Aumento de preços de energia, combustíveis e matérias-primas pára obras e deixa concursos de luz e gás desertos. Municípios querem lei para reequilibrar contratos.
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A escalada dos preços da energia, dos combustíveis e das matérias-primas está a pressionar as finanças municipais e a estrangular as câmaras, inundadas por pedidos de reequilíbrio financeiro pelos fornecedores. A lei não permite o reequilíbrio de contratos em curso, punível com perda de mandato, e deixa autarquias de mãos atadas. Com o disparar da despesa corrente, sobrará pouco ou quase nada para investimento e Portugal corre o risco de ter de devolver fundos comunitários do PT 2020 por não conseguir concluir empreitadas, algumas já iniciadas.
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Há obras públicas paradas e abandonadas, concursos desertos para dotar equipamentos públicos de energia, concessionários dos serviços de limpeza urbana a pedirem revisões de preços e empresas a exigirem uma subida de 50% para fornecer refeições escolares no próximo ano letivo. A fatura da iluminação das ruas disparou, o que levou concelhos como Amadora, Sintra, Viana do Castelo, Lamego, Leiria, Porto de Mós, Pombal e Portimão a desligar candeeiros e luzes ornamentais e/ou a reduzirem o horário das luminárias. E a antiga reivindicação dos autarcas para baixar o IVA da iluminação pública para 6% já nem chega para cobrir os custos.
Faro está a viver em dilema. O contrato de eletricidade (edifícios e iluminação) terminou em novembro e, após o concurso público para renová-lo, nenhuma das quatro empresas que tinham concorrido aceitou fechar contrato. O serviço mantém-se em ajuste direto e, ao preparar uma nova consulta, chegam orçamentos que elevam a fatura de dois milhões para 15 milhões por ano. "O orçamento anual da Câmara de Faro é de 60 milhões. Não posso gastar 25% em eletricidade. Costumo gastar seis a 10 milhões em investimento. Este ano, só reservei um milhão e o resto é para pagar energia e não vai chegar", lamenta Rogério Bacalhau. O autarca alerta que "haverá municípios mais pequenos sem condições para suportar estas despesas fixas".
ANMP discute dificuldades
Do Norte ao Sul, o cenário de crescentes dificuldades repete-se. E, na terça-feira, o tema estará em discussão na reunião do Conselho Diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
"Os presidentes de câmara dizem que, nos últimos meses, tem sido impossível lançar procedimentos e encontrar prestadores de serviço na energia. Os concursos ficam desertos", adverte Hélder Sousa Silva, presidente de Mafra e dos autarcas sociais-democratas e vice-presidente da ANMP. Para o autarca, a redução do IVA da iluminação pública passou a ser um detalhe. "A dimensão do problema é muito maior e são necessárias medidas de fundo", argumenta. É preciso que a lei permita "rever os contratos com os prestadores de serviço, que ameaçam parar por não suportarem os custos".
Gaia, por exemplo, conta as seis vezes em que o concurso para abastecer de gás os pavilhões e as piscinas municipais ficou deserto, sendo empurrada para um "modelo de ajuste direto com uma variação de preço ao dia. A única alternativa era fechar os pavilhões e as piscinas municipais", sintetiza Eduardo Vítor Rodrigues. O autarca de Gaia e líder da Área Metropolitana do Porto sublinha que o agravamento das matérias-primas está a ter impacto em várias áreas de ação municipal. "De um dia para o outro, a farinha aumentou 30% e damos pão a 16 mil crianças diariamente", exemplifica.
Para não falar de obras públicas paradas e abandonadas. Algumas financiadas por fundos do PT 2020 que, se não forem gastos, terão de ser devolvidos a Bruxelas. "Só se resolve com o reequilíbrio dos contratos que passou a ser ilegal. O fornecedor prefere não fornecer do que perder dinheiro e os ajustes diretos são mais onerosos do que o reequilíbrio de um contrato em curso", justifica Eduardo Vítor, para quem o novo Governo tem dois caminhos: "ou renova o espírito de confiança nos autarcas ou fica amarrado a uma solução que levará a devolver muito dinheiro a Bruxelas".
E, a manterem-se as câmaras estranguladas por despesas fixas e sem fôlego para investir, abrem-se más perspetivas para a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). "Lançámos concursos a pensar no PRR e os valores dos projetos já não têm adesão à realidade do mercado", revela Miguel Alves, presidente de Caminha e do Conselho Regional do Norte. "A bazuca já não é uma pipa de massa e parece uma vasilha. O valor do dinheiro diminuiu".
EXEMPLOS
Caminha
Rever orçamento em abril
Por causa da subida de preço dos combustíveis, a Câmara de Caminha, tal como muitos municípios do país, terá de rever o orçamento municipal já em abril, reforçando as verbas para cobrir esta despesa.
Moita
Nem com LED lá vai
Apesar de ter luminárias LED em 95% do concelho, o Município da Moita diz que o "aumento do custo de energia terá um forte impacto no orçamento". Embora mantenha o empenho em modernizar a iluminação pública, será "claramente insuficiente".
Grande Porto
Reunião no dia 25
Os autarcas da Área Metropolitana do Porto reúnem-se no dia 25 com a ANMP e a escalada de custos estará na agenda.