Para cima. A acreditar nas previsões internacionais, em Portugal o desemprego não fará outra coisa que não subir ou, na melhor hipótese, manter-se-á tão alto quanto agora.
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O mesmo acontece noutros países, como Espanha, cuja lei do trabalho está a ser revista. Por cá, o PSD propôs mudanças provisórias na legislação, para tornar as contratações (mas não os despedimentos) mais flexíveis. Mas será que, no pico da crise, se justifica mudar as regras, para que as empresas despeçam menos e contratem mais? Será, antes disso, que a lei tem qualquer influência na decisão dos gestores? E será que as regras hoje em vigor em Portugal são, de facto, demasiado rígidas?
Opiniões à parte, certo é que a legislação tem vindo a tornar-se mais moldável. Em 2004, o ministro do Trabalho democra-cristão Bagão Félix fez aprovar um novo Código do Trabalho. O texto já previa a sua própria revisão, após alguns anos de aplicação, e o socialista Vieira da Silva, titular da pasta no anterior Governo de Sócrates, não perdeu a oportunidade. Em 2009, entrou em vigor um novo Código Laboral, que não mexe no despedimento individual, mas flexibiliza sobretudo a organização dos horários de trabalho dentro de uma empresa.
Foi um passo na direcção da flexisegurança, política muito debatida na altura mas que, entretanto, desapareceu do cenário mediático. Ou, melhor dizendo, foi um passo em direcção à "flexi". É que, além do esforço em formação profissional que tem vindo a ser feito, pouco ou nada mudou no que toca à "segurança".
Com este enquadramento, Portugal deveria remexer nas leis do trabalho? Os quatro académicos questionados pelo JN parecem concordar: a legislação laboral não é o factor determinante no que toca à criação, ou destruição, de emprego.
Quem cria emprego são as empresas e as empresas contratam quando têm trabalho que o justifique. Ou não? Será que a lei do trabalho é determinante para a decisão de um empresário, confrontado com a hipótese de admitir alguém? Ou seja, mudar - ainda que temporariamente - as regras de forma a diminuir o grau de rigidez da lei laboral ajudará o país a ultrapassar o seu severo problema de desemprego? A questão foi levantada há pouco pelo PSD, que quer aliviar a forma como as empresas contratam pessoas, até 2015, para aumentar o emprego, diz; e, nesta semana que passou, esteve ao rubro em Espanha a reforma das suas leis do trabalho.
"Em determinada medida", a lei pode explicar "a pouca dinâmica" na criação de emprego, pensa Aurora Teixeira, docente na Faculdade de Economia do Porto. Mas só em certa medida, já que a "enorme destruição e pouca criação de emprego" recentes devem-se à "(pouca) procura interna e externa" que, a par da "baixa competitividade", levou ao "enorme aumento das falências". Ou seja, as empresas não vendem e, sem negócio, não há trabalho. É a economia, ou a crise.
Pedro Romano Martinez, presidente do Instituto de Direito do Trabalho da Universidade de Lisboa, segue uma direcção semelhante: dizer que se contrata pouco por causa da rigidez legal só é verdade no caso da "cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador", leia-se do despedimento sem justa causa. Trata-se aqui de contratar para 'os quadros' porque, acrescenta, há um "abuso" dos contratos a prazo e até de relações de trabalho puramente ilegais, como os falsos recibos verdes.
Nem todos seguem o raciocínio. Monteiro Fernandes, professor no ISCTE, é peremptório. "É proibido dizer que não [à pergunta se há menos emprego e mais desemprego devido à rigidez]. Trata-se de um artigo de fé, não há nada a fazer", apesar de ser "uma das mais escandalosas mistificações" dos últimos anos.
Contratar e despedir são os dois extremos de uma relação de trabalho. Pelo meio, há aspectos como as funções das pessoas e os horários de trabalho. Num balanço da negociação colectiva desde a entrada em vigor do Código de Trabalho, uma equipa liderada por António Dornelas concluiu que já foram assinadas sete convenções colectivas prevendo um banco de horas ou um horário concentrado.
O despedimento individual é, assim, o "verdadeiro alvo do tiroteio sobre a 'rigidez', entende Monteiro Fernandes. "Na prática, a flexibilidade do mercado de trabalho não é assim tão reduzida como se faz crer", acrescenta Paulino Teixeira, da Faculdade de Economia de Coimbra.
Em todo o caso, em matéria de despedimento colectivo, "o regime português não se pode considerar pouco flexível", entende Romano Martinez. "Temos o mais liberal dos regimes de despedimento colectivo", concorda Monteiro Fernandes, mais liberal até do que o da Dinamarca, país com um 'crónico' baixo desemprego, precisa Paulino Teixeira.
Estudar contra desemprego prolongado
"Oque cria emprego não é a lei nem o Governo, é a dinâmica da economia", diz Monteiro Fernandes. Sem dinâmica, como agora, avoluma-se o desemprego, em particular na sua variante mais grave, aquela em que as pessoas não trabalham há tanto tempo que dificilmente saberão fazer o que os empregadores precisam que seja feito. No país, existem 160 mil desempregados há mais de dois anos, a quem o subsídio de emprego está em vias de acabar, se é que o tiveram de todo. Será responsabilidade da lei? Todos concordam: não.
É sobretudo por causa da já famosa 'baixa qualificação'. Quem nem sequer acabou o nono ano da escola terá agilidade mental para trabalhar no Mundo do século XXI? E terá aprendido alguma arte ou profissão técnica alternativas à linha de montagem de uma das muitas fábricas que ainda não faliram, sobretudo a norte?
"As carências graves de instrução e qualificação", nas palavras de Monteiro Fernandes, são as grandes responsáveis pela permanência no desemprego durante muito tempo, e "isso não tem nada que ver com lei alguma". Somam-se o facto de quem contrata achar que, aos 35 anos, se é demasiado velho e, acrescenta Romano Martinez, a crise, que rouba clientes às empresas. O resultado é o desemprego prolongado.
Será possível concorrer?
Seja o desemprego de longa ou de curta duração, ter um décimo da população activa arredada do trabalho é sempre grave. Se é certo que o país é em boa parte responsável pelo desemprego actual, também é verdade que a crise internacional veio piorar o estado das coisas. A globalização do Mundo deixou Portugal a concorrer directamente com países como a China, onde são normais jornadas de trabalho de 12 horas a troco de cem euros por mês. Será possível concorrer nestas circunstâncias? E será que a globalização vai tornar inevitável uma maior flexibilidade da lei laboral? Para Aurora Teixeira, ainda que não houvesse globalização, a economia portuguesa necessitaria de ser mais competitiva, aumentando a "mobilidade inter-ocupacional/funcional/regional dos trabalhadores". A docente entende, inclusive, que só devem manter o emprego as pessoas com nota positiva em avaliações, por exemplo, a cada três anos.
Mas sendo a globalização inevitável, Portugal tem de competir com outros países não só pelos clientes como pelo investimento externo. Qual é a importância dada pelas multinacionais a afirmações de entidades como a OCDE que repetidamente classifica o mercado português como rígido? E a crise é mais um factor de pressão?
Tanto Monteiro Fernandes quanto Paulino Teixeira dizem que, em matéria laboral, os investidores preocupam-se com o regime dos despedimentos colectivos e a influência das organizações de trabalhadores na gestão das empresas. Mas Pedro Romano Martinez admite que a crise "facilita uma reponderação do regime dos despedimentos" sem justa causa, proibidos pela Constituição. O professor reconhece "uma certa tendência" para "se irem copiando modelos de outros países, especialmente europeus".
Não se referia, mas poderia fazê-lo, à flexigurança. A discussão sobre a política nórdica desapareceu do espaço mediático. O que lhe aconteceu? Tornou-se uma "quimera", diz Aurora Teixeira, quer porque o Estado não tem dinheiro para o fazer, quer porque a negociação colectiva é demasiado frágil, em Portugal. Já Romano Martinez entende que a nova lei "não flexibilizou nem a contratação nem o despedimento" de trabalhadores, pelo que "não pode dizer-se que tenha havido flexibilização do mercado de trabalho". "Os trabalhadores estão hoje tão seguros como estavam na legislação anterior".
As medidas já tomadas, refere Paulino Teixeira, foram anuladas: acabou tanto o "alargamento do prazo máximo de duração" dos contratos a prazo como a "cobertura mais alargada e generosa" do subsídio de desemprego. Em todo o caso, a política só é coerente se a menor segurança no emprego for acompanhada por mais protecção no desemprego. "Se falha um dos elementos, o conjunto perde coerência e não funciona", diz.