O Estado deverá ter de entrar com cerca de mais 900 milhões de euros em empréstimos ao Novo Banco (NB) no próximo ano, uma vez que as contas de 2020 deverão ser muito afetadas pela pandemia, um facto que deixou Marcelo Rebelo de Sousa "estupefacto".
Corpo do artigo
Aliás, a título de comparação, já foram para o NB, desde 2017, um total de 2130 milhões de euros de dinheiros públicos, tanto quanto o Estado prevê gastar este ano em lay-off e auxílio à TAP, outro dano económico colateral da pandemia.
12311068
António Ramalho, presidente-executivo do NB, admitiu, em entrevista parcialmente divulgada ainda no domingo, que a instituição vai precisar de mais capital do que o previsto para este ano, face ao impacto da covid-19. "Eu ouvi a notícia e fiquei estupefacto com ela, mas verdadeiramente não comento esse tipo de notícias, para não estar a entrar na situação concreta de instituições financeiras", referiu, ontem, o presidente da República.
Memória de Marcelo
Ora, Marcelo Rebelo de Sousa terá ainda muito viva a memória de um incidente político gerado pelo último empréstimo do Estado ao NB, episódio que poderá ter sido mesmo a gota de água que levou à saída de Mário Centeno da pasta das Finanças, ato oficialmente concretizado só ontem com a tomada de posse de João Leão. Tudo aconteceu num debate parlamentar, no dia 7 de maio. António Costa garantiu que não haveria mais ajudas até que fossem conhecidos os resultados de uma auditoria profunda, que recuava ao tempo do BES. O primeiro-ministro não sabia que naquela mesma semana o Tesouro já tinha transferido mais 850 milhões para o NB, algo que estava previsto no Orçamento do Estado. O equívoco levou António Costa a pedir desculpa no dia seguinte a Catarina Martins, líder do BE, que tinha levantado a questão. No entanto, no dia 13, Marcelo Rebelo de Sousa foi à Autoeuropa e acabou por dar razão ao primeiro-ministro sobre a sensatez de esperar pela auditoria profunda encomendada à Deloitte, tirando assim o tapete a Centeno.
Agora, a estupefação de Marcelo, ontem manifestada, poderá prender-se precisamente com essa memória. No entanto, tal como sucedeu em maio, tudo estava escrito, não nas estrelas mas no contrato de venda de 75% do capital do NB ao fundo norte-americano Lone Star. Dos 2978 milhões de euros emprestados pelo Fundo ao NB, 2130 milhões foram de empréstimos do Tesouro. Este valor equivale à soma dos cerca de 1000 milhões que o Estado vai emprestar à TAP, empresa cujo capital é metade público, mais os 1100 milhões previstos no Orçamento Suplementar deste ano para financiar o lay-off.
12309749
Marcelo não foi o único surpreendido. "Se a covid-19 ocorreu depois da venda do Novo Banco em 2017, como é que o desgraçado contrato (que não se conhece) pode permitir uma coisa destas?", questionou o líder do PSD na sua conta no Twitter. Rui Rio questiona, indiretamente, o Governo "se o Fundo de Resolução, leia-se o Estado", vai pagar. "O que mais há são empresas que precisam de mais dinheiro devido à pandemia", afirmou ainda.v
Quem comprou o Novo Banco e por quanto?
A negociação para a venda da instituição nascida dos ativos do BES que não foram transferidos para o "banco mau" demorou três anos e foi complexa. Os detalhes do contrato assinado em outubro de 2017 são confidenciais, tendo sido divulgados apenas traços gerais. O fundo Lone Star adquiriu 75% do Novo Banco por zero euros e o Fundo de Resolução (participado pelo Estado e por todos os bancos) ficou com 25%.
Quem é a Lone Star?
É uma gestora de fundos norte-americana, frequentemente denominada de "abutre", termo que não incomoda o fundador, o bilionário John Patrick Grayken. Este gaba-se de comprar ativos em situação complicada e vendê-los, com lucros elevados, o mais depressa possível. Consegue rentabilidades na ordem dos 20% para os investidores, o que já lhe garantiu milhões, inclusive dos conservadores fundos de pensões.
Quanto recebemos pelo negócio?
Nada. A Lone Star comprometeu-se a injetar até mil milhões de euros no Novo Banco, enquanto o Fundo de Resolução poderá ter de despender até 3890 milhões de euros, até 2026 (até maio, recebeu 2978 milhões de euros, dos quais 2130 milhões de euros do Tesouro). A estabilidade do sistema financeiro ficou assegurada a prazo. O Governo afastou a hipótese de nacionalizar o Novo Banco, estimando que tal teria um custo entre quatro mil e 4700 milhões de euros para os contribuintes.
O Novo Banco vai ser vendido?
O histórico da Lone Star aponta para a detenção dos ativos por três anos, em média, se não surgir comprador antes. No início deste ano, fontes do fundo declararam que o banco não seria vendido antes de 2021, altura em que esperam ter concluída a reestruturação. Entretanto, há poucas semanas, o fundo pôs a filial espanhola do Novo Banco à venda.