Ajudas proporcionadas pelo Estado durante pandemia levaram insolvências para o nível mais baixo da década. Guerra e inflação são novas ameaças.
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O número de processos de insolvência diminuiu 9% no último trimestre do ano passado, atingindo o valor mais baixo da década. Os apoios proporcionados pelo Estado no âmbito da pandemia de covid-19, nomeadamente as moratórias bancárias, não só travaram o número de empresas e famílias que faliram, como também baixaram de forma significativa a quantidade de casos.
As estatísticas mais recentes do Ministério da Justiça, relativas ao último trimestre do ano passado, revelam que, mesmo com o fim das moratórias públicas e privadas que, no primeiro ano da pandemia, impediram falências de famílias e empresas, as dificuldades financeiras geradas pela alta de preços decorrente da guerra na Ucrânia ainda não chegaram aos tribunais. Com um total de 2476 processos entrados de falência, insolvência ou recuperação de empresas, que representam menos 9% que no período homólogo do ano anterior, 2021 terminou com 1991 insolvências decretadas (-5,4% face a 2020), o mais baixo desde 2010 (1744).
Os empréstimos a particulares, para consumo ou habitação, estavam a subir 4,5% em abril deste ano face ao homólogo de 2021, de acordo com o Banco de Portugal. Os níveis de incumprimento dos particulares mantêm-se em mínimos históricos, de 7,2%, embora já tenha havido um aumento de 0,1 pontos face a março deste ano.
nuvens negras no horizonte
O aumento da inflação e as perspetivas de subida das taxas de juro levam, todavia, a antecipar problemas para as famílias no futuro próximo, prevê Natália Nunes.
"É normal que as insolvências das famílias não tenham aumentado ainda porque, durante quase dois anos, as moratórias permitiram amealhar alguma poupança que está a amortecer o atual aumento do custo de vida devido à inflação", analisou a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco. "Antecipamos problemas para os trabalhadores com salários mais baixos e os reformados que, com taxas de esforço já elevadas, podem não aguentar o aumento das prestações da casa. Mas as famílias tendem a demorar a chegar à insolvência, que é um último recurso", acrescentou.
Zita Medeiros, especialista em direito civil, bancário e financeiro e contencioso, antecipa que "antes das insolvências dos particulares, virão as das empresas".
"Até ao final deste ano, início de 2023, não vamos ter reflexos reais das dificuldades económicas na economia e estamos longe do que foi a crise de 2008", justificou a advogada na sociedade Nuno Cerejeira Namora, Marinho Falcão, que tem notado "um renascer de planos de insolvência de empresas grandes, o que não acontecia há alguns anos".
Dados
7,2%
Créditos vencidos
Em abril deste ano, os níveis de incumprimento dos particulares mantinham-se em mínimos históricos, de acordo com as estatísticas do Banco de Portugal. Em abril de 2020, este valor era de 10%, tendo descido para 8,6% em 2021.
0,4%
Incumprimento registado nos créditos à habitação de particulares em abril deste ano é metade do verificado em março de 2020, no início da pandemia. Mais de 48,1 mil milhões de euros estiveram protegidos por moratórias.