O presidente da CMVM admitiu, esta terça-feira à tarde, na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, sentir-se "desgostoso" por não ter tido "possibilidade de atuar em devido tempo na defesa dos investidores", travando mais cedo do que fez a venda de ações do BES em bolsa, e deixou críticas veladas ao Banco de Portugal.
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"Teria sido prudente suspender a negociação muito mais cedo", disse, em resposta à deputada do BE Mariana Mortágua, explicando que "quanto mais cedo a CMVM estivesse na posse de informação sobre eventuais medidas de intervenção", mais cedo poderia ter tomado essa decisão. Assim, a suspensão da negociação dos títulos do banco só foi decretada na tarde de 1 de agosto. Tavares disse que foi sempre mantido à margem do processo.
No Parlamento, reiterou as "suspeitas" de que algumas entidades tenham tido acesso a informação privilegiada, libertando-se de grandes quantidades de ações, enquanto outros investidores acabaram por ser prejudicados por terem continuado a comprar ações "de boa fé". Essas eventuais "fugas de informação" estão a ser investigadas, mas admite que possam nunca vir a ser confirmadas.
De acordo com o regulador, houve "alguma descoordenação que poderia e deveria ter sido evitada", referindo-se ao facto de a CMVM não ter sido informada antecipadamente pelo Banco de Portugal nem por outra qualquer entidade da medida de resolução que se decidiu aplicar ao BES.
"A última coisa que eu quero é alimentar a teoria da 'guerra' entre os supervisores. Ter opiniões diferentes não é estar em guera, é muito normal", reiterou, insistindo contudo que não assume responsabilidades que não tem.
"Vale a pena tirar lições para o futuro e que não seja pela falta de articulação entre os supervisores que fiquemos com a sensação que não foi feito tudo para impedir crimes maiores", insistindo que "neste caso, e com a informação que a CMVM tinha, dificilmente poderia ter feito mais e melhor".
Durante a audição, Tavares criticou a forma "muito benevolente" como muitas vezes os crimes de manipulação do mercado são penalizados pelos tribunais. "São necessárias penalizações mais rápidas e dissuasoras", disse.
Grandes investidores desfizeram-se das ações
Os investidores institucionais venderam grandes lotes de ações do BES nas vésperas do anúncio da intervenção do Banco de Portugal no banco, segundo os números oficiais passados aos deputados pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que sustentam as suspeitas de abuso de informação privilegiada.
No dia 1 de agosto, a última sexta-feira em que os títulos do Banco Espírito Santo (BES) foram negociados em bolsa, antes de serem suspensos perto do final da sessão por ordem da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), foram transacionadas em bolsa 252 milhões de ações do BES.
De acordo com um documento entregue aos deputados, esta terça-feira, pelo presidente da CMVM, Carlos Tavares, na comissão de inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo (GES), a que a agência Lusa teve acesso, do total de ordens de venda nessa sessão específica, 87% foram dadas por investidores institucionais, ou seja, bancos de investimento, seguradoras e fundos de pensões, entre outras entidades de grande dimensão.
Na véspera, dia 31 de julho (quinta-feira), o peso das vendas dos institucionais sobe para 89% no total próximo de 420 milhões de ações do BES transacionadas.
Na antevéspera, dia 30 de julho, a fatia das vendas dos institucionais no total de quase 162 milhões de papéis do BES negociados é ainda maior: 94%.
A 29 de julho foram movimentados 98 milhões de títulos, com os institucionais a pesarem 81%, e a 28 de julho foram negociadas pouco mais de 44 milhões de ações e o peso dos institucionais nas ordens de venda foi de 82%.
No total, na semana que antecedeu o anúncio da medida de resolução aplicada pelo supervisor bancário ao BES, feito num domingo à noite (3 de agosto), foram transacionadas quase mil milhões de ações do banco (975.809.159).
Na última sessão em que os títulos do BES foram negociados em bolsa, antes da suspensão, registavam já uma queda próxima de 50% para o novo mínimo histórico de 0,105 euros, depois de já terem sofrido uma forte queda na sessão anterior.
Todas estas movimentações estão a ser investigadas pela CMVM, que tem suspeitas de ter havido abuso de informação privilegiada na base destas vendas massivas de títulos do BES.
A comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES arrancou na segunda-feira e no total serão ouvidas cerca de 130 personalidades ligadas direta e indiretamente ao assunto.
Carlos Tavares, que começou a ser ouvido às 15.00 horas, é a segunda personalidade que presta esclarecimentos esta terça-feira, depois de o presidente do Instituto de Seguros de Portugal (ISP), José Almaça, ter estado no parlamento de manhã.