Depois de um ano fustigado por problemas físicos, que o afastaram dos grandes palcos do ciclismo internacional, Rui Costa está a encarar com confiança a época de 2019. Redefiniu a estratégia de carreira, apostando em provas mais curtas, mas tal não lhe retira a ambição de levantar os braços nas linhas de meta de provas como Giro, Tour ou Vuelta. Um possível regresso a Portugal continua a estar longe do horizonte do corredor natural da Póvoa de Varzim, que ainda assim vê como positivo o regresso dos clubes ao ciclismo e espera que o Benfica se junte ao pelotão.
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Ao contrário de várias modalidades, as férias no ciclismo acontecem no inverno. Consegue desfrutar na mesma?
As minhas férias acabaram há algumas semanas e já estou a preparar a nova temporada. Houve quase um mês para descansar, mas é sempre complicado, porque o tempo nesta altura não costuma ser bom. Às vezes tento contornar isso, passando uns dias em locais mais quentes, mas, como passo todo o ano a viajar, muitas vezes acabo por ficar em Portugal a desfrutar da família.
Quais são as expectativas para 2019?
Espero que seja um ano bom. Estou a trabalhar com intensidade para preparar este arranque, porque sempre fui um atleta que gosta de começar bem a época.
Já sabe as provas que vai fazer?
Vou iniciar a temporada na Volta a Valência, que será uma estreia para mim. Depois, farei as voltas a Omã e Abu Dhabi/Dubai e penso, também, fazer o Paris-Nice e as clássicas das Ardenas e da Romandia.
Em relação às grandes provas, o Giro, Tour e Vuelta, já tem planos?
Ainda não. Normalmente, traçamos esta primeira fase do ano e só depois, lá para maio, iremos decidir o que vou fazer a seguir.
Esta temporada, a sua equipa, a UAE Emirates, reforçou-se com nomes de peso. Sente que o projeto está mais forte que nunca?
Quando esta equipa veio para a estrada, já sabia que a intenção era ir crescendo para um nível semelhante ao que está agora. Este ano voltaram a contratar ciclistas experientes, mas também jovens talentos, como é o caso dos gémeos Ivo e Rui Oliveira. Este sempre foi um projeto de futuro, mas que ainda vai crescer mais. Já temos uma equipa de topo, agora é esperar que corra bem, porque sem vitórias tudo é complicado.
Como recebeu a notícia da contratação dos irmãos Oliveira?
São dois excelentes corredores, dois grandes talentos portugueses que já deram garantias de qualidade. Têm um futuro risonho e também por isso assinaram por três anos. E, claro, é sempre agradável ter mais portugueses na equipa. Já somos cinco, contando com o Bruno Lima [massagista] e o Hilário Coelho [mecânico].
O ano de 2018 não será de grandes memórias em termos desportivos?
Não foi o ano mais simpático na minha carreira. Tive vários problemas de saúde, nomeadamente uma lesão no joelho que acabou por me afetar metade da temporada. Foi complicado ficar de fora da Volta à Suíça ou do Tour, corridas em que esperava estar bem. No Campeonato do Mundo tentei chegar bem, mas, apesar de acabar no grupo da frente, não foi possível fazer melhor.
Afetou-o psicologicamente não ter feito nenhuma das três grandes provas mundiais, o que já não acontecia desde 2009?
É sempre complicado, porque ainda o ano passado tinha estado no Giro e na Vuelta. Mas quando surgem estas lesões, não há muito a fazer. Temos de lutar para recuperar o mais rápido possível. Somos atletas talhados para um grande espírito de sacrifício e tentamos ultrapassar essas contrariedades com a experiência.
Sente que a sua forma física vai voltar a subir para níveis de um passado recente?
Sinto que sim, até porque com o passar dos anos a experiência e resistência são maiores. Acredito que ainda tenho muito para dar ao ciclismo e, sobretudo, motivação para isso.
Os portugueses esperam sempre que possa vencer o Giro, o Tour ou a Vuelta. Isso é possível?
Já trabalhei para isso, mas as coisas não saíram como esperava. São provas que se adequam atletas com outras características. Estou a voltar ao meu estilo de corredor de provas mais curtas, de um dia ou de uma semana.
Isso quer dizer que não vamos ver o Rui Costa a lutar por vitórias nessas grandes provas?
Vou continuar a querer participar nessas grandes voltas, mas para ajudar um colega na luta pela geral, embora espreitando sempre a minha oportunidade de vencer etapas.
Quando esteve na Movistar, conseguiu os melhores resultados da carreira. Estava relacionado com a equipa?
2013 foi o meu ano de ouro, com a vitória na Volta à Suíça, as vitórias em etapas no Tour e a conquista do Mundial de Estrada. Mas 2014, já na Lampre/Merida, também foi um ano excelente, pois acabei em quarto lugar no ranking mundial. Não posso dizer que desde que deixei a Movistar as coisas nunca mais correram bem.
Curiosamente, nunca correu na Volta Portugal. É um sonho ainda para realizar?
Tenho muito carinho pela Volta a Portugal, mas a minha ambição sempre passou pelas grandes corridas no estrangeiro. Desde miúdo que via a Volta a França na televisão e sonhava um dia poder participar. As minhas ambições, por enquanto, continuam a passar pelas provas internacionais.
Muitos ciclistas portugueses que corriam no estrangeiro estão agora a regressar. Sente que isso vai fortalecer a modalidade em Portugal?
Sem dúvida. A experiência de corredores como Tiago Machado ou Sérgio Paulinho, que correram com os melhores, vai ajudar a passar essa vivência aos colegas em Portugal.
Tiago Machado pode fazer a diferença no pelotão nacional?
Creio que haverá corridas em que será difícil batê-lo. É um corredor com muito espírito de sofrimento, garra, preparado para todos os tipos de terreno. Vai dar luta e se lhe derem alguns metros só o vão ver no risco de meta.
Acha que o regresso de clubes como o F. C. Porto e o Sporting à modalidade veio dar uma nova dinâmica?
Creio que sim, sobretudo porque ajudou a trazer os adeptos do futebol também para a estrada para apoiar as equipas de ciclismo. Ter mais gente a apoiar, com maior rivalidade, ajuda o ciclismo a desenvolver-se. Agora, só falta o Benfica juntar-se ao pelotão.
Sentiu isso quando representou o Benfica, no último ano em Portugal?
Apesar de não ter feito muitas provas pelo Benfica, nas que fiz senti esse movimento de apoio, não só em Portugal, como no estrangeiro, sobretudo nos países onde temos comunidades portuguesas.
Ainda há uma grande diferença entre as equipas portuguesas e as formações do World Tour?
Muito grande, sobretudo a nível financeiro. Uma equipa do World Tour pode ter um orçamento 15 vezes superior a uma equipa portuguesa. Em termos de salários nem se fala.
Um ciclista no World Tour recebe tanto como um futebolista num grande clube português?
Se o esforço que faz um ciclista fosse tão bem pago como um futebolista, seria interessante, mas a diferença ainda é muito grande.
Ainda assim, o Rui consegue ter o seu futuro acautelado para quando deixar o ciclismo?
Sim, porque os salários no estrangeiro são melhores. Mas o esforço e os dias passados longe de casa também são maiores, e isso tem de ser recompensado.
Rui Costa ou Tiago Machado, qual é maior figura do ciclismo português da atualidade?
Não penso nisso. Foco-me apenas no meu trabalho sem pensar que tenho de ganhar alguma coisa para ser o melhor da atualidade. Espero, sobretudo, ser uma referência para os mais jovens, dando-lhes um exemplo de como seguir os seus sonhos nesta modalidade.
Continua a sentir motivação sempre que pega na bicicleta?
Como qualquer pessoa, em qualquer emprego, há dias em que não estamos tão bem, mas temos de nos motivar e dar o máximo. Mas continuo a ser muito feliz no ciclismo. Se um dia tiver de parar, acho que não saberei bem o que fazer.