Investidores do Vilafranquense vão ter equipa a competir na Vila das Aves.
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A SAD que liderou os destinos do Vilafranquense nas últimas cinco épocas vai mudar-se para a Vila das Aves, a mais de 300 quilómetros de distância. A alteração deve-se à ambição do grupo de investidores, liderado pelo empresário brasileiro Rubens Takano Parreira, em ter um estádio, condição que a sociedade e a Câmara de Vila Franca de Xira não conseguiram satisfazer.
Dono de um recinto com capacidade para cerca de seis mil espectadores, o Aves mostrou-se recetivo e acabou por arrendar as instalações por 10 épocas. Não há uma fusão entre as duas entidades, o negócio apenas diz respeito à cedência temporária das infraestruturas. Contudo, a equipa vai competir sob a designação de Aves Futebol Clube SAD, o símbolo será mudado, mas o vermelho e branco do equipamento mantêm-se. Ao JN, o jurista José Miguel Sampaio e Nora garantiu que "o processo é legal e está tudo dentro da normalidade".
Neste momento, o novo regime jurídico das sociedades desportivas está em debate na especialidade na Assembleia da República e contempla, sabe o JN, que seja proibida a fusão entre duas SAD. Mas este caso é diferente porque se trata de uma mudança de nome e de instalações. No entanto, se esta nova legislação for aprovada, o Aves não vai poder entrar nesta SAD por duas razões: primeiro porque não foi o clube fundador, depois porque o Vilafranquese SAD também não vai poder fundir-se com uma futura sociedade que o Aves possa vir a criar.
Os novos investidores, que têm Henrique Sereno como presidente, serão também responsáveis pela formação e pelas escolas de futebol na Vila das Aves. O clube do concelho de Santo Tirso irá deixar de competir na Divisão de Honra da A. F. Porto e volta a jogar nos campeonatos profissionais, ou seja, na Liga 2. Além disso, suspende todas as atividades relacionadas com o futebol, mantendo o futsal e criando uma secção de basquetebol.
O acordo já foi aprovado pelos sócios do Clube Desportivo das Aves 1930, refundado depois da equipa ter sido relegada em 2019/20 para os distritais na sequência de problemas financeiros e depois de ter conquistado a Taça de Portugal. Impedido de inscrever jogadores devido a dívidas da anterior SAD, avaliadas em 17 milhões de euros, a Direção do Aves tenta, na justiça civil, desresponsabilizar-se do pagamento desse valor. O arrendamento do recinto será assim uma forma de resolver diferendos financeiros e judiciais.
Ao que o JN apurou, Henrique Sereno tentou chegar a acordo com a câmara municipal de Vila Franca de Xira para a construção de um estádio, porém os esforços foram infrutíferos. O JN contactou a autarquia, mas o presidente Fernando Paulo Ferreira mostrou-se indisponível para esclarecimentos. O Campo do Cevadeiro, propriedade do Vilafranquense, vai ser requalificado mas a obra será de menor dimensão. O clube vai participar nos distritais de Lisboa, mantendo o nome de Vilafranquense.
Cenário é moda em Portugal
O aproveitamento de sinergias entre SAD tem sido um hábito no passado recente. Em março, a B SAD e o Cova da Piedade uniram-se com o objetivo da equipa azul passar a ter, em definitivo, um estádio. O acordo prevê que a B SAD altere a sua designação para Clube Desportivo Cova da Piedade - Futebol SAD e permite ao emblema do distrito de Setúbal ter uma equipa a competir na Liga 2. Em 2020, o Estrela da Amadora e o Sintra Football também se fundiram o que permitiu aos amadorenses subirem do distrital da AF Lisboa ao Campeonato de Portugal.
Avenses sentem que novo rumo era inevitável
O regresso do futebol profissional a Vila das Aves é, por estes dias, tema central das conversas nesta freguesia de Santo Tirso, com cerca de oito mil habitantes. Os avenses nutrem uma enorme paixão pelo principal clube local, sobretudo depois da recente passagem pela Liga e da inédita conquista da Taça de Portugal, em 2018. Agora estão empolgados por voltarem a ter jogos de elite na vila, mesmo que seja através de uma via alternativa. "Era a única solução que nos permite, em pouco tempo, reviver os grandes êxitos do CD Aves", confessou, ao JN, Joaquim Faria, presidente da Junta de Freguesia. O autarca acredita que voltar a ter futebol profissional na localidade "vai dinamizar a economia e promover o nome de Vila das Aves", enaltecendo o facto da SAD, que vem de Vila Franca de Xira, assumir também o futebol de formação.
Já Rafael Sampaio de Sousa, sócio 209 do CD Aves, e empresário de restauração, considerou que a solução "é uma vingança aos que empurraram o Aves para a distrital", mostrando-se satisfeito por voltar a haver "um projeto sólido de futebol em Vila das Aves". "Nas muitas conversas que tenho no meu estabelecimento apenas uma em cada 10 pessoas se mostra desconfiada, mas talvez por nostalgia".
A esses mais desconfiados, o atual presidente do CD Aves, Pedro Pereira, garantiu, através do JN, que "as duas entidades [clube e SAD] são totalmente autónomas e o património é, e continuará a ser, totalmente do CD Aves". O dirigente lembra que está "unicamente em causa é um contrato de arrendamento [do estádio]" e que não havia outra solução, a curto ou médio prazo, para voltar a ter futebol profissional na vila. "Forçaram-nos a suspender as equipas sénior e de formação, devido às penalizações à antiga SAD do Aves. A FIFA entende, a nosso ver erradamente, que o CD Aves é o herdeiro desses problemas, mas continuaremos a contestar isso judicialmente", vincou.
Vila Franca revoltada com queda de sonho
De um momento para o outro, Vila Franca de Xira deixou de apoiar o Vilafranquense. Banhada pelo rio Tejo, a cidade tem cerca de 140 mil habitantes e esforça-se por assimilar a notícia de que a SAD, que conduziu o clube à Liga 2, vai passar para a Vila das Aves quando o objetivo era chegar à liga principal. A Câmara Municipal está debaixo de fogo. Ouvido pelo JN, Alfredo Santos, dono de um espaço de venda de peças de automóvel, mostrou-se revoltado. "O Vilafranquense é o espelho da terra e custa-me a situação. Construção de um estádio? O município gasta dinheiro em tantas coisas e, neste caso, não fez nada. A cidade perde cada vez mais força, foge tudo para a vizinhança, como Alverca". Por seu lado, outros comerciantes, que preferiram não dar a cara, também lamentaram a situação. "Com habilidade, podia ter-se dado a volta ao caso. Seria uma honra para a cidade ter o clube na Liga. A Câmara não quis envolver-se em negociações para um novo estádio e quem paga somos nós".
O Campo do Cevadeiro, o recinto do clube, não teve melhorias significativas nas últimas décadas e é alvo de críticas. "Ninguém pode jogar naquele estádio ao mais alto nível. Simplesmente não tem condições, até o relvado é mau para treinar", acrescentou. As bancadas são muito antigas, não há cadeiras e a SAD trabalha há vários anos em contentores ao lado do estádio. Perante tantas limitações, o Vilafranquense está a jogar em Rio Maior, a 50 quilómetros de Vila Franca de Xira.
Por seu lado, Mário Ferreira, sócio do clube há mais de 60 anos, revelou-se triste. "Houve promessas de obras no estádio, terão sido aprovados empréstimos bancários, mas na verdade ficou igual. As pessoas sabiam o que se passava, mas ninguém deu um passo à frente". Com seis jornadas até ao final da Liga 2, o Vilafranquense passará a jogar sem adeptos, sendo que alguns até prometem apoiar os adversários para mostrar desagrado. A mágoa está para durar no Ribatejo.