Fisco não está a fazer a liquidação coerciva das contraordenações dos transportes públicos. Menos de um terço dos infratores paga as coimas voluntariamente.
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Há mais de 17,68 milhões de euros de multas por pagar nos transportes públicos que ninguém está a cobrar desde setembro de 2017. Os autos de contraordenação vão-se acumulando nos operadores, à espera que seja feita a cobrança coerciva. Por lei, a obrigação é das Finanças, mas, volvidos três anos desde a alteração do regime sancionatório, o incumprimento continua sem punição, com a agravante de que as primeiras multas prescrevem a partir deste mês.
A potencial receita do Estado em risco de se perder será superior a 17,68 milhões, já que este montante acumulado inclui apenas os autos emitidos por quatro empresas públicas: Metro do Porto, STCP, Carris e Metropolitano de Lisboa. Contam-se mais de 155 mil coimas por liquidar, apesar do novo regime sancionatório de transgressões nos transportes coletivos, que vigora desde 13 de setembro de 2017, ter reinstituído a possibilidade de pagamento voluntário das multas, com um desconto de 50%.
"Crime" continua a compensar
Mesmo assim, o incumprimento é enorme e, sem castigo, o "crime" está a compensar. Basta ver que a percentagem de multas pagas voluntariamente não chega sequer a um terço dos autos (ver infográfico). Na STCP e no Metropolitano de Lisboa, a taxa de pagamentos voluntários ronda os 30%. No Metro do Porto, é de 20%. Já na Carris, fica-se pelos 14%. Em três anos, estes quatro operadores arrecadaram 2,2 milhões de euros. Deste bolo, cerca de 1,2 milhões foram amealhados pela Metro do Porto, que reorganizou os serviços e passou a notificar os infratores por carta e por e-mail, enviando uma referência multibanco para que procedam ao pagamento da coima.
Sem punição, a maioria dos infratores opta por ignorar os avisos. O Metro do Porto dá conta de que o número de autos à espera de cobrança coerciva desde 13 de setembro de 2017 (data em que o regime sancionatório foi alterado) ascende a 80 mil. Feitas as contas, serão cerca de 9,6 milhões de euros por receber. Na Carris, as cerca de 53 mil coimas por liquidar representam 6,3 milhões. O Metropolitano de Lisboa contabiliza 14 735 autos sem pagamento, que correspondem a mais de 883,6 mil euros. A STCP calcula que as 7749 multas por cobrar renderiam 900 mil euros ao Estado.
à espera de plataforma
Este problema arrasta-se há anos. A Autoridade Tributária e Aduaneira foi incumbida da cobrança coerciva das multas de transporte público em 2014 pelo Governo de Pedro Passos Coelho e não executou a tarefa. Há três anos, o Governo de António Costa alterou a lei, reinstituiu o pagamento voluntário e criou um regime excecional e temporário de recuperação das multas antigas, com desconto de 75% (ler caixilho), face aos milhares de autos que se acumulavam nas empresas.
No entanto, manteve a cobrança coerciva sob a alçada do Fisco. Três anos depois, a situação não se alterou. Os autos de contraordenação que os infratores decidem ignorar continuam à espera de um cobrador. Ao JN, os operadores aguardam por instruções. A lei de 2017 incumbia o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) da criação de uma plataforma onde seriam reunidos todos os autos. Essa informação seria partilhada com as Finanças, de modo a que pudessem avançar com a cobrança. Essa comunicação ainda não existe.
De acordo com as empresas, "está em fase final de desenvolvimento pelo IMT e pela Autoridade Tributária um procedimento" para a abertura de processos contraordenacionais aos autuados. O JN pediu esclarecimentos ao Ministério das Finanças, mas não foi possível obter resposta em tempo útil.
MULTAS ANTIGAS
Operadores recuperaram mais de um milhão
Face ao acumular de multas antigas, o Governo socialista decidiu lançar, em setembro de 2017, um período excecional de pagamento voluntário de coimas de transporte público, com desconto de 75%. Esse benefício permitiu a recuperação de cerca de 1,05 milhões de euros e teve uma adesão baixa. Ainda assim, o Metro do Porto foi o operador que mais dinheiro conseguiu obter: cerca de meio milhão de euros. A STCP recuperou 240 mil euros, enquanto o Metro de Lisboa e a Carris arrecadaram 135 mil e 181,2 mil euros respetivamente.