"Ainda não disse que estou mais magro". A observação, quase uma impertinência de humor, sai do presidente do F. C. Porto como se estivesse a sintetizar três meses de confinamento. "Não tinha dito, porque antes também não lhe disse que estava mais gordo".Pinto da Costa ri-se e passeia-se pelo camarote presidencial do Dragão como quem imagina o coro dos adeptos. Perdeu 11 quilos. "Como tudo, mas não repito. Bom, tem dias". Durante os tempos de confinamento, nunca falhou uma volta ao redor do Estádio do Dragão, para somar aos dez quilómetros que percorria. É assim que se prepara para as eleições à presidência do F. C. Porto do próximo fim de semana, as primeiras em que vai ter dois opositores. Lamenta não ter tido outros adversários, com outro peso institucional. Razão, de resto, que pesou também no momento de renovar a sua recandidatura. Ainda assim, tudo teria sido diferente caso o candidato fosse Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto. "Se o Rui Moreira se tivesse candidatado, embora ele me tenha dito que não o faria, e que eu devia continuar neste período difícil, merecia o meu apoio e eu não avançava, não me teria candidatado. O passado e presente e o amor que tem à cidade e ao F. C. Porto falam por si". Ao longo de uma hora e meia de entrevista, faz um balanço do mandato, olha para o futuro, revela novidades sobre a venda do naming do estádio para ajudar a debelar a crise financeira, fala da Cidade do F. C. Porto e sai em defesa de Pedro Proença, presidente da Liga. Sempre ao seu estilo. Acutilante. Sobre as críticas ao facto de não ter renovado a equipa com que se apresenta a eleições, é peremtório: "Não era altura de entregar o leme a gente nova". Princípio, aliás, que extrapola para o comando técnico da equipa. "Sérgio Conceição será o meu treinador enquanto eu aqui estiver".
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É presidente há 38 anos, o que o motiva a candidatar-se?
É sentir que este vírus veio alterar a vida de muita gente e das instituições, criando dificuldades acrescidas. Não me candidatar numa altura destas seria fugir à responsabilidade. Felizmente há outras duas candidaturas, mas há uma coisa de que ninguém me pode acusar: de fugir à responsabilidade. Estou aqui para ajudar a resolver a situação e pôr o F. C. Porto livre de qualquer insucesso motivado por esta pandemia. Podia ter sido cómodo dizer que já cá estou há 38 anos, que este é o clube que ganhou mais títulos e ir-me embora. Mas não faço isso.
O que seria para si um mau resultado?
Era não ser eleito. Esperava, sinceramente, que aparecesse outro tipo de candidatos, com história e passado no clube, e aí sim poderia, eventualmente, não me recandidatar. Mas os que apareceram foram dois indivíduos que não têm passado no F. C. Porto, e não me dão garantias, como associado, que consigam enfrentar esta situação tão delicada. Daí a razão de me recandidatar.
Vai fazer mudanças na administração da SAD?
Sobre a SAD não me vou pronunciar, pois só me compete falar se for reeleito. Neste momento, embora já tenha terminado o mandato na SAD, não quis mexer na estrutura sem haver eleições. A partir do momento em que surgiu um candidato, entendi não o fazer nem falar, porque a quem compete escolher a SAD é ao F. C. Porto [clube], que é o acionista maioritário. Tenho as minhas orientações, mas é a Direção do F. C. Porto que tem de se pronunciar.
Nessas orientações, Vítor Baía poderá ter um lugar na SAD?
As minhas ideias sobre a SAD já estão definidas, mas só serão tornadas públicas se for reeleito. Se não for, ninguém saberá o que estava a pensar fazer.
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Mas pela confiança que deposita em Vítor Baía, vê nele a capacidade para ser presidente?
Via-o como um daqueles candidatos possíveis a assumir-se. Foi um grande atleta, um campeão, e é um dos símbolos do F. C. Porto. Mas achava que se tivesse avançado com uma candidatura seria uma asneira. Ser candidato, sem ter tido a experiência diretiva e conhecer profundamente o clube em todas as situações, teria sido um erro. Com a entrada nos órgãos sociais vai ganhar uma grande experiência, e, se no futuro quiser, pode ser um bom candidato. No dia em que eu deixar a liderança do F. C. Porto não darei a ninguém o meu apoio para ser presidente. Quando surgirem candidatos com outra estrutura dentro do clube, há muito boa gente que pode assumir a presidência.
Olhando para os elementos que integram a sua lista, há quem diga que podia ter sido mais ambicioso em vez de se suportar na estabilidade...
Vivemos um tempo difícil, e mesmo parecendo que vem aí muito dinheiro da Europa, o Governo não vê os clubes como entidades para ajudar, mas sim como entidades para sugar. Não esperamos nada do Governo, temos de ser nós a resolver os problemas. Numa altura destas é fundamental manter a estabilidade e as pessoas que estão nos pontos-chave para a resolução dos problemas. Não era altura de entregar o leme a gente nova que viria para aprender. Mas, ao mesmo tempo, sentia que tinha de integrar sangue novo, daí ter convidado o Vítor Baía, o Paulo Mendes e o José Américo Amorim, que com novas ideias vêm para ajudar. Essa mescla será importante para resolver os problemas.
Há uns meses, António Oliveira fez uma leitura muito crítica do F. C. Porto. Esperava que ele avançasse nestas eleições?
Não avalio as pessoas por fazerem críticas ou elogios. Se estiverem em desacordo com algo, e mesmo que não tenham razão, têm direito a dizê-lo. Há nomes que foram falados como potenciais candidatos, que se avançassem eu não tinha preocupação que pudessem ganhar. O António Oliveira é um deles, como o Vítor Baía, o André Villas-Boas ou o Rui Moreira. Qualquer um deles, se se candidatasse, seria prestigiante para o clube. Com eles estava tranquilo, não me candidatava, mas se o fizesse sentia-me prestigiado em concorrer com pessoas que têm um passado no F. C. Porto. António Oliveira tem todo o direito de ser crítico.
Se os coloca todos ao mesmo nível, não só não valoriza nenhum como no fundo os desvaloriza a todos. Deixa mesmo Rui Moreira nesse lote? Elogiou-o muito na apresentação da sua candidatura...
[Pausa] Se o Rui Moreira se tivesse candidatado, embora ele me tenha dito que não o faria, e que eu devia continuar neste período difícil, merecia o meu apoio e eu não avançava, não me teria candidatado. O passado e presente e o amor que tem à cidade e ao F. C. Porto falam por si.
É mais importante ser presidente da Câmara do Porto ou do F. C. Porto?
As duas coisas. O Rui Moreira não é presidente da Câmara por ambição política. Ele não é político, pois se o fosse já se tinha encostado a um partido. Continua independente, porque gosta da cidade. Mas gosta também do F. C. Porto. Julgo que ser presidente das duas instituições lhe daria igual prazer, como a mim me daria. Houve tempos em que também fui sondado para ser presidente da Câmara do Porto. Se não estivesse no F. C. Porto, dar-me-ia muita honra servir a cidade, até se fosse vereador. Quem olha para Rui Moreira vê uma pessoa do Porto, com convicções e que não se esconde. Convidei-o para liderar a lista do Conselho Superior e não se escusou. Assumiu e fez questão de estar na apresentação da lista por convicção. Não devemos nada um ao outro. Nunca lhe pedi nada nem me fez favores, e vice-versa. É apenas uma comunhão de ideias no amor a tudo o que é da cidade. E isso identifica-nos, além, claro, da paixão enorme pelo F. C. Porto.
Nas últimas eleições já tinha um projeto para uma academia para a formação, mas a obra nunca avançou. Porquê?
Para avançar para a construção são precisas muitas formalidades e licenças. Veja o que aconteceu a um prédio na cidade que estava a ser construído, que depois foi embargado e esteve um ano parado. Há muita complicação e muita gente que tem de dar o OK, mas agora estamos em vias de poder arrancar.
Como é que o F. C. Porto vai financiar essa cidade do futebol?
Já está resolvido, será com novos investidores, mas não os vou revelar. A localização também já está definida, mas acho que não devo dizer por causa das tais burocracias. Conto que daqui a três meses possamos começar, mas não posso garantir.
Há quem diga que o F. C. Porto em termos de formação está atrás dos rivais. É injusta esta análise?
Não é injusta, é estúpida. O F. C. Porto foi campeão europeu nos escalões jovens, é quem tem mais jogadores no plantel vindos da formação, como Diogo Costa, Diogo Leite, Romário Baró, Fábio Silva, Vítor Ferreira, João Mário, Tomás Esteves. A nossa formação é muito boa. Mas para ainda lhe dar mais força, e porque é um departamento do clube e não da SAD, entendi que devíamos ter um responsável diretivo, como o Fernando Gomes, com conhecimento profundo, e por ser um nome e uma imagem que é um incentivo para os jovens. Será o responsável número um para aperfeiçoar esse setor. Reconheço que a falta da academia nos atrasa em termos de instalações, mas em termos de resultados temos títulos, nomeadamente o europeu, que ninguém tem em Portugal.
Estamos em negociações para vender o naming do estádio
No último exercício, o F. C. Porto apresentou um prejuízo histórico e o passivo aumentou. A que se deve essa derrapagem?
Houve coisas anormais, nomeadamente a não qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Perder a eliminatória com aquele clube russo custou-nos mais de 50 milhões de euros. Contarmos com uma receita dessas e depois não acontecer, claro que se reflete no prejuízo.
Os efeitos da pandemia agravaram a situação?
Claro. De um momento para o outro o F. C. Porto viu-se completamente estrangulado. Fecharam as lojas, o museu e deixamos de ter receitas. Sem jogos também não vendemos bilhetes e muitos sócios deixaram de pagar as quotas....
Já avaliou todos os prejuízos?
São muitos milhões, mas é incalculável. Além disso, tínhamos um jogador que foi negociado por uma determinada verba, mas agora o clube que o queria, porque também está em dificuldades, desistiu, pois já não tem capacidade para fazer o negócio.
Esse jogador é o Alex Telles?
É um dos 25 do plantel, mas por acaso não é esse.
Teve também a situação da suspensão dos pagamentos dos direitos televisivos por parte da Altice...
Sim, de um momento para o outro vimo-nos sem receitas e a ter os mesmos custos. Foi algo anormal para todos os setores, mas que o futebol sente mais. No ano passado, o F. C. Porto pagou 47 milhões de impostos. Grande parte dessa verba estará incluída nos 850 milhões que todos os portugueses deram para viabilizar o Novo Banco. Mesmo assim, fizemos a esse banco um pedido de financiamento de dois milhões de euros, para facilitar o pagamento de ordenados, desde abril, com garantias dadas pela Federação Portuguesa de Futebol pelo dinheiro que temos a receber das provas da UEFA, mas o Novo Banco recusou. Acabámos por resolver esse problema num banco alemão. Não percebo como uma instituição alemã faz negócio connosco, e vai ganhar dinheiro com isso, e este banco português não o quer fazer. O F. C. Porto, contrariamente ao que disseram, não está em nenhuma guerra com a Altice. Estamos a tentar encontrar uma solução. O que quiseram foi criar um ambiente em que o F. C. Porto estaria incompatibilizado com um parceiro importante.
Neste contexto, como vai o F. C. Porto cumprir a meta do fair-play financeiro e ainda mais a fasquia que precisa de alcançar nas mais-valias das transferências?
Se não tem sido isto [da pandemia], o F. C. Porto tinha cumprido, porque a própria UEFA sabia os negócios que estávamos a ultimar. Agora, temos de esperar que o futebol retome, não só em Portugal como no estrangeiro, porque os negócios que estávamos a fazer era para Espanha e Inglaterra. Retomando esses campeonatos, os clubes vão voltar a aparecer. Hoje, vi em vários jornais que o F. C. Porto só vende e não compra. É errado. Há posições que não precisamos de colmatar se vendermos, mas há outras em que obviamente temos de ir ao mercado. E já sabemos que se sair determinado jogador qual é o atleta que vamos comprar para compensar. Se vendermos por 30 milhões, vamos comprar por cinco, mas só jogadores que nos deem garantias. O que não faremos é comprar antes de vender, para não ficar com excesso de jogadores. Com este plantel, o F. C. Porto não precisa de aquisições. Só se sair alguém.
E vão sair muitos jogadores?
Também gostava de saber. Para sair alguém têm de vir cá comprar e a situação, neste momento, na Europa está de pernas para o ar. Acho graça, quando vi um candidato de outra lista dizer que "vamos mudar para vencer", parece que não estamos em primeiro ou na final da Taça de Portugal. Talvez seja uma candidatura ao Portimonense ou ao Aves. Acho que se mudar pode é perder, porque agora já está a vencer.
Quem admite ter de deixar sair no final da época?
É o mercado que vai ditar as leis.
Mas quantos mais saírem, melhor?
Não. Vamos dar prioridade à saída de jogadores que sabemos que temos forma de colmatar. Mas, recuando um pouco, acho muito engraçado que toda a gente saiba o que se passou com os e-mails e com os padres, dizendo que foi uma pouca vergonha, mas depois vêm dizer que o F. C. Porto não ganha. Se toda gente sabe como perdemos, não se podem queixar da equipa técnica nem dos jogadores, têm de perceber que foram coisas anormais que têm de ser combatidas e estarmos atentos para que não se repita.
É fundamental para o futuro do clube vencer o campeonato?
É evidente que sim.
O contrato de Sérgio Conceição acaba no final da próxima época. Se for eleito, ele renova até ao final do seu mandato?
Se ele quiser renovar, e espero que sim, será o meu treinador enquanto eu cá estiver. Entendo que é o treinador ideal para o F. C. Porto, pela sua capacidade, espírito, história e identificação com o clube. Não veio para aqui e identificou-se com o clube como aconteceu com muitos. Ele é do clube.
É uma possibilidade vender o naming do estádio?
Sim, e estamos em negociações para isso. Ainda recentemente reunimos com um potencial interessado. Queremos tentar manter o nome de Dragão juntando-o ao do investidor, tal como aconteceu quando a Caixa [Geral de Depósitos] esteve ligada à arena. Não é obrigatório, mas creio que vai ser possível manter o Dragão.
Vai apostar no futsal?
Falar, nesta altura, na criação de novas modalidades é demagogia. Prometer o futsal ou outras mais é não estar ciente da realidade do desporto português. Poderá vir a acontecer, mas nestes dois primeiros anos de mandato, não creio.
Alguns clubes querem correr o Proença e colocar Luís Duque na Liga
Preocupa-o que Cláudia Santos vá presidir ao Conselho de Disciplina da Federação?
É obvio que sim. É inconcebível que uma pessoa que esteve num cargo diretivo da justiça na Liga, que arquivou os vouchers do Benfica e que foi posta fora por todos menos pelo Benfica, seja escolhida para presidir ao Conselho de Disciplina. É uma pessoa controversa que em aulas e livros dá exemplos contra o F. C. Porto, nomeadamente em questões do tribunal que foram favoráveis ao F. C. Porto.
Valeu a pena a luta que o F. C. Porto fez na denúncia dos e-mails do Benfica?
A luta vale sempre a pena, quando é por algo verdadeiro. Disseram que os e-mails eram falsos, mas ficou provado que existiam e tudo que foi dito e transcrito era verdade. Vai depender se acharmos que vale a pena lutar com a Justiça que temos. O juiz que ia julgar o caso do Rui Pinto foi retirado por ser benfiquista, mas o juiz aqui do Porto, que julgou os e-mails, é um grande benfiquista e também sobrinho de Angelino Ferreira, um grande opositor desta Direção. Neste caso, já não houve incompatibilidade.
Pode haver uma aproximação com os presidentes dos rivais?
Não acredito. Fui à reunião [com o Governo] sabendo que era um caso isolado, numa matéria que interessava a todos. A intenção de alguns clubes é correr com o Proença para lá colocar o Luís Duque. Deu-se uma coisa curiosa, de um presidente de um clube estar numa reunião com o Proença e o Luís Duque lhe ter telefonado a fazer campanha.
Há uma união entre Benfica e Sporting?
No dia em que o Bruno de Carvalho foi destituído do Sporting, mandou-me uma mensagem a dizer "cuidado, o F. C. Porto está tramado. O presidente vai ser o Varandas e vão estar alinhados contra o F. C. Porto". Essa aliança nunca vai ser oficializada. Mas sente-se nos comportamentos uma vontade desses clubes em se aliarem.
Dada a imprevisibilidade dos contágios, devia haver regras mais claras, caso o campeonato termine de repente?
As regras não estão claras, e se o campeonato não puder terminar, não tenho dúvidas de que há uma solução A e uma solução B, de acordo com quem estiver no primeiro lugar. Devia ser definido o que terá de acontecer se, depois de o campeonato recomeçar, tiver de ser interrompido depois. Essa ambiguidade não favorece o F. C. Porto.
Os clubes exigiram essa clareza?
O F. C. Porto já levantou esse problema. Mas há uma grande luta de poderes entre a Federação e a Liga e os clubes estão a ser vítimas disso.
Essa luta surge de uma necessidade de maior protagonismo por parte da Federação?
É incompreensível esta guerrilha entre a Federação e a Liga. Então o presidente da Liga não pode mandar uma carta ao presidente da República? Mas porque é que se criou uma guerra a partir disso e se pediu a demissão do Pedro Proença? Ele foi eleito com 96% dos votos dos clubes e salvou uma situação caótica. O presidente da Liga foi à reunião do F. C. Porto, Sporting e Benfica com a Federação e o primeiro-ministro porque foi repescado.
Houve clubes que abandonaram a Direção da Liga...
É tudo uma jogada para tentar enfraquecer Proença. O Benfica sempre esteve representado nas reuniões e nunca o seu representante contestou as decisões. Acha normal que a 14 meses do final do contrato com a NOS, e agora que se vai reatar o campeonato, a empresa faça um telefonema a dizer que não vai renovar? Sei que um grande banco já veio saber como era, porque já tinha estado interessado e foi, na altura, antecipado pela NOS.
Na assembleia-geral da Liga, o F. C. Porto vai apoiar Proença?
Não será só o F. C. Porto, todos os presidentes com quem tenho falado, e não apenas de clubes do Norte, acham que é insensato que, neste momento difícil, se peça a demissão do presidente da Liga.