Estudo traça retrato das remunerações e desigualdades em Portugal. Setor energético é o que mais premeia quem tem curso superior.
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O salário real dos portugueses já está em níveis de 2019 devido ao aumento dos preços. Esta é uma das conclusões do estudo sobre os padrões de evolução, inflação e desigualdades nos salários que é apresentado hoje pelo Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLABOR). Outro dado é que o salário médio está cada vez mais próximo do mínimo e é à boleia deste que há mais subidas.
Em julho de 2019, a média do salário real dos portugueses (remuneração mensal menos inflação) estava próxima dos 1350 euros. Três anos depois, apesar de o salário mínimo ter subido de 600 euros para 705 euros, o valor real do salário médio manteve-se perto dos 1350 euros. "Os salários reais começaram rapidamente a regredir com o surto inflacionário vivido a partir da primeira metade de 2021", conclui o estudo que analisou a evolução desde o início do milénio.
Pedro Estêvão, investigador CoLABOR: "O surto de inflação verificado desde 2021 anulou fortemente os ganhos desde 2018"
Os setores que beneficiaram de maior crescimento do salário real foram as atividades administrativas, alojamento, restauração, agricultura, pecuária, caça e pesca. Ou seja, áreas "onde são praticados salários mais baixos", evidenciando que "o crescimento do valor real dos salários em Portugal nos últimos anos tem sido sobretudo impulsionado pelo aumento do salário mínimo", conclui o estudo.
23,5% ganham salário mínimo
A metade inferior da tabela da distribuição dos salários está cada vez mais comprimida, com o salário mínimo cada vez mais próximo do médio. "Portugal destaca-se no contexto dos países europeus pela diferença comparativamente reduzida que existe entre estes dois indicadores", lê-se no estudo. Em 2002, o salário mínimo representava 59% do ganho mediano e, em 2020, estava em 69%. Ou seja, há cada vez mais pessoas a ganhar o salário mínimo, ainda que este seja maior. A proporção de trabalhadores abrangidos por este instrumento passou de 13,2%, em 2010, para 23,5%, em 2020.
Para Frederico Cantante, um dos autores do estudo, "o mais preocupante é o que se vai passar nos próximos anos". Como a inflação teima em não descer, os juros deverão continuar a subir, o que levará à retração do consumo e do crescimento, dificultando a subida dos salários. "Se a ideia é subir os salários em anos de baixo crescimento económico, podemos ter problemas", analisa Frederico.
Frederico Cantante, investigador CoLABOR: "Quando se tem acesso às bases de dados, consegue-se encontrar outros ângulos de estudo"
Habilitações valem menos
O estudo foi feito com os dados do DataLABOR, um portal do CoLABOR que reúne informação baseada nos microdados de várias origens [ler texto ao lado].
Outra conclusão é que a vantagem salarial das habilitações escolares baixou. Em 2006, o ganho médio mensal de um trabalhador com Ensino Superior era mais do dobro do ganho médio total, mas em 2020 esse diferencial caiu para 54%. Pedro Estêvão, outro dos autores do estudo, ressalva que Portugal "ainda é dos países da Europa onde este prémio é maior", mas a tendência é decrescente. Os setores do alojamento, restauração e similares são aqueles onde a formação superior é menos valorizada. Em sentido inverso, a valorização é maior no setor energético, indústrias extrativas e atividades dos organismos internacionais.
Nova plataforma de dados apresentada hoje em conferência
A plataforma DataLABOR, de dados estatísticos nas áreas do trabalho, emprego e proteção social, tem a partir de hoje uma nova versão. A nova plataforma será lançada na terceira edição das jornadas CoLABOR, que se realizam a partir das 9 horas na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Além de ser mais interativa e intuitiva, a nova versão permite o cruzamento de indicadores do INE, Eurostat e Segurança Social. Por exemplo, é possível perceber qual o risco de pobreza em Portugal, comparando-o com outros países, filtrando por homens ou mulheres e até por faixas etárias. A ministra da Ciência, Elvira Fortunato, participa na sessão de abertura.
Desigualdade
Homens e mulheres
A desigualdade salarial entre homens e mulheres diminuiu, conclui o estudo. Em média, em 2012, elas ganhavam menos 21,1%. Em 2020, esse valor era de 16,1%. Porém, permanece a discriminação das mulheres no acesso a posições de gestão e direção.
PALOP e não PALOP
O ganho médio das mulheres estrangeiras com nacionalidade de um dos PALOP que trabalham em Portugal é 26,5% inferior ao das mulheres com nacionalidade portuguesa. O valor cai para 15,2% quando se comparam apenas trabalhadoras com formação superior.
Contratos a prazo
Entre 2012 e 2018, a proporção de trabalhadores com contratos a prazo aumentou cerca de dez pontos percentuais, de 26,2% para 36,4%.