Projeto nasceu em 2016, na Feira, e junta pessoas com e sem deficiência na prática desportiva.
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Segundo o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, a deficiência foi, no ano passado, o segundo motivo mais apontado para a discriminação em Portugal. Em Santa Maria da Feira, utiliza-se o desporto como resposta ao problema. Criado em 2016, o projeto Desporto Plural, desenvolvido pelo município em parceria com a Provedoria Municipal dos Cidadãos com Deficiência local, procura promover a plena inclusão social, em toda a sua diversidade.
O programa tem a particularidade de juntar pessoas com e sem deficiência, em "modalidades preferencialmente coletivas, centradas nas potencialidades do grupo", segundo explica o provedor-adjunto, António Sá Pereira. As atividades têm "uma componente interpessoal e social forte, evidenciam a normal interdependência de todos no grupo e secundarizam as diferenças ou alguma dependência particular", acrescenta o responsável, que acredita que "que este é o caminho para uma sociedade mais rica, equilibrada e inclusiva".
As modalidades de futsal, boccia e ténis de mesa foram as pioneiras, às quais se juntará a natação. Os cerca de 150 inscritos participam nos Jogos pela Diversidade do concelho, que se disputam na Páscoa, no verão e no Natal, sendo que o projeto já chegou às escolas, e conta com o apoio de clubes e instituições locais.
Esta é mais uma resposta informal da autarquia para a inclusão social das pessoas com deficiência. Cristina Tenreiro, vereadora da Educação, Desporto e Juventude do município, salienta que "estes momentos são muito importantes para a saúde destas pessoas, a nível físico e psicológico", mas sabe que "há um longo caminho a percorrer", mesmo que já se tenham dado passos decisivos: "São séculos de história em que não havia esta sensibilidade para quem é diferente. Não podemos em meia dúzia de anos mudar completamente a cultura de um povo".
Desporto destrói barreiras
Cada modalidade tem um embaixador, que dá maior expressão ao projeto. Carla Oliveira, atleta paralímpica de boccia que representa o F. C. Porto, lembra que "o desporto é um facilitador na destruição de barreiras", enquanto Ivo Rocha, medalha de prata nos 100 metros bruços no último Europeu de natação paralímpico, ressalva o facto de o projeto "envolver, no mesmo espaço, pessoas com e sem deficiência, o que o torna ainda mais desafiante e pioneiro".
Joaquim Milheiro, da Federação Portuguesa de Futebol, sublinha que se pode ajudar a "estimular para a felicidade através do futebol", e Nuno Pontes, atleta paralímpico de ténis de mesa, defende que "basta que uma pessoa melhore significativamente para justificar que este trabalho continue a desenvolver-se".
Hugo faz do boccia fonte de amizades
Focado na bola alvo enquanto aguarda pela sua vez de jogar, Hugo pensa na melhor estratégia para levar de vencida aquela partida de boccia. É o capitão da sua equipa, estatuto natural em alguém que se habituou a passar a sua mensagem aos demais.
Fã das redes sociais e sempre pronto para uma saída com os amigos, passa o tempo na CERCI Feira, aonde chegou há 15 anos, a fazer parafusos e copinhos, para além de, durante a hora do almoço, cumprir a função de telefonista. "Também vamos à biblioteca e às reuniões do grupo de autorrepresentantes", nas quais procura "dar voz àqueles que não se conseguem expressar". "Já consegui ajudar muitos", confessa, ele que nasceu, há 30 anos, com paralisia cerebral. Cumpriu o 7.º ano de escolaridade antes de chegar à CERCI Feira, onde descobriu o boccia.
As suas aptidões já o levaram a marcar presença em algumas competições, as quais aproveita, à semelhança do que faz nas sessões do Desporto Plural, para aumentar o leque de amigos. "Gosto de participar em torneios para poder conviver", refere Hugo, natural de S. João de Ver, que com o desporto percebeu que o nós é sempre mais importante do que o eu: "Devemos jogar sempre em prol da equipa".
Rui Moreira continua a romper estigmas
No pavilhão da Lavandeira reina a paz. Falta meia hora para o início de mais uma sessão do Desporto Plural, mas Rui Moreira já por lá anda, de fato de treino e sorriso no rosto, enquanto prepara mais uma sessão de futsal. Nasceu com paralisia cerebral, que lhe afetou a fala e a coordenação de movimentos, mas isso nunca o impediu de seguir os seus sonhos.
O gosto pelo futebol levou-o a tirar os dois primeiros níveis do curso de treinador, o que lhe possibilitou realizar um estágio com a seleção nacional de sub-19, em 2016. Administrativo na Câmara da Feira, integrou desde o início o Desporto Plural, uma "iniciativa catalisadora de integração pela diversidade". É o responsável pelo futsal, com o auxílio de Pedro Garcês, e diz não ser complicado agregar todos os participantes. "Basta respeitar as capacidades e os tempos "exigidos" por cada um", até porque "todos somos capazes, assim se proporcionem as condições necessárias a cada individualidade".
O objetivo é que "todos interajam e sejam o mais participativos possível", refere Rui Moreira, um dos exemplos de inclusão que o projeto promove: "Estou completamente inserido, rompendo o estigma da suposta incapacidade total e dando origem a novos paradigmas".
Dos treinos sozinho aos jogos com amigos
Pedro tem 22 anos. Até aos cinco, era uma criança como as demais, mas o diagnóstico de meduloblastoma do cerebelo, patologia que consiste em tumores cerebrais que se desenvolvem na zona do cérebro que ajuda a controlar a coordenação e o equilíbrio, condicionou-lhe o futuro. O seu desenvolvimento corporal não foi total, assim como o cognitivo, para além da surdez e das dificuldades de locomoção que foi evidenciando a partir daí.
Após cumprir a escolaridade obrigatória, com um plano curricular adaptado, foi integrado na Associação de Amigos por uma Comunidade Inclusiva em Sanguedo, na qual se diverte a fazer pulseiras e terços, que acaba por vender. O dinheiro angariado serve para "comprar roupa ou brinquedos", de acordo com as necessidades.
Apaixonado por desporto, Pedro pratica natação, boccia, ginástica adaptada e ténis de mesa. Há dois anos, quando passou a integrar as sessões do Desporto Plural, limitava-se a treinar o serviço de bola sozinho. Passaram-se meses até conseguir jogar com alguém, mas o esforço foi compensatório. Hoje, corre e cumpre à risca os exercícios de aquecimento, no centro de treinos de ténis de mesa de Lourosa, e até desafia os amigos para uma partida.