Instituições cobram quatro vezes mais pelo crédito do que pagam pelas poupanças. Medina chamado a explicar porque mudou certificados de aforro.
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O stock de depósitos dos bancos que operam em Portugal diminuiu 8 mil milhões de euros desde o início do ano, revelou na segunda-feira o Banco de Portugal (BdP). É uma perda média de 67 milhões de euros por dia, entre janeiro e abril, o que mostra que os depósitos não têm sido atrativos para os portugueses. A taxa de juro média dos depósitos subiu para 1,03%, mas a do crédito à habitação também continua a subir e é quase quatro vezes maior: 3,97%.
Em abril, segundo o BdP, havia 174 mil milhões de euros depositados nos bancos portugueses. O valor ainda é mais alto do que no pré-pandemia, mas está a descer ao ritmo de 67 milhões de euros por dia. O dinheiro é levantado para amortizar crédito, financiar investimentos ou comprar certificados de aforro. Qualquer destes cenários está a ser mais atrativo do que os 1,03% com que os bancos remuneraram em média os depósitos em abril. Esta taxa está a subir, mas Portugal ainda é o terceiro país da Zona Euro que paga menos por depósitos. Em contrapartida, somos o oitavo onde se paga mais pelo crédito à habitação (ver infografia).
António Ribeiro, economista da Deco Proteste, afirma que a série E dos certificados de aforro, com que o Governo decidiu acabar na passada sexta-feira, "exercia alguma pressão" sobre os bancos, pois era mais atrativa que os depósitos "e por isso é que estava a sair muito dinheiro". Ou seja, estava a obrigar os bancos a subir as taxas dos depósitos, sob pena de ficarem sem dinheiro. Agora a nova série F "veio refrear um pouco" essa tendência, acrescenta, pois remunera com uma taxa base de 2,5% e não de 3,5%, como a série E. A taxa anual líquida, que tem em conta o prémio de permanência, passou de 3,1% na série E para 2,4% na série F, portanto "há aqui um corte significativo", contabiliza.
Ontem, a Associação Portuguesa de Bancos revelou que as instituições bancárias "não tiveram conhecimento prévio" da decisão que as autoriza a vender certificados da série F. "Cada banco procederá à sua análise e decidirá", logo que se conheçam as condições de venda, nomeadamente as comissões que podem ganhar.
CGD remunerou a 1,5% em abril
Ao JN, fonte oficial da Caixa Geral de Depósitos (CGD) informou que teve, em abril, uma remuneração de depósitos acima da média: "A CGD tem vindo a lançar um leque vasto e diversificado de depósitos a prazo com taxas de juro acima da média no contexto atual, com a taxa média de subscrição de novos depósitos a prazo no mês de abril acima de 1,5%".
A Deco Proteste "continua a recomendar a subscrição de certificados de aforro", adianta António Ribeiro, mas ressalva que há um conjunto de depósitos a prazo que pagam mais. É o caso dos 4% do banco Big a seis meses com um mínimo de depósito de 25 mil euros. "São depósitos que procuram captar novos clientes e novos montantes. Muitas vezes exigem um montante mínimo elevado, são bancos pequenos, muitos deles só têm um balcão em Lisboa, e são bancos online", revela o economista.
O secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, justificou o fim da série E dos certificados de aforro com a necessidade de o Estado se preparar "para o acréscimo dos juros". No entanto, há quem duvide da intenção (ver na página seguinte) e alguns partidos da Oposição têm acusado o Governo de ceder aos bancos.
O Bloco de Esquerda e o Chega entregaram, ontem, requerimentos para ouvir Fernando Medina, com urgência, na Assembleia da República. O líder do PSD, Luís Montenegro, acusou o Governo de ter favorecido "os interesses da banca" em detrimento da "maioria dos portugueses". Tal como Marcelo Rebelo de Sousa já fez várias vezes, a última das quais ontem. Montenegro apelou aos bancos para que possam conceder "uma retribuição maior" nos depósitos.
Perguntas
Qual a diferença entre certificados de aforro e depósitos a prazo?
Os certificados de aforro são títulos de dívida, em que os portugueses emprestam dinheiro ao Estado em troca de juros. Os depósitos são um produto bancário em que particulares e empresas recebem juros em troca de manter o dinheiro depositado.
Qual é a remuneração da nova série?
A taxa base aplicável à série F é determinada mensalmente, no antepenúltimo dia útil do mês, para vigorar no mês seguinte e corresponde à média dos valores da Euribor a três meses observados nos dez dias úteis anteriores. Foi lançada ontem a 2,5%, mas cresce consoante o prazo de permanência.
Qual o montante mínimo e máximo?
O valor nominal de cada certificado de aforro é de um euro e a subscrição mínima é de 100 unidades, ou seja, 100 euros, e a máxima de 50 mil unidades, isto é, 50 mil euros.
E se já tiver certificados da série E?
A portaria do Governo define um máximo de certificados da série F em acumulação com os da série E de 250 mil euros.
Qual o prazo máximo?
Era de dez anos na série E e passa para 15 anos.
Há algum prémio de permanência?
Sim. Começa em 0,25% entre o segundo e o quinto ano. Nos dois últimos anos atinge os 1,75% sobre a taxa-base.
Esta nova série apresenta condições menos vantajosas face à anterior?
Sim. A remuneração máxima base baixa de 3,5% para 2,5% e o prémio de permanência sofre reduções. Segundo a Deco Proteste, no final do prazo, a taxa anual líquida era de 3,1% e desceu para 2,4%.
Tem havido uma corrida à subscrição?
As subscrições de certificados de aforro ultrapassaram os 11 mil milhões de euros nos primeiros quatro meses do ano. É mais do que em todo o ano 2022 (7,2 mil milhões).
Onde posso subscrever?
Para já, através do AforroNet, nas lojas dos CTT ou na rede de Espaços Cidadão.