<p>A resposta à pergunta não está desligada do caminho por onde estão a ser seguir os estados descapitalizados da Europa.</p>
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A definição do Estado social ou providência como uma forma organizativa de sociedade que dá uma resposta colectiva às necessidades de cada uma das pessoas não provoca grandes polémicas.
Economistas e sociólogos convergem na caracterização, com mais ou menos ênfase nalguns domínios, do Estado social, ainda herdeiro do 'Welfare State' inglês do pós-Segunda Guerra Mundial..
A matriz do conceito europeu, - que só agora começa a aportar à costa norte--americana, com a Administração Obama a olhar para os que nada têm como uma obrigação do Estado e não apenas como benesse da mão caritativa estendida pelas organizações bem intencionadas da sociedade civil - está directamente relacionada com um aparelho de Estado bem organizado e uma economia saudável. E nenhuma destas premissas é válida nos tempos que correm. E já nem mesmo nos países da Europa do Norte, sempre encarados pelos meridionais como exemplares. Unânime é, também, a ideia seguidora da célebre frase de que Lampedusa pôs na boca do príncipe de Salina, no romance O Leopardo: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude". Mudanças, todos concordam, são (já estão a ser há duas décadas, pelo menos) o seguro de vida do modelo. Mas que mudanças? Aí, começam as divergências.
Em Portugal, o tema é tratado com base em clichés próprios da espuma dos dias de pré-campanha eleitoral - quem está no Poder vai cortando nos benefícios sociais e critica os que na Oposição, à Direita, defendem maior participação dos privados na prestação de serviços, e, à Esquerda, os que querem mais intervenção pública. Todos argumentam em nome da defesa do tal Estado social ou providência e da sua sobrevivência
O Estado social "é o alicerce n.º 1 da cultura europeia". A frase é dita ao JN por Bagão Félix. Quis assim declarar a sua profissão de fé de apoiante do Estado social, o economista seguidor da doutrina social da Igreja católica, que foi secretário de Estado da Segurança Social e depois ministro do Trabalho e das Finanças dos governos de coligação PSD/CDS.
A adesão aos princípios dos que assumem como sua a responsabilidade de contribuir para que seja dada uma resposta colectiva às necessidades das pessoas é uma prática que poucos admitem não acolher ou respeitar.
Há também uma opinião generalizada de que os modelos europeus dos estados mais socialmente empenhados são os países mais a Norte. Em termos genéricos, os nórdicos, como a Suécia ou a Finlândia, ainda estão no topo da lista dos que mais gastam com o "bem-estar", a par da Holanda. Mas o Reino Unido não perdeu, apesar do "tatcharismo" dos anos 80, a fama (e o proveito) de dispor do melhor sistema nacional de saúde.
Novas fontes de receita
Em Portugal, com a redução das prestações sociais, o modelo está a ser enfraquecido. Mantém-se ainda, no entanto, o paradigma constitucional da universabilidade e gratuitidade dos bens sociais. A convergência de opiniões termina aqui, neste plano da apreciação global dos benefícios do empenho social dos estados. E começam as divergências sobre o presente e, particularmente, quanto ao futuro.
Até onde deve ir o Estado na partilha das responsabilidades com os privados? E continua a ser possível/desejável a gratuitidade universal dos sistemas de Saúde e Educação, por exemplo? Nas pensões sociais, os cortes são inevitáveis? Como podem os estados, empobrecidos, obter receita para continuar a financiar os apoios sociais? As perguntas têm respostas muito díspares, que espelham linhas de pensamento bem demarcadas.
Ao dizer que "acabou a utopia de tudo para todos", Bagão Félix define-se e escolhe o crescimento económico como garante para se manter o Estado social, o qual, na sua opinião, "já é, e deve ser, mais provisionador de direitos e regular do que produtor de serviços sociais". E acrescenta: "Tem de haver uma reforma sistémica. Em primeiro lugar, é preciso crescimento económico para que o Estado possa ter mais dinheiro para distribuir".
O economista lembra que nas últimas duas décadas, na Europa, o Estado tem vindo a contratualizar serviços com as instituições da sociedade para responder às necessidade sociais da população. Um exemplo está na área da Saúde. "E deve continuar a aprofundar essa vertente".
É no mesmo sentido que vai a opinião do sociólogo Juan Mozzicafredo, argentino de origem, mas que tem feito carreira académica em Portugal, no ISCTE, para quem universalidade da gratiutidade dos serviços de Saúde e do Ensino é "injusta e não equitativa". Defende a aplicação do conceito de que ao Estado cabe o papel de "garantir a igualdade de oportunidades, mas não o de distribuir os escassos recursos por todos, igualmente".
"Os direitos não são eternos nem absolutos. E há direitos de cidadania que são caríssimos, como a Saúde e a Segurança Social. Por isso, é justo que as pessoas recebam os salários indirectos (comparticipações em despesas sociais) segundo as suas condições económicas". No Ensino, disse ao JN concordar com o modelo inglês, no qual tudo é gratuito, mas que há uma retribuição para o Estado, quando a pessoa entra no mercado de trabalho. Mas a chave para o futuro está, segundo o sociólogo, na criação de mais riqueza, num Estado forte, no sentido regulador e fiscalizador da aplicação de recursos, e com estabilidade política.
Novas fontes de receita para o Estado
Outro sociólogo, outra experiência de vida, outra visão da sociedade. Boaventura Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, considera "uma falsa questão" a falta de recursos do Estado para garantir "a diminuição das disparidades sociais causadas pela sociedade capitalista".
"É uma questão de prioridades e de diversificação das receitas". Significa esta ideia que o sociólogo, que nos anos 90 estudou o Estado social português e o classificou apenas como "Estado quase de providência", defende uma forte tributação do sistema financeiro, não deixando de lado os paraísos fiscais para onde "voam" milhões de euros. "E é criminoso para o Estado social que, a par dessa subordinação ao sistema financeiro, que se gaste tantos milhões com a compra de dois submarinos, por exemplo".
Ao traçar este quadro, Boaventura Sousa Santos não podia ter uma visão optimista do futuro. "Estamos a um passo de não podermos considerar o que existe como Estado social, e, por isso, espero bem que mudem as prioridades, porque o fim do Estado social europeu, como quer a actual chancelar alemã, Angel Merckel, seria o colapso da União Europeia". Como Boaventura Sousa Santos, que recupera o exemplo chileno para lembrar que, ao abrir-se a porta à privatização do sistema de Saúde, se vai pagar, a médio prazo, muito caro com a exclusão social, a economista Manuela Silva condena a subordinação do Estado aos interesses privados. Em particular na Saúde.
Com uma vida ligada às políticas sociais e às questões relacionadas com a pobreza, tendo presidido da Comissão Nacional Justiça e Paz, a economista considera que "há uma grande ameaça sobre o Estado social, que é incentivada pelos privados. "Inculca-se na Opinião Pública a ideia de que os serviços privados de Saúde são mais eficientes, em simultâneo desinveste-se no no sector público e caminhamos para o sistema, que a Administração Obama está finalmente a começar a extinguir, que rejeita os cuidados de Saúde básicos aos cidadãos com menos recursos".
Nesta linha de pensamento, Manuela Silva considera também a escassez de recursos dos estados "uma falsa questão". "O Estado não pode ser alimentado exclusivamente pela taxação dos rendimentos de trabalho e não é aceitável que haja fortunas acumuladas através de transações bolsistas que não são tocadas pelo fisco". Tudo - o presente e o futuro do Estado social - é uma opção política.
A definição do Estado social ou providência como uma forma organizativa de sociedade que dá uma resposta colectiva às necessidades de cada uma das pessoas não provoca grandes polémicas. Economistas e sociólogos convergem na caracterização, com mais ou menos ênfase nalguns domínios, do Estado social, ainda herdeiro do 'Welfare State' inglês do pós-Segunda Guerra Mundial. A matriz do conceito europeu, - que só agora começa a aportar à costa norte--americana, com a Administração Obama a olhar para os que nada têm como uma obrigação do Estado e não apenas como benesse da mão caritativa estendida pelas organizações bem intencionadas da sociedade civil - está directamente relacionada com um aparelho de Estado bem organizado e uma economia saudável. E nenhuma destas premissas é válida nos tempos que correm. E já nem mesmo nos países da Europa do Norte, sempre encarados pelos meridionais como exemplares. Unânime é, também, a ideia seguidora da célebre frase de que Lampedusa pôs na boca do príncipe de Salina, no romance O Leopardo: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude". Mudanças, todos concordam, são (já estão a ser há duas décadas, pelo menos) o seguro de vida do modelo. Mas que mudanças? Aí, começam as divergências. Em Portugal, o tema é tratado com base em clichés próprios da espuma dos dias de pré-campanha eleitoral - quem está no Poder vai cortando nos benefícios sociais e critica os que na Oposição, à Direita, defendem maior participação dos privados na prestação de serviços, e, à Esquerda, os que querem mais intervenção pública. Todos argumentam em nome da defesa do tal Estado social ou providência e da sua sobrevivência.