Há cada vez mais produtores com a "corda na garganta". A atividade não compensa face ao aumento dos custos de produção.
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Os produtores de carne de raças autóctones enfrentam os dias mais difíceis de que têm memória devido à estagnação dos preços dos animais nos criadores, iguais há vários anos, numa altura em que os gastos na produção e no consumo das famílias dispararam. "Os preços das carnes com certificação DOP - Denominação de Origem Protegida ou IGP - Indicação Geográfica Protegida está quase ao valor da indiferenciada", alerta o presidente da Federação Nacional das Associações de Produtores de Raças Autóctones (FERA), Rui Dantas.
Os agricultores queixam-se que estão com a "corda na garganta". "É um problema grave", acrescenta Rui Dantas. Tanto mais que todas as raças autóctones nacionais estão em risco de extinção. Algumas estão bem implementadas, outras porém têm baixo efetivo, tais como as de ovinos de churra algarvia (1690 exemplares registados) e churra do campo (321) ou as de bovinos como a marinhoa (975), ramo grande (763), garvonesa (607), jarmelista (218) e algarvia (4). Há associações de produtores a subir o preço da carne para fazer face ao aumento dos encargos, "mas a valores insuficientes", vinca a FERA.
A certificação obriga a cumprir um caderno de encargos exigente, que impede o uso da maior parte dos produtos de suplementação alimentar ou rações. "São carnes que custam mais a fazer, logo ficam mais caras. O preço da carne corrente está a subir, mas no caso das raças autóctones como aquelas a que os criadores estão associados em cooperativas, o processo é mais lento. A subida dos preços não se reflete no que é pago ao criador", explica Rui Dantas.
Seca para agravar
Para o presidente da FERA, "a vida dos produtores está a complicar-se". "A situação só não é mais grave porque utilizam muitos produtos que cultivam para alimentar os animais, que fazem pastoreio extensivo. Quem faz engorda de novilhos não vende a um valor que lhe compense", sustenta.
Os produtores de gado do Sul ainda enfrentam os problemas decorrentes da seca. Segundo Rui Dantas, "já não têm alimento e têm de comprar". O preço da alimentação animal aumentou 40% e a carne subiu 10 ou 12 cêntimos. "Os produtores estão a aguentar os preços, pois temem que o consumidor final, como a restauração, não opte pelas raças. O equilíbrio é difícil de gerir. A atividade não compensa, mas não é fácil venderem todos os animais", admite.
Andrea Cortinhas, da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, assegura que "todos os produtores estão aflitos, com os mais velhos a desistir e os restantes a reduzir o número de animais".
O secretário técnico da Associação de Criadores de Bovinos de Raça Mirandesa, Valter Raposo, pede apoios diretos à produção. "Não se recuperou de dois anos de pandemia na restauração. Para minimizar vende-se para os hipermercados, com preços ainda mais baixos. Somam-se os impactos da guerra no gasóleo, eletricidade, fertilizantes, cereais", conclui.
Negócio
Eventos gastronómicos ajudam vendas
Muitas carnes DOP esgotaram na Páscoa. A Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa não conseguiu satisfazer todas as encomendas de cordeiro. "Vendemos tudo. A Páscoa já é uma época de muito consumo e os festivais e os fins de semana gastronómicos do Porto e Norte [entre março e dezembro] impulsionam as vendas e há mais restaurantes a comprar", garante Andrea Cortinhas, responsável da associação. Também a Associação Nacional de Caprinocultores de Raça Serrana verifica que os eventos ligados à gastronomia contribuem para a venda de mais cabrito e queijo.
Dado
61 raças autóctones tem Portugal, nomeadamente bovinos (15), ovinos (16), caprinos (6), suínos (3), equídeos (6), galináceos (4) e canídeos (11).