Projeto monitoriza as áreas, tempo e quantidade de apanha de percebes nas ilhas Reserva da Biosfera.
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As tatuagens de Acácio Grandela, 49 anos, são as marcas pela apanha de percebes nas rochas das Berlengas, Peniche. Já partiu um braço, uma perna, a clavícula... O presidente da Associação de Mariscadores das Berlengas nunca viu a morte à frente, mas assegura que a apanha de percebes nas Berlengas "ia a caminho do abismo" se o projeto Co-Pesca 2 não tivesse sido implementado, em 2017.
Foi nessa altura que o MARE - Centro de Ciências do Mar do Instituto Politécnico de Leiria (IPL), sediado no porto de pesca de Peniche, convenceu os 40 "vizinhos" apanhadores com licença a serem voluntariamente monitorizados. Para isso colocaram um GPS em cada uma das 13 embarcações que os levam às ilhas e deram-lhes um relógio (smartwatch). Desta forma ficam a saber onde e durante quanto tempo apanham os crustáceos. Para fechar este processo criaram no porto um "checkpoint" onde pesam o produto. Cada um pode apanhar no máximo 20 quilos por cada dia dos três autorizados (terça, quarta e quinta-feira), de abril a julho e de outubro a dezembro.
Sérgio Leandro, diretor da Escola Superior de Tecnologia do Mar do IPL em Peniche, conta que inicialmente "não foi fácil" convencer os apanhadores, "mas com o tempo foram-se apercebendo que o nosso objetivo era apoiá-los e não vigiá-los de forma a garantir o equilíbrio entre o que natureza produz e o que lhe é retirado".
"Era cada um por si..."
Acácio Grandela diz que passados quase quatro anos, a mensagem de respeito pelos recursos entrou na cabeça dos apanhadores, graças também ao espírito de equipa criado pelo projeto. "Era cada um por si... apanhavam mais do que o permitido. Agora, em grupo, decidimos em que dias vamos, consoante o mar e o mercado, e todos cumprem", explica. "Não vale a pena irmos apanhar se o mercado não precisa, porque isso vai baixar o preço, desgastando simultaneamente os recursos".
Os percebes são dos petiscos do mar mais valorizados por causa da dificuldade da apanha. Os homens saltam do barco para as rochas com a arrilhada (objeto de ferro) para desprender os percebes da pedra. Outros sacam-nos debaixo de água, mergulhando em apneia. "É perigoso", afirma Acácio.
Perigoso mas rentável. Os percebes das Berlengas "podem ser vendidos para as marisqueiras de Lisboa a 70 euros o quilo, mas se for para Espanha, chegam aos 250 euros", revela.
Leandro elogia o facto do Co-Pesca 2 ter permitido, no final do ano passado, a criação do comité de cogestão da apanha de percebe nas Berlengas. "O assumir de compromissos entre os mariscadores, biólogos e entidades gestoras e fiscalizadoras é determinante para implementar uma correta exploração económica do percebe sem colocar em causa os recursos num território classificado pela UNESCO como Reserva da Biosfera", resume o diretor.
Usam os rejeitados para criar produtos "saborosos"
São investigadores de diversas áreas mas parecem chefes de cozinha. Dos laboratórios do Centro de Ciências do Mar de Peniche saem produtos alimentares para uma "ementa" onde há "pratos fixos": inovação, utilização de espécies sem valor comercial, aproveitamento de subprodutos e sabor. No mercado já circulam hambúrgueres de cavala, pão, bolachas, bolo, gelados, azeite e gin, tudo com algas e todos estes a pedido de empresas. Mas há mais, criados pelos cerca de 20 investigadores de Peniche, que aguardam quem os queira comercializar. São os casos das salsichas de carapau-negrão com algas, hambúrguer vegan, paté de percebe com amora silvestre ou afiambrado de pescado com algas.
Maria Manuel Gil, coordenadora do MARE em Peniche, engenheira alimentar, garante "a qualidade e o sabor" das inovações desenvolvidas pelos "chefes de laboratório" ao longo de muitos meses. E sorri quando conta que têm de andar a pedir por favor aos pescadores que lhes tragam do mar espécies - como o carapau-negrão, choupa ou minissaia - que, por pouco ou nada valerem no mercado, não chegariam a terra. Maria acredita que têm potencial para serem consumidos "porque são saborosos e fáceis de confecionar", "alargando assim o leque das espécies que podem contribuir para a sustentabilidade alimentar". É esse o fim último dos investigadores, daí que os projetos, financiados por fundos comunitários, sejam entregues às empresas quase sem custos.