Finanças não vão fazer revisão oficiosa do imposto pago indevidamente nas áreas classificadas, livrando autarquias de devolver milhões.
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Os proprietários de imóveis nos centros históricos e nas zonas classificadas como património mundial pela UNESCO só poderão ser reembolsados do IMI pago indevidamente nos últimos quatro anos se pedirem essa revisão à Autoridade Tributária.
As Finanças não reanalisarão os processos de cobrança nem farão o reembolso por iniciativa própria, embora esse mecanismo esteja previsto na lei geral tributária em casos de comprovada ilegalidade.
Os representantes de movimentos de defesa dos centros históricos condenam que o Fisco não proceda à revisão oficiosa do IMI e atire o "ónus" para os contribuintes. As 29 câmaras com centros históricos ou com áreas classificadas pela UNESCO podem respirar de alívio, porque não serão chamadas a devolver os 188 milhões de euros cobrados ilicitamente nos últimos quatro anos. As contas são da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Perda anual de 47 milhões
A ANMP alertou, em março, para as "consequências financeiras caóticas" da manutenção da isenção de IMI nos centros históricos e nas áreas classificadas como património mundial, decidida pelos partidos da Oposição aquando da votação do Orçamento do Estado para 2020 no Parlamento.
A associação advertia para a perda anual de receita, calculada em 47 milhões, mas manifestava particular apreensão face à possibilidade de o Fisco desencadear um processo de revisão oficiosa, por sua iniciativa e como determina a lei, o que levaria à devolução de todo o imposto liquidado, estimado em 188 milhões: 120 milhões nas nove câmaras com centros históricos (Porto, Guimarães, Coimbra, Sintra, Tomar, Óbidos, Évora, Elvas e Angra do Heroísmo) e 68 milhões nas 14 autarquias do Alto Douro Vinhateiro, nas três câmaras da Floresta da Laurissilva, na Madeira, e nos três municípios da ilha do Pico, nos Açores.
Porém, a Autoridade Tributária não avançará com uma revisão por sua iniciativa. O Ministério das Finanças esclarece, em resposta ao JN, que "a liquidação poderá ser revista, sempre que seja efetuado pedido de revisão relativamente a anos anteriores, mediante respetiva comprovação". O reembolso terá de ser solicitado pelos proprietários dos imóveis isentos de pagamento de IMI.
Pedida devolução imediata
Embora não consiga precisar o número de pedidos de revisão de IMI por cobrança indevida em centros históricos e em zonas classificadas como património mundial, as Finanças dão conta do crescimento do número de edifícios que beneficiam daquela isenção. Passou de 5729, em 2014, para 6764, no ano passado. "Parte deste acréscimo justifica-se por revisão das liquidações de IMI e por averbamento da isenção", especifica.
Alice Tavares, da Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património, defende a restituição automática dos valores pagos indevidamente de IMI e que "não deve ser colocado o ónus nos proprietários de pedir essa devolução. Nem o município nem o Estado Central podem reconhecer que o dinheiro foi obtido ilegalmente e, depois, não o quererem restituir. Se fosse um cidadão comum, teria de devolvê-lo com juros", sublinha.
Também João Andrade Santos, do Movimento de Defesa do Centro Histórico de Évora, condena a atuação do Fisco por não cumprir as determinações da lei tributária, após a sua "interpretação fantasiosa" ter sido sistematicamente "chumbada nos tribunais". "O Supremo Tribunal reconhece que a isenção de IMI é automática desde 2010. A lei tributária já só prevê a devolução de quatro anos em situações deste tipo. Não obstante, as Finanças ficaram mais refinadas e dizem que quem quiser, venha cá pedir. É tudo muito feio."
Pormenores
Há 6764 edifícios isentos de pagamento de IMI em 2019 por estarem localizados em centros históricos e em áreas classificadas como património mundial pela UNESCO. São mais 1035 do que em 2014.
Revisão oficiosa - A lei geral tributária prevê que a revisão dos atos tributários ilegais possa ser praticada por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, no prazo de quatro anos após a liquidação.