O banco de Portugal considerou que o Novo Banco não tem obrigação de devolver o dinheiro dos clientes que aplicaram as suas poupanças em papel comercial do BES (títulos de dívida de curto prazo), mas poderá fazê-lo se houver interesse comercial.
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A deliberação foi comunicada na sexta-feira , após uma reunião com representantes da Associação Indignados e Lesados do Papel Comercial (AILPC) que garantem que não foi aquela a mensagem transmitida no encontro.
"O que se passou na reunião foi que tentaram empurrar-nos juridicamente para o BES, o que rejeitámos. Não aceitamos este recuo por parte do BdP e do Novo Banco, que combinaram a estratégia para não nos pagarem", afirmou Ricardo Ângelo, presidente da AILPC.
Se a posição do BdP não se alterar, a AILPC vai "avançar com um processo judicial contra o BdP e, eventualmente, contra o Novo Banco" para reaver os montantes investidos por cerca de 2500 clientes em "aplicações de capital garantido com taxas de juro semelhantes às dos depósitos a prazo", rejeitando a possibilidade de o Novo Banco "decidir que paga aos que interessam e deixa os mais pobres ou mais velhos sem nada".
Ricardo Ângelo recorda que "sempre foi garantido que o dinheiro seria devolvido, mas foi havendo adiamentos: primeiro era em agosto, depois em setembro, depois era o Novo Banco que ia pagar e agora dizem que não nos pagam". Os montantes investidos surgem nos extratos bancários com a designação "valores mobiliários". Até isso, afiança o presidente da AILPC, tem contribuído para "manter os clientes iludidos, pois alguns já se disseram descansados porque o dinheiro aparece no extrato".
São as notícias que acordam muitos para a realidade e, no sábado, "os telefones da AILPC não pararam de tocar, numa manhã juntaram-se 70 associados, que ligaram a chorar porque estão desesperados e a passar muitas dificuldades". Muitos são "idosos e pessoas com baixa literacia financeira, alguns sinistrados que ficaram paraplégicos e aplicaram as indemnizações naquele produto e agora não têm como sobreviver". Ricardo Ângelo está "preocupado com o que pode acontecer, porque há pessoas dispostas a atos desesperados e a AILPC não tem responsabilidade sobre isso, nem consegue controlá-los".
Na próxima quinta-feira, a AILPC irá comparecer na Comissão de Inquérito do BES e está agendada uma manifestação em Coimbra, junto ao Novo Banco e do BdP.
Família perdeu 350 mil euros
Francisco Pinto vive em Leça da Palmeira, tem 8 anos e será um dos mais jovens lesados do papel comercial do BES. Não é rico, mas todo o dinheiro que recebeu de prenda durante a sua curta vida - 6 a 7 mil euros - foi ajudar a engrossar o montante que a mãe e os avós colocaram naquela "aplicação garantida como um depósito a prazo, assegurou, na altura, a gestora bancária". A mãe, Inês Castro, diz que "não se consegue explicar a uma criança que tentamos educar por que é que um sítio que devia ser seguro, um banco, ficou com o dinheiro dele". Depois do que se passou, o Francisco passou a "guardar todo o dinheiro que junta num mealheiro (ironicamente, do BES"). Mas a mãe relata a dor de alma que subsiste após um diálogo típico em que o filho lhe pediu para comprar algo e ela respondeu para juntar dinheiro. "Ele disse que tem dinheiro, só que o BES ficou com ele".
Os avós eram os donos da maior fatia dos 350 mil euros que, entre todos, aplicaram no BES. Antigo trabalhador do Porto de Leixões, José Castro, 88 anos, e ex-professora, Maria Arlete Castro, 79 anos, amealharam durante toda a vida e, apesar de terem reforma, temem "não ter dinheiro para despesas de saúde que venham a surgir".
Inês Castro ainda aplicou 100 mil euros da microempresa que possui, na Maia, e onde emprega 10 pessoas. "Convenceram-nos a juntar o máximo de dinheiro possível para termos uma taxa de juro melhor, de 4%", justifica.