Em cada dez euros gastos pelo setor público, nove são sustentados por verbas da coesão da União Europeia. Ferrovia, educação e saúde estão entre as áreas que receberam mais dinheiro proveniente de Bruxelas.
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Portugal é o país da União Europeia (UE) que mais depende dos fundos europeus, de acordo com um relatório recente do Tribunal de Contas Europeu (TCE) sobre o futuro da política de coesão. Em cada dez euros de investimento público nacional, nove euros vêm dos fundos da coesão, que se destinam às regiões mais pobres.
A política de coesão está no centro das acesas discussões e polémicas que têm preenchido os dias que antecedem a apresentação do próximo quadro financeiro plurianual da UE, agendada para amanhã (ver na página seguinte). Por ser o país mais dependente dos fundos da política de coesão, Portugal está na expectativa para ver se existem reduções orçamentais ou alterações ao modelo de distribuição.
O relatório do TCE mostra que, durante os anos do pacote de fundos do Portugal 2020 (2014-2020), cujas contas só fecharam agora, 90% do investimento público português foi financiado por verbas da política de coesão. Portugal é, de longe, o país mais dependente. Em segundo lugar está a Croácia, com uma dependência de 69%. Entre os países mais próximos em termos geográficos, a Espanha tem uma proporção de 25% de fundos europeus no total do investimento público, Itália tem 17%, França e Bélgica 3% e o Luxemburgo 1%.
No caso português, estão em causa investimentos em quase todos os setores da sociedade, com destaque para a área das infraestruturas, onde os fundos europeus permitiram executar dois mil milhões de euros do Ferrovia 2020.
O investimento público também foi relevante ao nível da educação e saúde, através do financiamento de programas ocupacionais e de formação de adultos, mas também na compra de equipamentos para hospitais e centros de saúde ou apoio a projetos de prevenção e controlo de doenças, incluindo nas adições.
Ministros são críticos
Os gastos do Estado que são sustentados com dinheiro comunitário estão em quase todos os atos da vida quotidiana dos cidadãos. Do aproveitamento das águas ao tratamento de resíduos, passando pelas estradas ou transportes públicos, até aos hospitais, creches, lares e escolas.
A excessiva dependência dos fundos de coesão já foi alvo de reparos de pelo menos dois ministros. Manuel Castro Almeida, que tutela os fundos europeus, reconheceu que existe “uma tendência eterna” para os fundos “substituírem despesa pública”, o que “é um erro”. Também José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, considerou a dependência portuguesa “preocupante”, ressalvando que “se não fossem os fundos, a qualidade de vida era muitíssimo inferior”.
A política de coesão dispõe de um terço do orçamento plurianual da UE para o período de 2021 a 2027. Dos 1,2 biliões de euros de orçamento total, as verbas da coesão são cerca de 400 mil milhões de euros, divididos por quatro “pacotes”: o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o mais valioso e destinado ao desenvolvimento económico e social das regiões mais pobres; o Fundo de Coesão, destinado ao investimento em ambiente e mobilidade dos países mais pobres; o Fundo Social Europeu, que apoia a criação de emprego e a inclusão social; e o Fundo para a Transição Justa, destinado a compensar os países mais afetados pelas alterações climáticas.
O TCE refere que, “em Portugal, a convergência regional resultou do crescimento mais lento no passado em regiões que antes apresentavam alto desempenho”. Ou seja, deixou de ser canalizado tanto dinheiro para as regiões mais ricas (sobretudo Lisboa, mas também a Madeira), e apostou-se nas mais pobres (Norte, Centro, Alentejo e Açores). O Algarve é região de transição.
Perguntas & Respostas
O que é o quadro financeiro plurianual da UE?
É um documento que define os limites máximos da despesa da UE por um período mínimo de cinco anos, geralmente sete. O atual quadro financeiro vai de 2021 a 2027 e é de 1,2 biliões de euros, dos quais cerca de 400 mil milhões (33%) são fundos de coesão destinados às regiões pobres. A agricultura também recebe um terço do orçamento.
Para que países vai o dinheiro?
Todos os países contribuem e recebem. Porém, no final das contas, uns serão contribuintes líquidos (pagam mais do que recebem) e outros serão beneficiários líquidos (recebem mais do que pagam).
Quanto “lucra” Portugal ?
Portugal recebe mais fundos do que aqueles que dá à UE. Em 2024, os fluxos de verbas entre a UE e Portugal resultaram num “lucro” de 3,7 mil milhões de euros, o que equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Segundo um estudo do Banco de Portugal, o ganho médio do país com os fundos da UE representou, em média, 1,6% do PIB entre 1996 e 2024.
Que países contribuem mais?
Os países que mais contribuem são a Alemanha, França, Itália e Espanha. São também estes, com exceção de Espanha, que defendem maior centralização da execução dos fundos de coesão.
Quanto investe Portugal?
O investimento público foi, em 2024, de 7,7 mil milhões de euros.