O Parlamento vai recomendar, esta sexta-feira, ao Governo que apure quantas empresas são "repetentes" dos Processos Especiais de Revitalização (PER), um sistema criado em 2012 para reduzir o número de insolvências.
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A proposta é do Bloco de Esquerda mas o deputado José Soeiro assegura que, esta sexta-feira, terá o apoio de todas as bancadas parlamentares. A unanimidade justifica-se pelo facto de o projeto de resolução apenas pedir que o Governo faça um retrato da situação e proponha soluções
Hoje, sabe-se apenas que cerca de metade dos planos de revitalização são aprovados, adiantou Inácio Peres. O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Judiciais admite que, desses, nem um terço cumpra o plano de pagamentos negociado com os credores, mas ao certo não se sabe. Tal como se desconhece quantas empresas já pediram um segundo ou terceiro plano ou acabaram por seguir para a insolvência.
Por isso, o Bloco quer que o Governo faça um levantamento estatístico da situação e proponha "uma estratégia de recuperação de dívidas" de empresas e famílias "que assegure a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores".
Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, suspeita que o sistema esteja a ser usado abusivamente pelas empresas. Um levantamento feito pela Inter no ano passado mostra que "a esmagadora maioria das empresas" usou o sistema de revitalização para "protelar o encerramento". Por isso, acredita que os PER são "expedientes usados pelos patrões para ganhar tempo, delapidar património e reduzir o valor a pagar aos trabalhadores, em prestações que podem chegar aos 14 anos". Os PER, acusa, estão a ser usados para "legalizar a fraude e a gestão danosa".
PS quis que Estado perdoasse dívida ou juros
Entre os credores que sistematicamente recusam perdoar parte da dívida ou dos juros, muitas vezes inviabilizando a aprovação de planos de recuperação, estão as Finanças e a Segurança Social, baseadas na Lei Geral Tributária, que determina que qualquer crédito das Finanças "é indisponível".
Acontece que, há dois anos, a bancada parlamentar socialista apresentou uma proposta para revogar a norma. No documento, os socialistas diziam que o Estado sofre de uma "ambiguidade quase patológica" porque por um lado criou o PER mas por outro vota contra a revitalização das empresas, impedindo-a. "O mesmo Estado que quer recuperar as empresas é o mesmo Estado que as está a matar", escreveu na altura o Partido Socialista.
Agora que o PS formou Governo, o JN quis saber se mantém a intenção de revogar a norma. Questionou os ministérios da Economia e das Finanças sobre a eventual revogação na norma e alterações às regras dos Processos Especiais de Revitalização, mas não teve resposta.
Perguntas e respostas
O que é um Processos Especiais de Revitalização?
Criado em 2012, é uma tentativa de recuperação de devedores antes da insolvência. Deve ser pedido por quem está endividado ou tenha problemas de tesouraria, mas seja viável, desde que ganhe algum tempo para recompor as contas.
Como funciona?
O devedor tem de conseguir que os donos de metade do valor das dívidas concordem com um plano de pagamento. Uma mudança à lei feita no ano passado permite que desses 50%, outros 50% sejam do dono da empresa ou a pessoas a si ligadas.
Pode repetir-se um PER?
Sim. A lei não impõe limites, pelo que a empresa pode pedir novos planos de revitalização caso não consiga/queira cumprir o anterior. Como o sistema foi criado em 2012 e, por norma, demora meio ano até que o tribunal homologue o plano, admite-se que algumas empresas estejam já no segundo ou terceiro PER.
Quantas empresas e famílias já pediram um PER?
Desde que foi criado, 3682 empresas e 3803 famílias viram aprovado um Processo Especial de Revitalização. No início deste ano, o número baixou ligeiramente. No primeiro semestre, em média, por cada semana, 17 empresas tiveram um processo aprovado.
As famílias ainda podem ter processo especial de revitalização?
Alguns juízes alegam que sim, mas outros asseguram que só se aplica a empresas e empresários. Esta segunda perspetiva ganhou força a partir do início do ano, fruto de uma decisão da Relação de Évora. Espera-se para breve uma decisão da Relação do Porto que virá uniformizar a jurisprudência, ou seja, definirá a regra a seguir por todos os tribunais daí em diante. Também o Tribunal Constitucional deverá pronunciar-se.