T. E. Lawrence conseguiu unir a nação árabe e conduzi-la à vitória contra o Exército turco na Primeira Guerra Mundial. Nova biografia, por Adrian Greaves, chega amanhã às livrarias
Corpo do artigo
Chegou a Wejh o grande líder nortenho dos Howeitat, Auda. Esta poderosa figura árabe estava impaciente para que a revolta se estendesse aos seus territórios. Lawrence aproveitou para avaliar a disponibilidade de Auda para apoiar a sua aventura em Aqaba. Explicou-lhe que o exército de Faiçal poderia ser aprovisionado mais facilmente em Aqaba, pela Marinha Real. Aqaba ficava mais perto do Cairo e servia melhor os Árabes ao seu avanço final em apoio dos Aliados e depois para Damasco. Lawrence revelou o plano: eles deslocar-se-iam para norte, onde, sem os Turcos desconfiarem de nada, Auda formaria um contingente de Howeitat para avançar sobre Aqaba.
Viajando ligeiros e céleres através da vastidão desértica a norte e na retaguarda de Aqaba, seguindo pela inóspita rota a leste de Maan e Damasco, poderiam, com as tropas frescas de Auda, cair de surpresa sobre os Turcos de Aqaba e apoderar-se do porto, cujas defesas estavam orientadas para o mar. Protegido pelo interior íngreme e montanhoso, não tinha defesas adicionais. O único desfiladeiro, uma passagem estreita de Aqaba ao Wadi Itm, era fácil de defender, e havia só duas pequenas guarnições turcas, em Aba el Lissan e Guweira, entre Aqaba e Maan, a principal base turca. Nenhum posto tinha mais de 200 soldados. Lawrence previa que, confrontados com uma força árabe considerável e surgida do deserto, os Turcos destas duas posições se renderiam ou fugiriam para Aqaba; se dessem luta, paciência. Não havia hipótese de os Turcos esperarem um ataque do deserto porque estava inexplorado e era raro lá passar alguém - não havia poços em centenas de quilómetros. Os Turcos sentiam-se seguros com as costas protegidas pelo deserto.
Auda sabia que o êxito lhe permitiria alargar a revolta ao seu território. O seu povo sublevar-se-ia contra os Turcos que há tanto tempo o oprimiam. O grupo seria liderado pelo xarife Nasir, que conhecia bem a área, com uma escolta de 20 guerreiros da tribo Ageyl. Iriam também dois líderes árabes de Damasco, Zeki e Nesib. Estava previsto que Lawrence e companheiros se reunissem a Maulud, conselheiro de Faiçal, e ao xarife Sharraf, primo de Faiçal. A 9 de Maio de 1917, partiram de Wejh.
Os dias passavam lentamente e a solidão do deserto abrasador e das noites gélidas apenas se alterava na textura da areia soprada pelo vento ou no cascalho que percorriam. Atravessaram a Linha dos Peregrinos perto da aldeia de Dizad. Os Turcos patrulhavam a via-férrea com tropas em camelos e vagonetas protegidas por metralhadoras, mas não viram sinais de actividade turca, pelo que Lawrence colocou cargas explosivas na linha. Auda ficou desiludido ao ver o tamanho delas, mas nunca tivera a experiência da dinamite. Lawrence activou os detonadores e o grupo retirou para trás das dunas; Auda ficou ousadamente de pé, sem protecção. A explosão foi sonora e lançou bem alto muita areia e secções de carris e de chulipas. Auda, abalado, impressionado com a explosão, passou a dissertar liricamente sobre a dinamite. Receosos de que as explosões alertassem os Turcos, cortaram o telégrafo. Ouviram os Turcos a aproximar-se. Sem saberem o que tinha acontecido nem a causa das explosões, disparavam a torto e a direito para as colinas. O grupo de Lawrence escapuliu-se e desapareceu.
A 30 de Maio, guerreiros da tribo Abu Tayi juntaram-se ao grupo. A caravana pôs-se em marcha, num espectáculo notável. Acompanhada pelos servos e mulheres, cada família estava inserida no respectivo grupo tribal. Chegaram a Nebk, povoação dos Ruwalla, idealmente situada para abastecer a grande caravana e com poços e pastagens adequadas a camelos e mulas. Era ideal como ponto de reunião dos guerreiros que aderissem à marcha sobre Aqaba, a menos de 300 quilómetros. Mas a dissensão ameaçou quebrar a trégua entre as tribos árabes.
As tribos sírias, açuladas por Nesib al Bakri e Nasir, exigiram marchar directamente sobre Damasco, até porque as tribos mais nortenhas, os Drusos e os Shaalans, estavam prontas a atacar a cidade. Com o seu objectivo praticamente à vista, as tribos do Norte não viam necessidade de conquistar Aqaba só para auxiliar os Britânicos. Só que o líder árabe, Faiçal, ainda se encontrava em Wejh. Mesmo que o Exército árabe conseguisse marchar sobre Damasco, os Britânicos não conseguiriam aprovisioná-lo e não havia meios de manter as comunicações. Porém, qualquer raciocínio lógico era inconsequente para os rebeldes, pelo que Lawrence teve de congeminar plano alternativo. Sugeriu que Nesib partisse para Damasco, mas com escolta reduzida - um único árabe não prejudicaria a operação de Aqaba. Além disso, Nesib poderia levar os Turcos a tomá-lo a sério e a enviar tropas numa busca infrutífera das suas forças inexistentes. Caso fosse capturado, a história que contaria sobre Aqaba seria tão implausível que ninguém acreditaria. Os Turcos estavam convencidos de que nem sequer o famigerado Lawrence chegaria tão a norte para depois descer para Aqaba - e nessa altura já seria tarde.
O contingente árabe incumbido de conquistar Aqaba estava pronto para partir. Consistia em mais de 500 guerreiros, com Auda como líder efectivo. Partiram a 17 de Junho e regressaram ao deserto. Para convencer os Turcos de que o alvo era Damasco, Lawrence acompanhou um grupo para norte com o propósito de destruir a via-férrea em Minifer, perto de Derra. Lawrence subornou os camponeses locais para informarem os Turcos de que os sabotadores eram oriundos de Azrak, no Norte. O embuste foi um sucesso. Os Turcos mantiveram a atenção no deserto a leste de Damasco. Dando mostras de pânico, destruíram poços nas principais rotas das caravanas, enviaram às cegas patrulhas e reforçaram os postos de guarda ao longo do caminho-de-ferro, tudo na esperança de dissuadirem os Árabes.
A força de incursão de Lawrence seguiu o caminho-de-ferro para sul e deu com um posto turco que guardava uma estação de reabastecimento e um armazém ferroviário. Ao verem ovelhas amarradas a um poste, os Árabes, famintos, não precisaram de persuasão para atacar. Zaal apontou ao Turco mais próximo, um oficial refastelado numa cadeira. Ouviu-se um disparo e os soldados turcos, incrédulos, viram-no deslizar, atingido no coração. Foi o sinal para os homens de Lawrence carregarem sobre o posto. Os Turcos fugiram para o edifício de pedra e barricaram a porta, e os Árabes, sem interferência dos Turcos apavorados, apoderaram-se do rebanho. O edifício foi regado com parafina e incendiado. Nessa noite, regalaram-se com um festim de borrego assado. Em Bair, juntaram-se à força principal que continuava a avançar para sul, em direcção a Aqaba.
A título de precaução, os Turcos tentaram destruir os poços de Jefer, o último local de aguada de Lawrence antes do ataque à guarnição de Aba el Lissan. Os Árabes enviaram um grupo à frente para auxiliar os guerreiros locais a apoderarem-se do fortim turco que guardava o desfiladeiro, mas os Turcos tinham sido avisados e repeliram os atacantes antes da chegada das forças de Lawrence. Tomando o ataque por uma operação localizada, os Turcos, para se vingarem, lançaram-se contra a povoação árabe local. Mataram os habitantes - velhos, mulheres e crianças - e deixaram os corpos mutilados ao longo da pista. Quando a vanguarda árabe chegou à povoação, deu com o destacamento turco em retirada para o fortim. Os Árabes perseguiram os soldados, os quais tentavam em vão fugir. Golpearam-nos e esfaquearam-nos e, em minutos, estava tudo acabado.
Inflamada a sede de sangue, avançaram sobre o fortim e caíram de surpresa sobre os defensores. Todos os turcos foram chacinados e o fortim destruído. Depois, regressaram para informar Lawrence de que a via estava livre. Porém, não era assim. Deram com uma grande força turca, a qual, por infelicidade dos Árabes, ia a caminho de Maan quando soube do ataque a Aba el Lissan. Os Turcos avançaram em apoio dos camaradas que guardavam o desfiladeiro e, ao encontrarem-nos todos mortos, perseguiram os atacantes. Os Turcos depararam-se com uma visão horrível: soldados jazendo em redor do fortim incendiado, mortos com armas brancas, a maioria sem uniformes e armas. Com o anoitecer, concentraram-se em torno do fortim para passar a noite e aguardar ordens de Maan.
Os Turcos não sabiam da aproximação das forças de Lawrence e bloqueavam o único acesso a Aqaba. Com as provisões a escassear e sem possibilidade de se reabastecer, Lawrence viu-se confrontado com um inesperado contingente turco equipado com metralhadoras, artilharia e cavalaria. Só havia uma opção: atacar de surpresa ao alvorecer; caso contrário, a missão estava condenada ao fracasso ou, pior ainda, ficariam encurralados no deserto, à mercê dos Turcos. Quando o Sol nasceu, já os Árabes tinham subido aos montes que dominavam o desfiladeiro de Aba el Lissan. Como os Turcos não tinham colocado sentinelas, Lawrence destruiu a linha de telefone para Maan.
Apesar de em inferioridade numérica, os Árabes cercaram os soldados adormecidos. Aos primeiros raios de sol, abriram fogo e sobreveio a confusão. Com os sons dos disparos a reverberarem nas colinas, os Turcos não conseguiam identificar as posições dos atacantes nem determinar a sua força. Dispararam às cegas até começarem a ficar sem munições. Passada uma hora, os árabes tinham dizimado a força turca e o pânico instalou-se.
Os soldados tentavam escapar numa direcção mas eram alvejados pela retaguarda; quando optavam por direcção diferente, eram brindados com idêntico tratamento. A meio da manhã, os sobreviventes esconderam-se entre as rochas que pejavam o desfiladeiro, enquanto os Árabes continuavam a atirar sobre tudo o que se mexia. O dia foi avançando e o calor começou a fazer vítimas entre Árabes e Turcos. Cada tentativa dos Turcos para obterem água do poço era saudada com tiros precisos e a crescente pilha de corpos em redor dos baldes de água era poderoso dissuasor para os sobreviventes, que começavam a perder as forças por causa da sede.
Lawrence compreendeu que tinha de agir. Procurou Auda e o velho chefe árabe correu para o camelo e desceu a encosta até um barranco escondido onde concentrara os seus 300 melhores guerreiros. A um sinal seu, carregaram encosta abaixo sobre os Turcos, que estavam exaustos. Já os Árabes estavam a massacrá-los pela destruição da aldeia no dia anterior e, em menos de 5 minutos, jaziam em redor do poço mais de 400 mortos. Exaustos pelo esforço, os atacantes acederam ao apelo de Lawrence para porem fim à chacina e cerca de 100 turcos foram feitos prisioneiros. Admitiram que a guarnição de Maan ficara reduzida a menos de um regimento.
Estas notícias excitaram os Howeitat, que quiseram avançar de imediato sobre Maan. A possibilidade de se apoderarem de uma cidade importante e de a pilharem era quase irresistível para os homens de Auda, que sabiam que a única coisa que existia em Aqaba era um porto em ruínas. Para os Árabes, a vantagem táctica de Aqaba era insignificante comparada com a pilhagem de Maan. Mas Lawrence e Auda resolveram a questão com promessas de ouro em Aqaba. Os Árabes contentaram-se com despojar os Turcos mortos e feridos.
Com 140 novos prisioneiros, seguiram caminho e ao anoitecer estavam a menos de 5 quilómetros de Aqaba. Do alto do desfiladeiro, olharam para o pequeno porto, onde não parecia haver muita actividade turca. A guarnição era comparável ao contingente árabe, mas os Turcos julgaram-se em inferioridade. Aceitaram render-se e Lawrence realizou o impossível: Aqaba fora conquistada.