Passageiros domésticos da TAP enchem Lisboa e criam pressão para novo aeroporto
Estratégia de hub e concentração de voos da TAP têm justificado urgência na construção de novo aeroporto na capital.
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No ano pré-pandemia de 2019, o aeroporto de Lisboa movimentou mais de 38 milhões de passageiros - capacidade máxima -, mas é a estratégia de "hub" da TAP que estará a saturar a Portela. Segundo os dados da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) sobre o "hub" da TAP, Lisboa tem tantos passageiros domésticos como intercontinentais. Sem a ocupação com rotas retiradas ao Porto e a Faro e pontes aéreas, Lisboa teria espaço para crescer, sem urgência num novo aeroporto. O Ministério das Infraestruturas crê que a saturação do aeroporto resulta da "procura crescente" e não da estratégia da companhia.
Segundo o estudo da EY para a CTP, em 2019, no aeroporto de Lisboa, só 13% dos voos eram de e para outros continentes (América 8%, África 4% e Ásia e Oceânia 1%), gerando um total de 3,7 milhões de passageiros. A maioria (87%) era da Europa. Lisboa recebeu quase 26,2 milhões de passageiros europeus, entre os quais se contam os domésticos. Os passageiros em trânsito de voos não domésticos são contados duas vezes, quando desembarcam e quando embarcam (13,3 milhões).
Quanto aos voos domésticos, segundo o relatório anual da Aviação Civil de 2019, os passageiros ascenderam a 12% do total, o que equivale a 3,7 milhões - tantos quantos os viajantes intercontinentais. A ANA - Aeroportos de Portugal confirma que "a falta de slots dificulta o desenvolvimento de novas rotas intercontinentais". A TAP ocupa 26 diariamente para o Porto e Faro.
"Para quê manter rotas e passageiros que pesam na infraestrutura e que nada trazem ao país quando se tem uma lista de espera de companhias interessadas em operar destinos relevantes para o mercado português?", questiona o consultor de aviação e fundador da Sky Expert, Pedro Castro.
Voos a evitar
Em 2019, os movimentos para o Porto ocuparam quase tanto a pista da Portela como os da rota mais rentável de Madrid (1,1 milhões de passageiros). Em contrapartida, no Porto, a rota para Lisboa ocupou quase tantos movimentos como os conseguidos para Madrid ou Paris Orly, que a TAP abandonou e hoje são exploradas com sucesso por companhias estrangeiras.
"Algumas dessas operações têm grande impacto na saturação em Lisboa", alerta Maria Baltazar, especialista em operações aeroportuárias e gestão de aeroportos, que defende que Beja poderia ajudar a desanuviar a Portela (ler mais ao lado).
A rota entre Lisboa e Faro contribuiu com quase 291 mil passageiros na Portela, a que se junta a ligação ao Funchal (mais de 1 milhão de passageiros) e Ponta Delgada (mais de 841 mil). Se forem expurgados de Lisboa metade dos passageiros em trânsito (contados duas vezes) e os domésticos que o "hub" da TAP obriga a ir à capital para apanhar voos, a Portela teria um tráfego anual inferior a 30 milhões de passageiros. E estes voos fazem cada vez menos sentido, quando, na Europa, já se proíbem aviões entre destinos próximos.
"Em vários países europeus, as companhias estão a ser obrigadas a desistir de voos de curta distância. Em Portugal, TAP e CP pertencem ao mesmo dono e, em vez de cooperarem, concorrem em preço e frequência", lamentou Pedro Castro: "A TAP tem uma maior relação, inclusive permite acumular milhas no seu programa, com a Deutsche Bahn do que com a CP".
"Porto e Faro ficam a pouco mais de três horas de comboio, as viagens aéreas podem não ser essenciais nestas rotas e libertariam slots para outros mercados", analisou, por sua vez, James Pearson, analista de rotas baseado no Reino Unido. "Mas são essenciais para alimentar o hub", reconheceu, admitindo que, "se a TAP deixasse de existir, sobraria muito espaço em Lisboa que outras companhias iriam aproveitar".
"A TAP tem vindo a concentrar operações em Lisboa, chegando a 97% este mês, quando era de 84% em 2010", mas Pearson acredita que tal se deve à necessidade da empresa. "Os passageiros em trânsito fornecem volume e receitas cruciais, sem os quais seria difícil a TAP ser viável", disse.
TAP faz como congéneres
Fonte do Ministério das Infraestruturas considerou que "a TAP faz o que fazem todas as suas congéneres", "procurando atingir rentabilidade financeira". Além disso, acrescentou que "não é a estratégia de hub da TAP que está a saturar o Aeroporto Humberto Delgado, mas sim a procura crescente".
Não é tanto o turismo nacional que precisa do novo aeroporto. A maioria dos passageiros de Lisboa não está relacionada com o "hub"e o estudo da CTP refere que só 9 milhões eram turistas. Muitos nem têm Lisboa como destino: 25% dos turistas do Norte são obrigados a chegar através da capital, subindo a percentagem para 59% para os do Centro. Até Lisboa podia ter mais turistas, se os voos domésticos não estivessem a "bloquear slots e a concorrência", frisa Pedro Castro.
Abandono do Porto foi positivo
Quando a TAP abandonou sete das 12 rotas que tinha no Porto, nesta primavera, a companhia aérea perdeu 70 mil passageiros. No entanto, o aeroporto "mais do que compensou a perda e, hoje, é o que mais cresce em valores absolutos". Segundo um estudo da Sky Expert com base nos dados da Air Service One, o aeroporto do Porto está a crescer 2%, o que significa mais 25 mil passageiros face a 2019. A TAP estava a perder 30% no Porto em junho.
Slots livres
Apesar de haver oito horários com zero slots, esta quarta-feira, em Lisboa, há outras 50 livres nas chegadas e mais 77 nas partidas, segundo o site informativo www.online-coordination.com.
Novas rotas
Com os 5% das slots (18 diárias) de Lisboa que a TAP foi obrigada a ceder, a Easyjet anunciou 13 rotas novas. Entre Porto e Faro, a TAP ocupa diariamente 13 pares de slots na Portela.
Gestão de slots poderia aliviar a Portela, defende Pedro Castro, diretor da Sky Expert
O aeroporto de Lisboa podia estar menos saturado com outra gestão?
Uma aposta maior noutros aeroportos permitiria aliviar Lisboa e uma melhor redistribuição do turismo pelo país. As quatro novas rotas da Easyjet para a Madeira vão dar maior acesso à ilha sem passar por Lisboa. Quanto mais bem servido estiver o resto do país com voos diretos, menor a pressão sobre Lisboa.
A TAP eliminou algumas em nome do hub...
Uma média de 55% dos passageiros TAP apenas trocam de avião em Lisboa. Em rotas como Dacar, Acra, Conacri, Banjul, Abidjã esse valor ultrapassa os 90%. São passageiros que pesam na infraestrutura, mas cujo contributo económico é muito limitado. Para esses passageiros é indiferente se estão a mudar de avião em Lisboa, Porto Santo ou Beja.
Demasiadas slots estão ocupadas com rotas domésticas?
Os voos domésticos para Porto e Faro - apenas operados pela TAP - ocupam 13 pares de slots (26) na Portela. Se faltam slots, porque não desistir desses slots domésticos e entregá-los a quem faça outra coisa deles? Em vários países europeus (Áustria, Alemanha, França, Holanda), as companhias estão a ser obrigadas a desistir de voos de curta distância - não só como imposição legal, mas também como "moeda de troca" das ajudas estatais recebidas.