Stock total aumentou 66% entre 2019 e 2020. Apesar disso, cientistas recomendam redução da quota para este ano. Pescadores recusam e ministro tem esperança em revisão.
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Desde 2005 que não nascia tanta sardinha na costa ocidental da Península Ibérica. As pesquisas científicas vêm, agora, dar razão aos pescadores que, com novos dados, querem pescar mais em 2021. Depois de dez anos a "apertar o cinto", recusam continuar com cortes que estão "a matar o setor" e querem triplicar as possibilidades de captura já este ano. O Ministério do Mar tem esperança num aumento, mas não se compromete com valores.
"É um excelente indicador de que o stock está melhor. Já tínhamos tido um bom recrutamento em 2019 e, este ano, de facto, foi o melhor recrutamento dos últimos 15 anos", afirmou, ao JN, Ana Moreno, investigadora do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) e coordenadora do IBERAS0920, o último cruzeiro científico, realizado em conjunto por Portugal e Espanha para avaliar a quantidade de sardinhas bebés no mar.
A sardinha, explica, é uma espécie de vida "curta", o que torna o stock "muito dependente dos novos nascimentos". Depois de quase um mês a percorrer a costa, os resultados surpreenderam até os mais otimistas: das 101 mil toneladas de juvenis (sardinha com menos de um ano) registadas em 2019, este ano, passou-se para as 136 mil toneladas (mais 35%).
Cruzeiro não conta
Apesar dos resultados animadores, o IBERAS não é incluído no modelo adotado pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES) para a avaliação do stock ibérico de sardinha. Ainda assim, o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, espera que possa ser "levado em conta" e seja "mais um dado a juntar à equação".
Em junho último, o ICES aconselhou, para 2021, uma quota ibérica de 10 871 toneladas (a Portugal caberiam 7229 toneladas, um valor bem abaixo das 12 705 pescadas o ano passado). Os pescadores disseram "não" e, agora, veem reforçados os seus argumentos.
"A sardinha aumenta e a quota desce?! Espero que haja bom senso", afirma o presidente da Propeixe, a cooperativa de Matosinhos, formada por 26 barcos do cerco. Agostinho Mata diz que, depois de uma década de restrições, "a sardinha está a portar-se bem, os cientistas é que estão a negar o futuro ao setor". Para 2021, frisa, uma quota à volta das 30 mil toneladas "seria o ideal para todos".
Humberto Jorge, da Anopcerco - Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco, aponta o dedo ao modelo do ICES: "É uma medida geométrica dos últimos cinco anos. Sendo a sardinha uma espécie de vida curta, é um absurdo. O modelo não tem correspondência com a realidade". Humberto Jorge diz que, em 2020, os pescadores já alertaram para uma quota demasiadamente "magra" para o estado do stock. Este ano, "depois de tantos sacrifícios", não vão aceitar "migalhas".
Regressa Plano de Gestão
O ministro do Mar está "otimista" numa revisão "em alta". Depois do crescimento do stock em 66% em 2020 e do melhor recrutamento em 15 anos, aguarda com expectativa o cruzeiro científico da primavera, que deverá trazer novos dados da biomassa (e que integra o modelo de avaliação do ICES). Só depois será emitido o novo parecer científico. Até lá, "Portugal e Espanha continuam a trabalhar", "confiantes num aumento de quota" para este ano. Mas, por agora, Serrão Santos recusa avançar com um número. Promete - "isso sim" - bater-se para que, fruto da "boa recuperação do recurso", se feche, já este ano, o Plano de Recuperação da Sardinha (2018-2023) e com ele fechar uma década de restrições.
Pescadores ajudam
Os próprios barcos de pesca, aos quais os cientistas fornecem localizações específicas para captura de amostras de pescado, ajudam na investigação. Uma parceria "muito importante", diz Ana Moreno, já que permite prospeções junto à costa, onde o navio não pode operar.
Aferir bebés
Os barcos trazem uma amostra de 10 a 20 quilos de peixe e depois cientistas aferem a percentagem de juvenis.
À lupa
Investigação comum
A campanha IBERAS0920 foi realizada pelo Instituto Espanhol de Oceanografia (IEO) e pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a bordo do navio espanhol "Ramón Margalef", entre 9 e 30 de setembro.
Como se calcula?
O navio está equipado com uma sonda que mede os ecos produzidos pelos cardumes. Vai navegando em linhas perpendiculares à costa, numa área de cerca de 900 milhas, entre Estaca de Bares (Galiza) e o cabo de São Vicente.
Medição acústica
Em função do tamanho e da própria constituição do peixe, da forma como se agrupam e da densidade dos cardumes, a energia acústica produzida é diferente na sardinha, na cavala ou no biqueirão. Cruzada a informação, os cientistas acertam em "80% dos casos", explica Ana Moreno, a coordenadora do IBERAS0920. Um cardume pode ultrapassar as 10 toneladas de sardinha.
Mais no Norte
À medida que o navio avança, a sonda regista dados relativos à quantidade de cardumes e seu tamanho. A maior concentração de juvenis foi registada no Norte. Historicamente, a abundância de sardinha desce do Norte para o Sul. Os juvenis concentram-se em zonas mais costeiras, próximo da foz dos rios e rias, sobretudo, entre o Porto e a Figueira da Foz e na região de Lisboa.