Sp. Cruz celebra amanhã o centésimo aniversário. Complexo desportivo é prenda há muito desejada.
Corpo do artigo
Formado por um grupo de cinco compinchas numa típica tasca da cidade do Porto, o Sporting Clube da Cruz celebra amanhã um século de existência. Uma data marcante para este clube de Paranhos, que se tornou um exemplo do bairrismo característico das gentes da Invicta e capaz de superar as adversidades com muito amor à camisola. Uma coletividade ímpar, na qual servir a sociedade, sobretudo os jovens com menos recursos financeiros, está à frente de qualquer vitória em campo. E mesmo que os resultados não apareçam, o Sp. Cruz sai sempre a vencer. E por goleada.
Falar do Sp. Cruz é sinónimo de solidariedade. Um clube em que o projeto social é a principal prioridade, permitindo a que mais de uma centena de jovens joguem futebol gratuitamente. Um cenário cada vez mais raro nas grandes cidades e que diferencia os portuenses. Mas não só. A criação de uma IPSS (instituições particular de solidariedade social) foi outra das grandes conquistas da coletividade que também está representada no atletismo e no teatro. Cem anos de grandes conquistas de uma instituição que anseia por uma ajuda esperada há décadas: a construção de um complexo desportivo para substituir o velho pelado do Campo do Outeiro.
Com instalações muito precárias, o Sp. Cruz não tem meios nem espaço para se desenvolver. Uma situação que se arrasta no tempo e que faz suspirar as gentes do clube nas comemorações do centenário. "No Sp. Cruz, não queremos que nos deem dinheiro. Só precisámos que nos possibilitem ter condições para cá andarmos mais 100 anos. Um novo campo, adequado ao tempo em que vivemos, é vital para a sobrevivência do clube", considera Hélder Pereira, presidente do Sp. Cruz há 12 anos.
"Sonho que possamos ter a anunciada construção do campo na sessão solene do centenário. Sentimos que merecemos ser olhados de outra forma e ter a ajuda necessária para continuar a servir a comunidade. Enquanto cá estiver, será essa a principal função do Sp. Cruz. De resto, continuaremos a ser autossustentáveis, pois só damos uma sande e um sumo no final do jogo e trabalhámos em total regime de voluntariado", justifica o dirigente.
Com 400 sócios e cerca de 150 atletas, o Sp. Cruz promete continuar a somar importantes vitórias, dentro e fora de campo. Aos cinco títulos que constam no palmarés, os portuenses somam, mesmo com parcos recursos, inúmeros casos de sucesso na formação e educação de jovens. Êxitos que, por certo, orgulham António e José Carvalho, Joaquim Grenha, Eduardo Leite e José Pinto. O quinteto que fundou um clube ímpar na cidade do Porto, o Sporting Clube da Cruz.
Paula Correia: "Este clube é o filho que eu não tenho"
No panorama do futebol distrital, o Sp. Cruz é, naturalmente, associado a Paula Correia, de 45 anos. Paulinha, como é carinhosamente chamada no universo futebolístico, é uma figura carismática e nuclear no emblema portuense, tornando-se num caso sério de paixão e amor por um clube. Vinte e sete anos de dedicação, dos seniores aos meninos da formação, passando pelo teatro, são o cartão de visita da senhora que se tornou imprescindível para o bom funcionamento da coletividade.
"Nasci e fui criada a ver o Sp. Cruz e tornou-se o amor de uma vida. Este clube é o filho que eu não tenho", considera, com um brilho no olhar, Paula Correia, que "todos os dias" dedica "um pouco de tempo" ao clube. "É cansativo e desgastante trabalhar nestas condições, mas muito reconfortante pelo papel social que desempenhámos. O sorriso na cara dos meninos que, se não for aqui, não jogam em mais lado nenhum, vale todo o esforço", garante a dirigente. Um exemplo de dedicação em prol da sociedade.
Laurentino Marques: "Vivi aqui grandes momentos na minha vida"
A distinção nem sempre é unânime, mas todos concordam que Laurentino Marques, conhecido por Tino, é um dos melhores jogadores da história do Sp. Cruz. Um craque que passeava classe em campo, com belos golos, e que chegou a rejeitar convites de patamares superiores para se manter junto daquela que considerava ser a sua "a segunda família". Uma referência que continua a ser idolatrada pelos adeptos mais antigos.
Médio de fino recorte técnico, Tino destacava-se pelos "muitos golos" marcados, grande parte deles na marcação de livres. "Era especialista. Com idade de júnior já jogava nos seniores. Vivi aqui grandes momentos e sempre fui feliz no Sp. Cruz. Tive vários convites para sair, mas não me arrependo de os ter recusado", garante o ex-futebolista, que representou o clube dos 15 aos 35 anos e considera a subida à 2.ª Divisão distrital, em 1971/72, como um dos momentos mais marcantes. "Tivemos 500 escudos de prémio, mas não deu para pagar as fotografias. Não ganhávamos dinheiro, mas éramos felizes".
Manuel Cruz: "Dá-me gozo correr com a camisola do Sp. Cruz"
Em 2008, e sem dar por isso, Manuel Cruz, de 65 anos, tornou-se um dos principais embaixadores do Sp. Cruz além-fronteiras. Entrou no Campo do Outeiro a convite de um amigo e ex-dirigente e, desde então, levou o nome do clube a grandes cidades europeias, onde correu as maratonas com a camisola verde e amarela. Berlim, Roterdão, Roma, Praga, Viena, Copenhaga e Hamburgo são alguns dos locais em que competiu com o símbolo dos portuenses. Também já o fez em Chicago, nos Estados Unidos da América.
"Vi muitos jogos do Sp. Cruz na infância e, como sou tradicionalista e gosto da história, aceitei dar este pequeno contributo. É um clube com características especiais e dá-me um gozo enorme correr com a camisola dele. É uma pequena colaboração para a grandeza desta coletividade", considera Manuel Cruz, que eleva o nome do Sp. Cruz "simplesmente por amor à camisola". E quando regressa a casa de uma maratona faz "sempre questão de oferecer uma bandeira associada à prova ao clube".
João Geraldes: "Estamos a ser esquecidos pelas entidades"
Sócio número dois - o número um, António Sales, encontra-se doente -, João Geraldes, de 72 anos, é uma figura carismática do Sp. Cruz e já fez um pouco de tudo no clube. Desde presidente, passando pela Assembleia-Geral, pelo Conselho Fiscal e até pela rouparia. E também marcava o campo pelado. Um homem dos sete ofícios, que serviu o emblema de Paranhos desde a infância. E "sempre por amor à camisola". Um belo exemplo de dedicação ao "clube do coração".
"Sou sócio há 62 anos e tenho um enorme orgulho em tudo o que fiz pelo Sp. Cruz. Voltava a fazer tudo de novo. Vivi imensas alegrias neste clube e só tenho pena que esteja a ser esquecido pelas entidades, pois a construção do novo campo já estava prometida desde 1988/89, época em que era presidente", revela João Geraldes, "orgulhoso" por ver o Sp. Cruz festejar o 100.º aniversário. "Prestígio, glória e muita humildade, assim se define o Sp. Cruz", sublinha o ex-dirigente, ressalvando que "só representa o clube quem realmente tem amor à camisola".