Processos complexos e demorados põem em causa projetos financiados por fundos europeus. Firmas relatam dificuldades em receber as ajudas a que se candidataram e algumas temem fechar por falta de liquidez.
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Há empresas que esperam ano e meio pelo pagamento de apoios do Estado. Love in a Box, de Susana Silva, é uma das firmas nacionais que enfrentam "graves problemas de tesouraria" por falta de resposta da administração central.
Em 2020, aceitou o desafio do Governo para produzir equipamentos de combate à pandemia. Fez os investimentos, mas, volvidos 18 meses, a ajuda estatal ainda não chegou (ler texto na página seguinte). A Associação Empresarial de Portugal (AEP) garante que não é caso único: os atrasos são recorrentes e, se nada for feito, o país arrisca-se a perder uma avalanche de fundos europeus. "Não é incomum haver atrasos de ano e meio no pagamento dos apoios", revelou Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal. As dificuldades estão a pôr em causa a viabilidade de empresas que desesperam pelos fundos aprovados.
Uma em cada cinco empresas que concorreram a fundos europeus do programa Portugal 2020 tiveram experiências más ou muito más com o processo global de submissão de candidaturas, segundo um inquérito efetuado, no início deste ano, pela Associação Nacional de Consultores de Investimento e Inovação. Só 4% receberam reembolsos dentro dos prazos e a maioria (60%) disse que os prazos não são cumpridos frequentemente.
Burocracias a mais
Entre os fundos do Portugal 2020, do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e do próximo programa comunitário Portugal 2030, a Europa disponibiliza mais de 66 451 milhões de euros ao país. Uma autêntica "avalanche" de dinheiro, que equivale a mais de 6,6 milhões de euros por habitante. O presidente da AEP entende que "os programas não deviam funcionar por avisos, para que as empresas pudessem recorrer a eles quando estão preparadas e para evitar acumulação de processos", junto dos organismos que os analisam, aprovam e encerram.
"As agendas mobilizadoras do PRR ainda não estão aprovadas, quase um ano depois. Vamos continuar a repetir os erros e arriscar perder milhares de fundos europeus", alertou, revelando que a associação já pediu ao Governo para "acabar com os avisos e manter os programas em aberto".
A acumulação do Portugal 2020, cuja execução termina até ao final de 2023, o lançamento do Portugal 2030 este mês e os apoios do PRR já a decorrer estão a agravar os problemas de atrasos, que, para as empresas, podem significar momentos difíceis ou mesmo o fim. No PRR, já há avisos com atrasos de sete meses na resposta às entidades empresariais.
"Além do esforço elevado de liquidez que envolve, quando as empresas já estão com falta de dinheiro, ainda implica custos elevados com a burocracia envolvida", notou, ainda, Luís Miguel Ribeiro, que instou o Governo a "não acrescentar procedimentos nacionais, que não são exigidos por Bruxelas".
"O Estado quer fazer milagres, quando tem falta de pessoal qualificado" na Agência para a Competitividade e Inovação (IAPMEI), na Agência Nacional de Inovação (ANI) e na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), considerou Francisco Martins, responsável pela Reward, uma consultora especializada na burocracia dos programas comunitários. A carga de trabalho que se acumula naqueles organismos "é maior quando funciona por avisos que levam à concentração de candidaturas". Questionado pelo JN, o Ministério da Economia não esclareceu as razões dos atrasos nem se vai reforçar os meios.
Números
26,9 mil milhões de euros do Portugal 2020
Foram feitos 70,9% dos pagamentos intermédios previstos (19,197 mil milhões de euros). A taxa de execução global é de 74% e a realização está em 64%. O programa termina a 31 de dezembro de 2023.
16,6 mil milhões de euros do PRR já a atrasar
Um terço dos fundos já está contratado desde o ano passado, mas só foram pagos 4% (698 milhões de euros). Já há avisos atrasados sete meses na resposta às empresas que concorrem.