A operação realizada em 2021 pela Parpública de compra de ações dos CTT só agora foi conhecida e tem desencadeado uma forte discussão política sobre os objetivos dessa aquisição. Conheça os principais momentos de todo o processo.
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Como surgiu o caso da compra de ações dos CTT pelo Estado em 2021?
O negócio realizado em 2021 veio a público, no dia 2 de janeiro, com uma notícia do Jornal Económico, dando conta que a Parpública adquiriu, por ordem do Ministério das Finanças, uma participação no capital dos CTT. Sem os pormenores agora conhecidos, sobre datas e número de ações compradas, a notícia relacionava esta operação com uma alegada cedência do Governo ao Bloco de Esquerda, numa altura em que se negociava a aprovação do Orçamento de Estado de 2021. O objetivo seria iniciar um processo para a renacionalização dos CTT. O negócio ficou sigiloso, por decisão do ministro das Finanças, João Leão, com o argumento de que assim não haveria perturbação do mercado.
Como se efetuou a compra de ações?
A compra de ações dos CTT pela Parpública foi concretizada em bolsa até outubro de 2021, de acordo com informação disponibilizada quarta-feira pela empresa de capitais públicos que gere as participações do Estado. O despacho do ministro João Leão, com data de 17 de agosto de 2021, determinava "a aquisição faseada, em bolsa, de ações dos CTT pela Parpública até ao limiar máximo de 1,95%, momento em que a estratégia de aquisição deverá ser reavaliada". A Parpública salientou toda a legalidade da operação e divulgou o parecer prévio da Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM) a dar sua aprovação. Neste documento, datado de fevereiro de 2021, após solicitação do secretário de Estado do Tesouro, a UTAM referia que o Governo estava disposto a ir até uma aquisição de 13% das ações dos CTT. Acabou por comprar apenas 0,24%, depois desse governo ter caído e o PS ter alcançado uma maioria absoluta em 2022.
Qual o motivo do sigilo na operação?
De acordo com o divulgado pela Parpública, o segredo foi declarado "para evitar perturbações indevidas da cotação destes títulos no mercado", e os "documentos foram considerados informação reservada pelo Ministério das Finanças, à época". "Tendo o despacho cessado os seus efeitos no primeiro semestre de 2022, e decorridos mais de dois anos desde a última aquisição de ações dos CTT, os documentos podem agora ser tornados públicos por determinação do Ministério das Finanças", revelou também a empresa pública. No total, a Parpública detém 355.126 ações dos CTT que foram adquiridas em bolsa em 2021, o que corresponde a 0,24% do capital da empresa.
Pedro Nuno Santos está no centro da discussão porquê?
O atual secretário-geral do PS era, em 2021, ministro das Infraestruturas com a tutela dos CTT e tinha sido, com a "gerigonça", um dos homens responsáveis pela articulação com o BE e PCP. De imediato, a oposição à direita veio questionar se teria sido usado o Estado para garantir o apoio bloquista. Num primeiro momento, na quarta-feira, Pedro Nuno Santos veio a público negar o seu envolvimento: "Eu tutelava a pasta, mas não sou eu que dou orientações ao ministro das Finanças e à Parpública. Não há orientação do Ministério das Infraestruturas nem do ministro das Infraestruturas". Concluiu que "tem de ser o Governo a dar esclarecimentos". Esta quinta-feira, Pedro Nuno Santos esclareceu que "nunca disse que não sabia" da operação, mantendo que, apesar de a conhecer, não teve responsabilidade na condução do processo.
O PCP admite ter sido informado, BE diz que não sabia
Nos partidos à esquerda, que apoiavam o governo PS, há reações diferentes. O PCP, através da líder parlamentar Paula Santos, admitiu que o partido foi informado da operação mas não a considerou relevante por ser apenas a aquisição de uma pequena participação, defendendo o PCP a nacionalização total da empresa. Já o Bloco de Esquerda, pela sua coordenadora Mariana Mortágua, negou ter conhecimento da compra de ações. "Desconhecia a compra de uma participação dos CTT por parte da Parpública, estou a acompanhar essas notícias, mas isso não quer dizer que o Bloco não tenha a sua posição, somos favoráveis à recuperação dos CTT para o povo", disse Mariana Mortágua. Ambos os partidos desmentem qualquer acordo com vista ao OE de 2021.
Direita aponta a Pedro Nuno Santos
Os partidos de direita, PSD, IL e Chega, centram as suas críticas na atuação de Pedro Nuno Santos e no alegado favor de agradar ao BE para o PS garantir a aprovação do OE de 2021. O BE acabaria por votar contra. "Se Pedro Nuno Santos não sabia, que é o que ele diz, então isto foi uma bandalheira completa", disse Luís Montenegro, esta quinta-feira, antes de Pedro Nuno vir admitir que tinha conhecimento, apenas, da operação por ser o ministro com a tutela dos CTT. Para o líder do PSD, é "importante saber" de quem foi a decisão de comprar as ações dos CTT e quais foram os objetivos, o contexto e o "retorno" desse investimento. A Iniciativa Liberal, pelo líder Rui Rocha, não põe em causa a legalidade mas questiona "a razão de ser desta compra". Pelo Chega, André Ventura exige esclarecimentos "Houve uma atuação política premeditada e articulada, pelo menos entre o PS e o BE, como moeda de troca do Orçamento do Estado, para comprar ações dos CTT", apontou. IL e Chega agendaram para quarta e quinta-feira da próxima semana debates na Assembleia da República sobre o tema.
António Costa diz que não houve acordo com BE
“A decisão foi tomada pelo Governo, foi executada como a lei manda”, disse António Costa, esta quinta-feira, ao comentar a polémica. O primeiro-ministro justificou que não foi dada notícia pública da compra em 2021 para não inflacionar o preço das ações. Sobre o alegado favor político para assegurar o OE de 2021, foi categórico. "Nunca foi tema de conversa com o BE. Toda a gente sabe que o PCP defende a nacionalização e 0,24% está muito aquém de qualquer tipo de nacionalização. Não houve relação causa-efeito", assegurou. Costa referiu que a aquisição avançou "por cautela" para garantir a "prossecução do serviço público" pela empresa.