Pressão para pagar subsídios de férias e fim da proibição de reduzir pessoal nos setores que tiveram ajudas faz com que patrões sondem advogados para preparar vaga de dispensas.
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O receio do fim dos apoios à economia e o aproximar dos meses de verão, em que as despesas com salários aumentam devido ao pagamento dos subsídios de férias, estão a inquietar os patrões de diversos setores. Todos os sinais, dizem, apontam para a proximidade de uma vaga de despedimentos até julho, com agravamento no final do ano, quando acaba a proibição de dispensas por parte de empresas que tiveram apoios.
O principal travão ao desemprego é, atualmente, o financiamento direto das empresas que resulta de medidas de apoio como o lay-off ou o Apoio à Retoma, como comprova o relatório divulgado ontem pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), onde se lê que o desemprego na região Norte foi de 7%, mas seria de 25% sem o lay-off simplificado.
Durante os apoios, e até há cerca de dois meses depois do seu final, as empresas têm períodos de carência que as impedem de despedir trabalhadores. A preocupação está no fim desse período.
"Eu posso dizer, sem citar nomes, que já noto vários clientes que, se não houvesse este impedimento, estariam a despedir. E não notei tanto essa necessidade em 2020", afirma Levi França Machado, advogado da CCR Legal, escritório que trabalha com várias empresas de grande dimensão em Portugal.
Há já grandes empresas que deram o primeiro sinal, pois têm em curso processos de despedimento ou rescisão por mútuo acordo que se vão prolongar até ao fim de 2021. O receio atinge vários setores, desde os tradicionais (têxtil, calçado e metalurgia) aos ligados ao turismo (aviação, restauração e alojamento). Mas também dos serviços que ficaram a perder com o facto de muita gente ter estado em teletrabalho.
Apelos para prolongar
Depois, há a preocupação com o cenário económico mundial. "Durante o ano de 2020, verificamos o encerramento das médias empresas. Não temos perspetiva de melhor futuro para o ano de 2021, bem pelo contrário: verificamos um abrandamento das encomendas, principalmente por parte das empresas que dependem da exportação", assegura Aida Sá, do Sindicato do Calçado do Minho e Trás os Montes. A sindicalista indica que "certamente o período do verão" pode ser o mais preocupante, devido ao pagamento do subsídio de férias.
Dependendo da situação de cada empresa, os períodos de carência de quem retomar agora a atividade também podem terminar nessa altura. Segundo Mário Silveiro de Barros, advogado da Saragoça da Matta & Silveiro de Barros, as empresas que retomam atividade "deixam de conseguir reunir os requisitos para receber apoios" e, a partir daí, os despedimentos "vão sempre estar associados à existência ou não de uma recuperação da economia".
O presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) disse, na segunda-feira, que "inevitavelmente vamos ter despedimentos coletivos" se o apoio à retoma não se prolongar para lá de setembro. No caso deste apoio, o período de carência que proíbe os despedimentos termina a 30 de novembro, se não for prorrogado, o que atira os receios deste setor para dezembro.
Avaliação
"Governo antecipou preocupações"
Ao JN, o gabinete da ministra do Trabalho lembra que "o Governo está permanentemente a avaliar a evolução da situação e tem ajustado as medidas em função das necessidades", aludindo à prorrogação da vigência do apoio à retoma até setembro (antes era junho) e à criação do incentivo à normalização da atividade "precisamente para apoio ao pagamento de salários e do subsídio de férias". "O Governo antecipou estas preocupações", garante.
Casos
Várias empresas, algumas de grande dimensão, abriram a porta a despedimentos para reduzir custos com pessoal.
TAP
Quase 800 com rescisão
Os acordos de emergência com os sindicatos previam o despedimento de 800 trabalhadores e foi praticamente esse o número de funcionários que se candidataram às medidas voluntárias como a reforma antecipada, licença sem vencimento ou trabalho a tempo parcial. A empresa não descarta avançar com despedimento coletivo.
Portway
Contratos por renovar
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil deu conta de que mais de 500 contratos a termo da Portway, empresa de assistência em terra nos aeroportos, não foram renovados. Empresa diz estar a ajustar a estrutura à realidade do negócio.
Eurest
141 mulheres despedidas
No mês passado, a empresa que explora cantinas e refeitórios confirmou ter em curso um despedimento coletivo. O sindicato do setor adianta que serão 146 trabalhadores, dos quais 141 são mulheres.
Banca
Três admitem despedimentos
Com a rentabilidade em franca quebra, três bancos admitem saídas. O Santander Totta tem em curso dois planos de redução de pessoal, um com reformas antecipadas, outro através de rescisões por mútuo acordo. O Montepio tem em curso uma reestruturação e o Novo Banco pretende despedir, em média, 250 trabalhadores por ano até 2024.
Crisof
110 despedidos em Celorico
Em março, 110 trabalhadores da empresa de confeções de Celorico de Basto foram surpreendidos com o encerramento, um rude golpe na vila de Gandarela, que tem cerca de 1500 habitantes.
Altice
Quer dispensar 1400
A dona da Meo informou que mais de 1400 trabalhadores com mais de 50 anos se candidataram a um programa de rescisões.
Saber mais
725 despedimentos coletivos em Portugal desde março do ano passado. O aumento é de mais de 100% face ao mesmo período do ano anterior.
88 processos de despedimento coletivo, iniciados em janeiro e fevereiro, abrangem 907 trabalhadores. Está abaixo da média de 2020.
116 inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional, desde o início da pandemia, aumentaram 116 281 para um total de 431 843.
Líderes no lay-off
Em janeiro e fevereiro deste ano, o distrito com mais empresas a aderirem ao lay-off simplificado foi Lisboa (24%), seguido do Porto (19%), Braga (9%), Faro (7%) e Setúbal (7%).
Restauração
Quem mais recorre ao lay-off é o turismo, com o alojamento e restauração a corresponderem a 25% do total dos pedidos.
Mais insolvências
A Informa D&B revelou que se registaram 571 novas insolvências no primeiro trimestre deste ano.