A pré-época é sempre um momento especial na caminhada das equipas e, cada vez mais, os grandes clubes optam por incluir muitos jogadores nos estágios. Do Benfica ao Liverpool são vários os exemplos de uma nova realidade que parece ter vindo para ficar. Venha perceber o que Manuel José, João Henriques e Tiago Moutinho, todos eles treinadores portugueses, acham sobre o assunto.
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Jogos fora do país (muitos deles em continentes diferentes), equipas técnicas totalmente distintas do ano anterior e um momento de alta pressão, em que para muitos jogadores é o tudo ou nada de integrar o plantel da equipa principal. As pré-temporadas são mesmo assim: um misto de desafios em constante renovação e que, nos dias que correm, tendem a originar mais dores de cabeça aos treinadores.
Este ano foi a vez do Benfica surpreender. Roger Schmidt, que assumiu a pasta para a temporada 2022/23, levou 38 jogadores para o estágio dos encarnados em Inglaterra. O número de envolvidos, que contempla juniores e jogadores da equipa B, causou burburinho entre os adeptos dos vários clubes portugueses, no entanto, acaba por não ser algo exclusivo. Por exemplo, Jurgen Klopp, técnico do Liverpool, e também ele de escola alemã (tal como Schmidt) fez questão de incluir mais de 30 jogadores na comitiva que levou para a digressão pela Ásia. Algo comum ao seu par da Premier League, Erik Ten Hag, que apesar de ainda não contar com Cristiano Ronaldo na preparação do Manchester United, também decidiu ter à disposição 31 jogadores para avaliação.
De forma a perceber as implicações que um grupo com maior número de jogadores pode ter no arranque dos jogos oficiais, o JN foi falar com três treinadores portugueses.
Começando por Manuel José, treinador que conquistou oito provas continentais, e que é conhecido como o "Rei de África", depois de ter erguido quatro Ligas dos Campeões africanas e quatro Supertaças ao serviço do Al Ahly, do Egipto. Para o técnico, de 76 anos, atualmente na reforma, trabalhar com 38 jogadores, tal como o Benfica está a fazer, "é algo impensável".
"É preciso existir um motivo muito forte. Acredito que o novo treinador esteja a fazer isto porque quer conhecer todos os jogadores e também que o conheçam a ele. Só que é preciso ter a noção que trabalhar com 38 jogadores é extremamente difícil. Pelos vistos ele tem experiência para isso", começou por dizer.
Segundo Manuel José, não há qualquer tipo de vantagem em adotar esta forma de trabalho, que poderá trazer consequências negativas no futuro. "Só vejo contras. Prós não existem nenhuns. O Benfica levou cinco guarda-redes. Eu deixo a questão: Vão todos jogar? Treinar é uma coisa, jogar é outra totalmente distinta. Além disso, muitos estão a treinar com a pressão de saberem que não vão ficar na equipa. Se são 38 é impossível ficarem todos. Aliás, longe disso. É preciso ser mentalmente muito forte para manter um bom nível numa fase em que têm de mostrar o que têm de melhor ao treinador", referiu.
Uma opinião partilhada por João Henriques, que conta com várias passagens pelo principal escalão do futebol nacional, que também vê mais desvantagens do que vantagens.
"É importante que se perceba que tudo vai depender do contexto. Idealmente, para se direcionar e idealizar o que se pretende para a época, um número mais reduzido de jogadores é o indicado. Sempre perto daquilo que será o número final", adiantou, antes de apontar um dos grandes problemas desta fase.
"Quando se tem muitos jogadores é preciso arranjar soluções para que todos tenham a mesma oportunidade de mostrarem o seu real valor. Claro que isto faz parte do trabalho do treinador. Pior são outras situações que muitas vezes não se controlam, como o facto da janela de transferências estar aberta até final de agosto. É demasiado tempo. Ainda para mais com os campeonatos já a decorrer e apuramentos para as competições europeias. Mas é a realidade que temos. É preciso saber lidar com ela", concluiu.
Por outro lado, Tiago Moutinho, técnico da Sanjoanense (Liga 3), salienta que atualmente as pré-temporadas estão tão bem planeadas que tudo se torna mais fácil.
"A maior barreira de ter um grupo de 40 jogadores é a qualidade do treino. No entanto, importa não esquecer que as pré-épocas servem exatamente para avaliar e conhecer melhor os jogadores. Se um treinador chegou recentemente a uma equipa faz todo o sentido que queira observar os jogadores que vai ter à sua disposição. Hoje em dia as pré-temporadas estão tão bem planeadas que tudo se torna mais fácil", disse, explicando que comitivas com um número fora dos padrões geralmente são justificadas pela inclusão de vários jovens.
"Tal como disse esta é a altura ideal para observar, avaliar e experimentar. Muitas das equipas que levam comitivas com um número mais expressivo são compostas por vários jogadores jovens dos escalões inferiores. Na minha opinião não há um número correto. Tem de existir uma relação numérica para cada posição que permita chegar à melhor solução. Mas isso irá sempre variar de equipa para equipa" rematou.