"Um suicídio assistido à classe média", que contribui para "um ambiente de amargura e de falta de ânimo" na população, é como o economista Sandro Mendonça reage à proposta de Orçamento do Estado para 2012. Vai resultar no "agravamento das condições económicas", antevê Abel Fernandes.
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O economista Sandro Mendonça considera que a proposta do Orçamento do Estado para 2012 (OE2012) é "um suicídio assistido à classe média", que contribui para "um ambiente de amargura e de falta de ânimo" na população.
"A questão que me parece contundente tem a ver com o facto de o Executivo estar a ser criativo de forma enviesada para as classes médias e classes baixas de um país que é o mais desigual da Europa Ocidental", afirmou o economista Sandro Mendonça à Agência Lusa.
O docente da ISCTE - Business School defende que o documento é "como uma recessão induzida, um suicídio assistido à classe média, que tem ramificações capilares no resto da economia, sobretudo em relação ao crédito mal parado", considerando que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, "está a induzir um ciclo vicioso".
"Tem sido hábil em termos de gestão dos média, mas sem sentido de Estado", acusou.
Para o economista, "o Governo perdeu uma oportunidade de ser criativo por exemplo em relação ao IVA, porque aumenta a taxa para um conjunto de bens, mas perde uma oportunidade de ser criativo na taxação temporária de bens de luxo, como imóveis e de carros de alta cilindrada".
"Não há sequer uma orientação de trazer classes com consumos sumptuosos à arena", acrescentou, considerando que "a criatividade está mal distribuída e cai no conjunto de classes que são fáceis de atingir".
"Medidas apressadas, tomadas em ambiente de pânico"
No mesmo sentido, o economista Abel Fernandes considera que é o OE2012 é composto por "medidas apressadas, tomadas em ambiente de pânico", que terão como resultado "uma agravamento das condições económicas".
"É um orçamento não convincente, isto é, não vejo como é que as medidas que constam do documento podem constituir um passo sério que nos conduza ao reequilíbrio das contas públicas de uma forma definitiva", afirmou o especialista em macroeconomia, considerando que "são medidas apressadas, tomadas em ambiente de verdadeiro pânico, que recorre às soluções habituais de mais impostos".
O docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto adiantou que o documento não prevê "qualquer reforma da estrutura do Estado", realçando que se limita a fazer "uma redução indiscriminada da despesa, que é equivalente a tributação adicional, como a redução de gastos com pessoal, nomeadamente a eliminação do 13º. mês e do subsídio de férias [da função pública]".
Abel Fernandes sustentou que "aos elementos recessivos introduzidos pelo orçamento, tem que se acrescentar o abrandamento muito significativo da economia europeia", realçando que "se Portugal tiver uma quebra do PIB superior a 2,8%, o reequilíbrio orçamental estará de novo comprometido".
"Teremos um orçamento a correr atrás da lebre em que a lebre corre sempre mais", acrescentou.
"Fortíssima desvalorização do trabalho"
O economista José Reis entende que o Governo, em vez de gerir a crise, está "a desconstruir a sociedade e a economia", realçando "uma fortíssima desvalorização do trabalho" na proposta de OE2012.
"Creio que no caso do Orçamento do Estado é adequado falar de violência desmedida do ponto de vista das principais medidas, porque há uma nota que é por demais evidente que é uma fortíssima opção, quase única, pela contracção salarial, pela desvalorização do trabalho", afirmou o director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
José Reis disse que o Governo "não está a gerir uma crise, mas a desconstruir a sociedade e a economia", considerando que as medidas propostas, "além de violentas e injustas, têm um efeito recessivo que está expresso no cenário macroeconómico divulgado", que prevê uma recessão de 2,8% em 2012 e uma taxa de desemprego de 13,4%, um recorde.
O economista afirmou que "a questão começa a estar muito para além do ponto de vista económico passando para o foro jurídico e constitucional", considerando que "há uma regressão social".
"A Constituição portuguesa há muito que estabeleceu a ideia de que as instituições proíbem a evolução reaccionária no sentido da regressão social, da regressão de direitos, que é o que se está a passar aqui", declarou.
Para o investigador do Centro de Estudos Sociais, deveria haver "outra noção de prazo para resolver as coisas", considerando que "a sapiência está em articular medidas de curto com medidas de longo prazo".