Consumidores têm de recorrer à justiça, provedor do cliente ou comissão arbitral para terem acesso a fundo de garantia que ainda só tomou decisão em relação a seis requerimentos.
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A Deco Proteste recebeu mais de 1500 queixas relativas aos "vouchers" emitidos por viagens canceladas devido à pandemia: 1460 em 2021 e 65 desde o dia 1 de janeiro, sendo 114 relativas à agência X-Travel. Para acionarem o Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT), as famílias terão antes de recorrer à justiça, a uma comissão arbitral ou ao Provedor do Cliente da Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo (APAVT). Só com uma decisão favorável podem receber o reembolso.
As agências têm 14 dias para pagar os requerimentos feitos a partir de 1 de janeiro por quem não usufruiu dos "vouchers" até 31 de dezembro. Só no grupo X-Travel Finalistas 2020, no Facebook, estão registadas quase seis mil pessoas que se queixam de ainda não terem recebido nem dinheiro, nem resposta.
"Até ao momento, o FGVT já ativou seis pagamentos relacionados com a emissão de "vouchers", todos suportados por decisões em tal sentido de instâncias de arbitragem de conflitos de consumo", no valor global de 2900 euros, confirmou ao JN o Turismo de Portugal. A Deco Proteste não considera que os requisitos de acesso ao fundo sejam limitativos. "Tem de ser feita prova de que existe uma obrigação de reembolso", defende a associação em resposta escrita, recordando que "foram criados diversos mecanismos" - além da decisão judicial, a apreciação do provedor da APAVT ou de uma comissão arbitral.
agência em silêncio
Mauro Lopes é um dos pais que ponderam recorrer ao fundo de garantia. O filho era um dos 10 mil alunos que, na Páscoa de 2020, tinham viagem de finalista marcada para Punta Umbria pela X-Travel. Pagou 620 euros. A agência, garante, há muito não atende chamadas, não responde a emails nem a cartas registadas. No grupo do Facebook de que foi um dos fundadores, 99% dos membros continuam a aguardar reembolso. "Só um número residual recebeu em 2021 por estar desempregado", explica. Mauro contesta o decreto que adiou os reembolsos para 2022.
"Não é justo que as agências tenham recebido milhões de euros, que guardaram durante dois anos e agora as famílias tenham de recorrer ao fundo para serem reembolsadas", critica.
Carla Teixeira e Marina Gregório fazem parte de um grupo de 25 pais que recorreram a um julgado de paz e têm uma sentença favorável. O acordo, que teve de ser assinado pela advogada da X-Travel, prevê o reembolso de 100% da viagem. Requereram o pagamento no início do ano, mas também ainda não receberam.
"Estão claramente a empurrar-nos para o fundo", afirma Carla Teixeira. Marina Gregório não esconde a indignação: "Se isto não é fraude, não sei o que será. Está à vista de todos: a X-Travel está a querer sair impune desta situação sem pagar".
A X-Travel, em resposta enviada ao JN, garante estar "bem ciente da sua obrigação legal de reembolso" mas remete "para momento e sede próprios - e que se crê breve -, os esclarecimentos" a prestar aos clientes.
AGÊNCIAS
37 milhões em créditos para pagar aos clientes
As agências de viagem pediram, através da linha de apoio ao crédito, 37 milhões de euros para reembolsarem os clientes. O presidente da APAVT, Pedro Costa Ferreira, assegura que na esmagadora maioria dos casos terão sido alcançados acordos e garante que os casos, "neste momento, no Provedor do Cliente, não são significativos, nem em montante, nem em valor". No entanto, assume, "o processo dos vales não reembolsados está ainda no seu início". "Estamos perfeitamente convencidos de que o setor, como um todo, através das agências vai reembolsar todos os valores aos consumidores", afirma ao JN.
REGRAS
7 milhões de euros
O fundo de garantia, cuja gestão é assegurada pelo Turismo de Portugal, pretende responder a incumprimentos das agências. Tem 7 milhões de euros, sendo o mínimo previsto por lei de quatro milhões.
Dez dias para pagar
Após o fundo ser acionado, as agências são notificadas e têm dez dias para reembolsar os clientes. Findo esse prazo, na ausência de pagamento, o fundo paga.
Perda de alvará
As agências que não cumpram os reembolsos têm 15 dias para devolver o dinheiro avançado pelo fundo. Se não restituírem esse montante, perdem o alvará, garante a APAVT.
364 agências fecharam
Entre março de 2020 e 17 de janeiro, no Registo Nacional das Agências de Viagem e Turismo, 364 agências cancelaram a atividade, 65 suspenderam e 254 abriram. Há 2632 agências ativas.