Apesar do confinamento e do teletrabalho, 121 pessoas morreram em 2020, igualando o registo de 2019. Setores com mais sinistros não pararam, diz a Autoridade para as Condições de Trabalho.
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A pandemia não baixou o número de acidentes de trabalho mortais, apesar dos períodos de confinamento e da obrigatoriedade do teletrabalho. De acordo com os dados disponíveis no site da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), no ano passado, 121 pessoas perderam a vida em contexto laboral. Trata-se do mesmo número de vítimas quando comparado com 2019, ou seja, no período pré-covid. Até junho deste ano, contabilizavam-se já 37 acidentes fatais.
Em contrapartida, houve uma redução significativa nos acidentes graves registados, passando de 506 em 2019 para 340 em 2020. Feitas as contas, em média, todos os dias ocorre um acidente grave ou mortal em contexto laboral.
A construção, as indústrias transformadoras, a agricultura e a produção animal respondem pela maioria dos sinistros. São setores que, justificou a ACT ao JN, "não pararam a atividade na pandemia".
Segundo as informações disponíveis no site da autoridade do trabalho, atualizadas em junho deste ano, a maioria dos sinistros mortais ocorreu nas instalações das empresas, sendo que a esmagadora maioria das vítimas são homens.
Lisboa é o distrito com mais acidentes fatais nos últimos três anos. Em 2020, com mais de 10 vítimas, estão ainda o Porto, Aveiro e Setúbal. No ano passado, só o distrito da Guarda não teve vítimas no trabalho. Vila Real e Portalegre contabilizaram uma morte.
No que toca a acidentes graves, desde 2018 o número tem vindo a cair, passando de 550 sinistros para 506 em 2019. Já no ano passado, registaram-se 340 pessoas com ferimentos graves.
De acordo com a ACT, as empresas com acidentes graves e mortais são alvo de inspeções regulares, através de "visitas inspetivas focadas na sensibilização para a importância da análise e implementação de medidas preventivas e corretivas", com o objetivo de garantir "as condições de segurança e saúde em todos os locais de trabalho e para todos os trabalhadores".
cgtp pede mão firme
Frisando que "a prevenção de acidentes de trabalho é um dos focos estratégicos da intervenção", a ACT acompanha as entidades com acidentes de trabalho mortais e graves no ano corrente e no ano posterior ao sinistro, de forma a "verificar quais as medidas que foram adotadas pelo empregador para evitar situações idênticas".
Para Luís Dupont, dirigente da Comissão Executiva da CGTP, a sensibilização não basta para reduzir as mortes no trabalho. O sindicalista considera que, em contexto pandémico, era "expectável" uma redução de acidentes, tendo em conta o teletrabalho, o layoff e o aumento do desemprego.
"Os empregadores continuam a olhar para a segurança no trabalho como um custo e não como um investimento. A lei existe e tem ferramentas suficientes para se poder atingir níveis mais positivos. Temos de criminalizar tudo o que é a não aplicação de normas legais nas empresas", disse.
Referindo que o número de vítimas é "preocupante", Vanda Cruz, responsável pelo Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho da UGT, considera que as ações de sensibilização e prevenção para empregadores e trabalhadores, bem como a fiscalização, são fundamentais para a redução dos números.
Construção civil é o setor com mais vítimas mortais
A construção civil é o setor com mais vítimas mortais, de acordo com os dados disponíveis no site da Autoridade para as Condições do Trabalho. Ainda assim, os sinistros fatais associados à atividade têm vindo a diminuir. Em 2018, o setor registou 44 acidentes mortais contra 39 no ano passado. No leque de atividades com mais mortes, seguem-se as indústrias transformadoras, agricultura e produção animal, as atividades administrativas e dos serviços de apoio e os transportes e armazenagem. O cenário é idêntico em relação aos acidentes de trabalho graves. Recorde-se que, há cerca de um mês, o Sindicato da Construção de Portugal afirmou que sete em cada dez acidentes de trabalho mortais no setor "eram evitáveis" e exigiu uma maior fiscalização.
À lupa
Perfil do acidentado
Tanto as vítimas mortais como os feridos graves são, sobretudo, cidadãos portugueses, homens, com idades compreendidas entre os 35 e 64 anos. São operários ou artífices, com contrato de trabalho sem termo.
UE com estratégia
A Comissão Europeia quer reduzir a zero o número de acidentes mortais em contexto laboral e está a delinear uma estratégia sobre segurança no trabalho. A estratégia vai abordar questões como a exposição a substâncias perigosas e os riscos de acidentes no trabalho, bem como o bem-estar, a saúde mental e os riscos psicossociais para trabalhadores.