Com o preço do ouro a atingir máximos históricos, as lojas registam um aumento do interesse em vender peças usadas. As famílias tentam obter dinheiro para manter o nível de vida que tinham antes da pandemia. Há marcas a duplicar lojas.
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"Já se sente o aumento de particulares a vender ouro. Vê-se muito a necessidade de liquidez rápida das famílias e, quando falta o dinheiro, havendo ouro, é o ouro que se vende". As palavras são de Judá Chester, presidente executivo da Divervalor, ao JN, empresa que tem em Portugal 35 lojas de compra de ouro e que, até ao final do ano, prevê chegar aos 70 estabelecimentos comerciais.
Com a pandemia, o lay-off, o desemprego e a redução nos rendimentos das famílias, a corrida à venda de ouro usado está novamente em alta, tal como aconteceu em 2011 quando a troika esteve em Portugal. "Sempre que há crises, e esta é grande, existe a tendência de recorrer à venda de ouro para obter dinheiro para fazer face às necessidades do dia a dia", esclareceu Fátima Santos, secretária-geral da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP).
"Investimento seguro"
A nível mundial, o preço do ouro está a bater recordes com o grama a valer mais de 50 euros. "Em tempos de incerteza, a compra de ouro é um refúgio para os investidores porque é sempre um investimento certo", afirmou fonte de uma empresa de análise de mercados.
Há 370 lojas de ouro usado, a maioria delas no Norte do país, e 3000 lojas de venda de ouro registadas na Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal
"Com o aumento de casos de covid-19 em todo o Mundo, com a incerteza das relações entre os Estados Unidos e a China e com a economia instável, sem dúvida que comprar reservas de ouro é um investimento seguro", afirmou a mesma fonte. E se quem tem mais dinheiro compra, os que têm mais dificuldades económicas vendem o ouro e as joias que ainda têm.
"As pessoas estão a trocar património por alguns euros. No imediato, até podem resolver alguns problemas mas, mais tarde, isso pode levar a um grande arrependimento por terem vendido filigranas e outras joias por preços muito abaixo do seu valor", referiu Fátima Santos. E explica: "As lojas que compram ouro apenas fazem contas ao peso do ouro e não avaliam as pedras nem a arte que as joias possuem".
Ainda há muito ouro
O primeiro a ser vendido são alianças de casamento, fios, pulseiras e anéis. Só depois aparecem os colares, os alfinetes de peito, brincos e relicários. "A necessidade económica é que faz as regras do negócio e, nesta altura de crise, o ouro está a um preço elevadíssimo", explicou Fátima Santos.
Quem está no negócio acredita que, em Portugal, as famílias ainda têm muito ouro para vender. "Durante várias décadas, as pessoas compravam ouro para si e para oferecer. Ninguém vendia. Há uns anos, com a crise, as famílias começaram a desfazer-se do ouro, mas ainda há muito guardado", salientou Judá Chester.
A secretária-geral da AORP também acredita que, por tradição, as famílias ainda têm ouro. "Este é um ano negro para a indústria, porque não há clientes para comprar joias ou ouro. Não há celebrações e não se oferecem presentes", referiu.
Nos últimos dez anos, a Divervalor comprou cerca de 20 toneladas de ouro em Portugal que, depois de transformado em barras, exportou para "países europeus". "Há uma reciclagem do ouro, derrete-se um objeto para fazer outro", salientou Judá Chester, garantindo que as "joias e obras de arte" que são vendidas por particulares à sua empresa são "analisadas, reavaliadas e, em muitos casos, não são derretidas".
À lupa
734 toneladas
Segundo o Conselho Mundial do Ouro, os exchange-trade funds (ETF, os fundos de investimento transacionados em bolsa) somaram 734 toneladas na primeira metade de 2020. Mais do que em qualquer ano anterior completo. Em junho, apesar da covid, aumentaram 104 toneladas.
Tendência para ficar
O preço do grama de ouro passou de 10 euros, em 2011, para mais de 50 euros em 2020. A tendência é para que o preço continue a subir.
Nova rede de lojas
A Valores, marca portuguesa que compra e vende ouro usado e outros metais preciosos, quer reforçar a posição em Portugal e chegar ao final de 2021 com uma rede de 230 lojas, mais 200 do que as que tem agora. Este ano, quer abrir mais 50 agências.
Ouro inglês
Aos portos de Viana do Castelo e Gaia chegavam, antigamente, as libras inglesas para pagar o gado Barrosão e o vinho do Porto. As moedas ou eram vendidas e derretidas ou eram transformadas em brincos, pingentes e anéis. Algumas destas joias estão a ser vendidas agora.