É um cenário preocupante e os números surgem como consequência do atual estado pandémico, que impediu a realização das diversas competições desportivas de formação, femininas e masculinas. De 2019/20 para 2020/21, perderam-se 172 991 jovens atletas federados em Portugal, segundo os dados a que o JN teve acesso, e que englobam futebol, futsal, andebol, hóquei em patins, basquetebol e voleibol. Na temporada passada, nas referidas atividades, existiam 220 735 jovens federados e, na atual, contam-se apenas 47 744. Sintomático.
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Trata-se de uma quebra de 78,4 % e que poderá ter implicações profundas no futuro do desporto português, com consequências alargadas à sociedade em geral e a vários níveis. Mas, para já, convém frisar que, em termos percentuais, o voleibol masculino foi a modalidade que mais jovens perdeu nos períodos em análise, na ordem dos 90 %. Em termos gerais, a versão masculina do desporto-rei regista as maiores quebras, com menos 76 364 jovens futebolistas federados do que em 2019/20. Em todo o caso, o futebol jovem está, agora, cada vez mais perto de ter o dobro dos atletas federados do que todas as outras referidas modalidades juntas.
Estes números, que refletem a nova realidade, também trazem implicações negativas aos clubes, sobretudo aos mais pequenos, que estão a perder fontes de receitas importantes, na forma de mensalidades, para sobreviverem, apesar de alguns deles manterem a rotina de treinos, seguindo as normas de saúde exigidas.
Competição como "vacina"
Esta redução do número de jovens atletas federados, como consequência da ausência de competição motivada pelo novo coronavírus, traz consequências nas áreas da saúde, económica e social, conforme explica, ao JN, o especialista em psicologia desportiva, Jorge Silvério.
"As consequências a médio/longo prazo vão ser gravíssimas. Começaremos a ter números mais altos de sedentarismo e de todas as doenças associadas a uma baixa taxa de atividade física, como a obesidade e a diabetes. Depois, também acabaremos por perder aquilo que é a excelência, a nata do alto rendimento em Portugal. Vai haver aqui um hiato, porque vai surgir a altura em que teremos menos atletas a chegar às equipas principais. E muitos esquecem que o desporto é uma escola de valores e essa educação, ao nível da socialização e da convivência, também está a deixar de existir", alerta Jorge Silvério, mostrando-se igualmente preocupado com as perturbações psicológicas que a ausência de competição desportiva pode causar nos jovens: "A competição desportiva ajuda-nos a lidar com toda esta ansiedade e todos estes sentimentos de depressão, que esta situação provoca. Quase que é uma espécie de vacina". E, para já, com o número de infetados em alta, ainda não há nenhuma perspetiva sobre o regresso da competição jovem nas modalidades coletivas.
Perder 30% dos miúdos e ainda ter de baixar as mensalidades
Os efeitos provocados pela covid-19 atingiram fortemente o desporto e a formação em particular. O Folgosa da Maia, por exemplo, perdeu cerca de 30% dos atletas com idades inferiores a 10 anos por causa do receio de muitos pais na exposição dos filhos aos riscos do novo coronavírus. Agora, restam 140 miúdos a treinar, antes eram 200. O fenómeno é um pouco transversal a outros clubes que fazem das camadas jovens uma bandeira, tanto na formação de talentos como no combate ao sedentarismo.
"O maior problema é convencer os pais de que é seguro os miúdos treinarem connosco. Mas, às vezes, os próprios atletas também sentem esses receios. Um jovem jogador, por exemplo, já me disse que não queria treinar porque tinha medo", afirma Amaro Rodrigues, coordenador e treinador da formação do Folgosa da Maia.
Numa espécie de efeito dominó, o clube debate-se com outros problemas e está a levar um rombo financeiro à custa desta razia na formação. "Para combater a perda de miúdos, baixamos as mensalidades", adianta o presidente, Augusto Azevedo. Antes, cada atleta pagava 25 euros, agora paga 20. Além disso, o bar do Folgosa da Maia também tem somado perdas financeiras consideráveis - menos 2500 euros por mês -, porque muitos pais aproveitavam para frequentar as instalações enquanto os filhos treinavam. "Nunca demos um passo maior do que a perna e estamos estáveis, mas fica difícil" conta o dirigente.
No campo, os treinadores têm de improvisar. "Ver tão poucos miúdos é desanimador. E é ainda mais difícil motivá-los, porque treinar sem jogar é complicado. Os atletas crescem nos desafios e não estamos a conseguir desafiá-los", remata o coordenador Amaro Rodrigues.