treinador. Este contou que "aquilo" de ir à baliza era só uma sugestão. Mas, no dia seguinte, o rapaz apareceu no treino com equipamento de guarda-redes e lançou o "ultimato": só ia para a baliza, se em metade do tempo também fosse jogador de campo. A proposta foi aceite!
"Jogava muito bem e chegou a ser o melhor marcador, num torneio concelhio. Mas tinha muitas qualidades para ser guarda-redes e hoje, quando o vejo a brilhar ao mais alto nível, fico contente, mas não surpreendido", frisa.
No verão de 2009, após se ter destacado num Mundialito, Diogo despertou o interesse de vários clubes e foi para uma escola do Benfica, da Póvoa de Lanhoso. Dois anos depois ingressou nos infantis do F. C. Porto, subindo até à equipa principal. "No fim do Mundial vai estar no top 3 de guarda-redes!", alvitra o mestre dos Pinheirinhos de Ringe.
Vitinha também na vitrine
Diogo Costa não é caso único de afirmação ao mais alto nível de um jogador que passou pelo Ringe. O médio Vitinha (PSG), campeão no F. C. Porto com o guarda-redes, também jogou no clube da Vila das Aves, de igual modo numa fase precoce da carreira, sendo que é um ano mais novo do que Diogo. Curiosamente, Adílio Pinheiro, enquanto amador, chegou a ser treinado por um avô de Vitinha. Depois, o fundador da escola dos Pinheirinhos foi treinador de Vítor Manuel, pai do futebolista do PSG, pessoa que mais tarde o auxiliou a orientar as equipas do bairro. "É uma família do futebol. O Vitinha chegou longe, mas até houve uma altura em que foi mal aproveitado no F. C. Porto", considera Adílio Pinheiro.
Sinais de esperança no antigo bairro do "Iraque"
Primeiro clube de Diogo situa-se num complexo habitacional que já foi o mais problemático de Santo Tirso.
Num projeto conjunto entre a Associação de Moradores do Complexo Habitacional de Ringe e a Escola de Futebol os Pinheirinhos, sete dezenas de crianças, dos quatro aos 12 anos, praticam a modalidade no clube fundado em 1987, que já conheceu várias vertentes e que ultimamente funciona em pleno bairro, com futebol de cinco, sete e de nove. No primeiro clube de Diogo Costa, as crianças que ali moram não pagam para jogar e treinar. Já os que são de fora do bairro pagam alguma coisa, mas "muito abaixo do que se vê por aí... A nossa compensação é a felicidade deles", refere, ao JN, Raul Pinheiro, 45 anos, coordenador da formação do clube e filho do mentor da escola. Para sobreviver, o Ringe recorre à publicidade e à receita de um torneio anual que organiza. Do velho campo em cimento, que marcou os primeiros passos do clube, aos atuais tapetes de futebol sintético, pelo meio a coletividade treinou e jogou em recintos de escolas concelhias, como sucedia no tempo em que Diogo Costa ali jogou.
Primazia à componente social
A primazia à componente social é uma das preocupações do Ringe, ciente de estar inserido num bairro apelidado de "Iraque", que chegou a ser o mais problemático do concelho de Santo Tirso, mas que ultimamente tem ganhado um colorido bem distinto.
No âmbito do projeto de crescimento, na próxima época o clube já terá equipa de iniciados e a ideia é chegar até aos juniores. "Aqui, treinadores e diretores não recebem nada, só trabalhamos em prol dos miúdos. Queremos crescer e já estamos a conversar sobre isso com a Câmara", conta Raul Pinheiro.</p>
Memórias do rapaz sereno e de uma humildade sem igual
O miúdo que passou pelo Ringe em tenra idade e ali teve o primeiro contacto com o mundo das luvas e das balizas, é o mesmo que todas as semanas é possível ver a brilhar pelos estádios onde atua. "Já passaram alguns anos, mas a imagem que tenho dele continua igual", realça, ao JN, Tiago Monteiro, um dos treinadores das escolinhas dos Pinheirinhos e que jogou no Ringe com o atual guarda-redes do F. C. Porto e da seleção portuguesa.
"Ele gostava de atacar e de marcar golos, mas quando ia à baliza destacava-se pela serenidade que transmitia. Era seguríssimo e é talvez o rapaz mais humildade com quem joguei futebol", frisa o antigo colega de equipa.
"Tínhamos vários jogadores bons e é normal uns singrarem e outros não. Sei que o futebol não é para todos", constata, adiantando já não falar com Diogo "há alguns anos".
"Se um dia tiver oportunidade, gostava de o felicitar pessoalmente. Chegou mesmo longe!", acrescenta.
Raul Pinheiro, coordenador da formação do Ringe, também não poupa nos elogios ao internacional português. "É um miúdo incrível! Para o clube é um orgulho vê-lo chegar tão alto", disse.
As qualidades humanas de Diogo são também vincadas por Adílio Pinheiro, o primeiro técnico do guardião. "Merece tudo o que está a viver", sintetiza.
Memórias: Escola de Futebol Pinheirinhos de Ringe. Onde tudo começou...
Em 2008, a equipa do Ringe participou no torneio das Aves. Diogo Costa já calçava as luvas e destacava-se pela segurança na baliza
Num torneio em Freamunde, de futebol de sete, Diogo Costa marcou três golos de baliza a baliza! Desde cedo, mostrou que era forte com os pés
Os novos "Diogos":
Martim Ferreira, guarda-redes (12 anos)
"Estou cá há três anos e tenho jogado sempre nesta posição, que é a mais importante. Quero ser futebolista e gostava de chegar ao nível do Diogo"
Rúben Silva, guarda-redes (13 anos)
"Estou aqui há dois anos. Gosto muito de jogar à bola e de ir à baliza. Claro que gostava de um dia ser como o Diogo. Ele é o meu ídolo"